A energia eólica é realmente competitiva no Brasil?
Desde a implantação do Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), a energia eólica tem experimentado
uma trajetória de forte difusão no Brasil. Após ser a fonte de geração com
maior participação no programa (1.422 MW), a energia eólica passou a ter
participação crescente nos leilões de expansão do sistema elétrico brasileiro.
Primeiramente, parques eólicos foram selecionados em leilões
orientados para fontes com menores impactos ambientais (leilões de reserva –
LER e leilões de fontes alternativas – LFA).
Posteriormente, no leilão de
expansão com antecedência de três anos (A-3) ocorrido em 2011, aproveitamentos
eólicos venceram o certame competindo diretamente com as demais fontes de
geração.
Por intermédio do Proinfa e dos leilões, já foram
contratados 7 GW de capacidade de geração eólica no Brasil. Desse total, 1,4 GW
está em operação. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) considera que em
2020 a capacidade instalada de centrais eólicas no Brasil alcançará 11 GW.
Como a tabela I ilustra, essa trajetória foi acompanhada da
redução do preço médio da energia eólica negociada nos leilões e do aumento do
fator de capacidade dos projetos de parques eólicos.
Tabela I
Capacidade – Fator de Capacidade - Preço
MW
%
R$/ MWh
PROINFA - 1.422 - 37% - 270,32
LER 2009 - 1.806 - 43% - 148,40
LER 2010 - 528 - 51% - 122,69
LFA 2010 - 1.520 - 43% - 134,13
A-3 2011 - 1.068 - 45% - 99,48
LER 2011 - 861- 50% - 99,54
A competitividade da energia eólica no Brasil demonstrada
nos leilões impressionou até mesmo especialistas setoriais, pois não é
observada em outras experiências. Nos países em que a energia eólica se
desenvolveu de forma mais significativa, os subsídios são bastante
significativos. Alguns fatores podem explicar a vantagem da produção brasileira
de energia eólica, como ventos mais favoráveis – principalmente no nordeste
brasileiro -, complementação com a geração hidrelétrica e possibilidade de
“estocagem indireta” de energia através dos reservatórios das usinas
hidrelétricas. Essas características permitem ao Brasil lidar melhor com a
intermitência da geração eólica, que é o principal limitante de sua difusão em
sistemas predominantemente termelétricos.
O fator de capacidade considerado nos projetos brasileiros é
substancialmente mais elevado do que a experiência internacional. Segundo a
tabela II, o fator de capacidade médio observado nos dez países de maior
capacidade de geração eólica é de apenas 21%. Ou seja, metade do fator médio
considerado em projetos no Brasil.
Tabela II
País – 2008 – 2003/2007
Estados Unidos – 24% - 26%
Alemanha – 19% - 18%
Espanha – 22% - 25%
China – 12% - X
Índia – 18% - X
Itália – 16% - 19%
França – 19% - 22%
Reino Unido - 30% - 26%
Portugal – 23% - 23%
Dinamarca – 25% - 23%
Boccard (2009) aponta que há uma tendência de superestimação
do fator de capacidade de parques eólicos projetados em relação ao que é
observado no caso europeu. Segundo o autor, enquanto as estimativas do fator de
capacidade da energia variam em um intervalo entre 30 a 35%, os valores
observados da razão da energia produzida e da capacidade instalada são
inferiores a 21% no período 2003-2007. O autor enfatiza que dessa forma, os
custos são aumentados em dois terços e a redução de emissões decorrente da
instalação dos parques eólicos é 40% inferior à planejada.
Os dados de geração observada nos parques eólicos
brasileiros, publicados pelo ONS nos boletins mensais de geração eólica,
sugerem que fenômeno parecido pode ocorrer no Brasil. A tabela III apresenta os
fatores de capacidade estimados e observados das usinas eólicas operadas
centralizadamente pelo ONS. O valor observado corresponde à razão entre a geração
média observada e a capacidade de geração das usinas. Na região sul, o fator de
capacidade observado é idêntico ao projetado, 31% na média. No entanto, na
região nordeste, onde as usinas contam com fator de capacidade projetados mais
elevados, os valores observados são bastante inferiores aos projetados. Na
média, o fator de capacidade projetado é de 42% e o observado de 32%. Ou seja,
as usinas eólicas do nordeste produziram 25% menos do que foi projetado (e
contratado).
Tabela III
Usinas – Região - Fator de Capacidade Projetado - Fator de
Capacidade Observado
OSÓRIO – S - 32,0%
- 29,1%
DOS ÍNDIOS – S - 30,0% - 28,9%
SANGRADOURO – S - 33,0% - 31,7%
CIDREIRA I – S - 32,5% - 33,7%
CHATO I – S - 26,5% - 27,6%
CHATOII – S - 26,5% - 29,1%
CHATOIII – S - 37,0% - 39,4%
RIO DO FOGO – NE - 34,0% - 31,5%
PRAIA FORMOSA – NE - 39,0% - 26,7%
ICARAIZINHO – NE - 43,0% - 42,1%
CANOA QUEBRADA – NE - 43,5% - 34,5%
BONS VENTOS – NE - 43,8% - 32,2%
ENACEL – NE - 43,5% - 27,7%
VOLTA DO RIO – NE - 47,0% - 33,3%
PRAIA MORGADO – NE - 50,0% - 25,5%
ALEGRIA I – NE - 32,0% - 21,8%
M SECO 3 – NE - 48,8% - 38,5%
M SECO 2 – NE - 46,2% - 41,3%
M SECO 1 – NE - 47,3% - 38,3%
M SECO 5 – NE - 50,4% - 29,4%
MÉDIA S – X - 31,4% - 31,4%
MÉDIA NE – X - 42,3% - 31,7%
Ainda que o período de observações seja limitado para as
usinas que começaram a operar em 2010 e 2011, alguns fatos são marcantes.
Nenhuma das 13 usinas eólicas da região nordeste alcançou o fator de capacidade
previsto. O fator de capacidade alcançado é quase metade do projetado em
algumas usinas, como Mangue Seco 5 (valor observado 42% inferior ao projetado)
e Praia Morgado (49% inferior ao projetado).
As novas usinas eólicas que foram selecionadas através de
leilões e que devem entrar em operação nos próximos anos contam com estimativas
de fatores de capacidade mais elevadas que as usinas que já estão operando. Se
confirmada a tendência apontada por Boccard (2009) e essas usinas não
alcançarem o nível de operação projetado, as condições que propiciaram a difusão
da energia eólica em bases competitivas no Brasil são colocadas em xeque.
Com menores fatores de capacidade, as eólicas são
relativamente mais caras. Considerando a diferença observada no nordeste como
parâmetro, as eólicas seriam 33% mais caras do que o seu valor nos leilões. Em
termos gerais, o impacto seria um maior custo operacional que o previsto no
sistema elétrico e uma distorção na seleção de tecnologias, pois outras fontes
poderiam ser selecionadas. Para os empreendedores, fatores de capacidade
inferiores aos projetados podem implicar em prejuízos. Segundo as regras dos
leilões, eventuais diferenças entre energia gerada e projetada podem ser
compensadas ao longo dos anos. Mas se o diferencial anual é superior a 10%, há
previsão de multa e aquisição de energia para suprir a diferença no mesmo ano.
Outro problema que as usinas eólicas têm enfrentado no
Brasil é cumprimento do cronograma de obras. Segundo o acompanhamento da Aneel,
apresentado na tabela IV, dos 6,4 GW de expansão de geração eólica até 2015
apenas 24% não enfrenta qualquer problema para a entrada em operação. 70% da
expansão é classificada em “amarelo” pela Aneel, indicando possíveis atrasos no
andamento das obras ou na obtenção de licença.
Tabela IV
Situação - MW
Sem impedimentos - 1.540 - 24%
Com impedimentos - 4.524
- 70%
Graves problemas - 377 - 6%
Esses problemas não inviabilizam a difusão de energia
eólica, mas, certamente, colocam questionamentos quanto à trajetória de êxito
competitivo observada até recentemente. Como a fonte eólica tem vantagens
ambientais que não são incorporadas economicamente no Brasil, o sobre custo
pode se justificar. No entanto, é essencial que o fator de capacidade seja
acompanhado para que os mecanismos de incentivo sejam desenhados de forma adequada
e a expansão ocorra em bases sustentadas. (ambienteenergia)
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