Economia verde ou energia limpa com equidade
A América Latina e o
Caribe formam uma região com potencial para desacoplar seu crescimento do
consumo de combustíveis fósseis e passar para uma economia verde baseada em
energias mais limpas, mas com a condição de reduzir as brechas sociais. “Um em
cada três latino-americanos vive na pobreza e quase 90 milhões sobrevivem com
menos de um dólar por dia, por isso precisamos de um crescimento sustentado,
mas com maior igualdade e ambientalmente sustentável”, disse à IPS o secretário
permanente do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (Sela), José
Rivera.
Para Rivera, “não se
trata de mudar da noite para o dia os padrões de produção e consumo, mas de
avançar nessa direção, construindo consensos regionais para investimentos,
políticas públicas, incentivos, subsídios, normas, trabalho de formação e
conscientização, além da cooperação internacional.
O Sela, que reúne 28
Estados latino-americanos e caribenhos, produziu um estudo que assume, como
condição básica para “deixar verde uma economia marrom”, o estabelecimento de
uma nova matriz energética na região, apressando a passagem de uma economia
baseada na energia de carbono para outra, de energias renováveis e limpas.
Ao examinar a atual
matriz energética, o estudo constatou que em 2009 a região produziu o
equivalente a 7,424 bilhões de barris de petróleo (de 159 litros cada), 80% dos
quais baseados em hidrocarbonos e carvão. A distribuição por tipo de
combustíveis foi a seguinte: 50,2% petróleo, 23,9% gás, 10,8% biomassa (lenha e
cana, com 5,4% cada uma), 6,6% hidroenergia, 6% carvão mineral, 1,3% o conjunto
de eólica, solar e outras renováveis, 0,6% nuclear e 0,6% geotérmica.
Os principais países
produtores são México com 24,7%, Brasil com 22,9%, Venezuela 20,4%, Colômbia
9,8%, Argentina 7,7%, Trinidad e Tobago 4,2%, e Equador com 2,8%. A Venezuela é
líder na produção de petróleo, seguida de México e Brasil. O México é líder em
gás, seguido de Argentina e Trinidad e Tobago, enquanto a Colômbia produz três
quintos do carvão, o Brasil lidera na produção de lenha, cana, hidroenergia e
outras energias renováveis, o México em geotermia, e Brasil e México são
produtores nucleares. Do conjunto da oferta energética regional, 74,4% tem
origem em fontes não renováveis e 87,6% são de energias muito contaminantes,
com altas emissões de dióxido de carbono (CO²).
A América Latina “tem
enormes possibilidades de contar com uma energia mais verde, começando pelo
grande potencial de energia hidrelétrica, primeiro no Brasil e depois na
Venezuela, México, Colômbia, Paraguai e Argentina”, explicou à IPS o
especialista Juan Carlos Sánchez, do Grupo Intergovernamental de Especialistas
sobre Mudança Climática (IPCC).
Só a Venezuela, com
capacidade hídrica e térmica para gerar 20 mil megawatts/hora de eletricidade,
poderia instalar capacidade para outros 100 mil megawatts/hora de fontes
hídricas, eólicas e de biomassa. Outras fontes para as quais há grande
potencial, segundo Sánchez, embora exijam fortes investimentos ainda muito
incipientes, são as energias solar e eólica.
“Contudo, ao se
tratar de fontes chamadas verdes, independente de serem renováveis ou não, é
imprescindível considerar todas as implicações, como é o caso dos agro ou
biocombustíveis, como bioetanol ou biodiesel, causadores de problemas terríveis
de posse e uso da terra, mais contaminação por agroquímicos, o que também leva
a problemas sociais muito sérios”, destacou Sánchez.
O agrônomo Edgar
Jaimes, professor titular da venezuelana Universidade de Los Andes, observou
que “a economia verde constitui uma nova visão capitalista do mundo, cujo
objetivo principal é utilizar a biomassa terrestre com a finalidade última de
continuar potencializando os sistemas produtivos, que nos últimos 50 anos
depredaram e exploraram os bens naturais e o próprio homem”. “A produção
primária do planeta ultrapassa os 250 bilhões de toneladas de biomassa ou
matéria viva. Apenas 62 bilhões de toneladas são usadas para atender as
necessidades humanas e industriais atuais. A diferença fica para o novo modelo
‘verde’, com fins de renda ou lucro capitalista”, afirmou.
Com essas
advertências, a região da América Latina e do Caribe “deve buscar a forma de
passar para um crescimento sustentável. Existe consenso de que a economia
baseada em carbono está chegando ao seu limite”, afirma o Sela. Julio Centeno,
também professor na Universidade de Los Andes, resume que “se trata de
desacoplar a energia do consumo de combustíveis fósseis e levá-la para energias
mais limpas, um desafio para nações como as da Organização de Países
Exportadores de Petróleo (Opep)”, cujos sócios regionais são Venezuela e
Equador.
O Sela alerta que “é
necessária a intervenção direta do Estado por meio de políticas públicas que
facilitem e incentivem a transição, mas não só isso: o tema está na necessidade
de fazer uma transição inclusiva”, pois “são precisos ajustes para garantir o
emprego e a capacitação” a fim de trabalhar na economia verde. Também se
necessitará dar atenção especial aos setores produtivos que poderiam perder
viabilidade ao se desfazerem dos combustíveis fósseis e abraçarem energias mais
limpas.
O Sela propõe aos
Estados da região começar um inventário dos elementos que devem integrar uma
matriz de economia verde, para poder elaborar políticas que sustentem a
transição. Também recomenda elaborar um estudo sobre o capital natural (bens e
serviços ambientais disponíveis) na região e sua relação com a energia do
carbono, e definir áreas temáticas e projetos que possam somar as vantagens
comparativas tanto regionais como de cada país.
Além disso, a região
deveria estabelecer mecanismos de acompanhamento destas políticas e destes
projetos, coordenar suas ações, desenvolver programas de cooperação Sul-Sul
sobre economia verde e identificar fontes de financiamento para seus novos
projetos. A caminho da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20), que acontecerá entre 20 e 22 de junho no Rio de Janeiro,
Rivera propõe que a região adote e desenvolva seu próprio decálogo de marcha
para uma economia verde no contexto da nova Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos. (cristovam.org)
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