Os deletérios impactos da crise nuclear no Japão
O artigo aborda o
acidente nuclear no Japão em 11 de março de 2011. Em decorrência do terremoto
seguido de tsunami, foram danificados três dos seis reatores existentes no
complexo Daiichi-Fukushima. Ocorreram explosões, seguidas da liberação de
materiais radiativos ao meio ambiente. São mostrados os efeitos danosos nos
casos da exposição do homem a radiações. Comenta-se a existência do principal
nó górdio da geração nucleoelétrica, que é a produção do indescartável lixo
atômico.
Em sua forma
clássica, ao ser bombardeado por nêutrons, o urânio 235 gera como subprodutos
de fissão o bário 142 e o criptônio 91, acrescidos da liberação de outros três
nêutrons e geração de energia sob forma de calor. E isso pode ser representado
pela equação: 235U + n ® 142Ba + 91Kr + 3 n
[1,9 x 107 kcal/g 235U]. Os três nêutrons liberados
colidem com outros átomos de urânio 235, que acabam por sustentar a chamada
reação em cadeia. Nesse processo, há a produção de cerca de 30 produtos
primários de fissão, com meias-vidas que variam de 30 segundos (ródio 106) a 30
anos (césio 137).
Dentre eles, além do
césio, os mais preocupantes por serem deletérios aos seres vivos são o iodo
131, o próprio bário 140 (12,8 dias) e o estrôncio 90 (28 anos). No caso do
iodo radiativo, ele produz nos homens diversos tipos de cânceres dos quais o
mais comum é o da tireoide. Além disso, a literatura registra baixa na contagem
de plaquetas e com consequentes sangramentos, inflamação e fibrose nos pulmões,
sangramento no estômago e intestino delgado, queda de 50% nos glóbulos brancos
e alteração na estrutura do DNA (o que é gravíssimo, já que a pessoa irradiada
transmitirá informações genéticas erradas à progênie). Para mitigar seu
terrível impacto, o que se costuma fazer é indicar a ingestão de iodeto de
potássio. Pois, saturado de iodo estável, o corpo humano excreta o iodo
radiativo por suor, urina e fezes. O caso do césio é mais complexo, já que,
liberado na atmosfera, ele se deposita nas lavouras e contamina por longo
período de tempo os vegetais com os quais nos alimentamos. O césio radiativo é
potencial formador de câncer nos tecidos nervosos. De igual maneira, as
emissões de estrôncio e bário radiativos são danosas, de vez que, ao se
alimentar nas pastagens, os mamíferos os ingerem fixando-os no leite que deles
consumimos. E isso é de extrema gravidade, pois, por serem metais
alcalino-terrosos, eles se fixam nos nossos ossos, constituídos
preponderantemente de cálcio. E como os raios atômicos do bário, estrôncio e
cálcio são de dimensões próximas umas às outras, muito provavelmente ocorrerão
trocas atômicas. E, com isso, a possibilidade da ocorrência de cânceres de
ossos em virtude de o estrôncio ou bário radiativos permutarem de lugar com o
cálcio. Naturalmente, é oportuno salientar que os maiores impactos incidem
sobre as crianças, de vez que elas estão sujeitas às maiores multiplicações (e
velocidades) de crescimento e produção das células.
Vale mencionar que o
método clássico da descontaminação do césio 137 se dá pelo emprego, como agente
quelante, de solução do azul da Prússia (ferrocianeto de ferro, de fórmula
estrutural Fe7N18C18), assim chamado por ter sido usado antigamente no
tingimento da cor azul nos uniformes militares prussianos. Na verdade, ao
quelar, o césio forma-se um precipitado de cor castanha, o que comprova a
eficiência do método.
Mesmo assim, as
notícias envolvendo os recentes acidentes nucleares no Japão são altamente
preocupantes. Se há quase 66 anos a catástrofe atômica para eles proveio do
espaço aéreo, pelo lançamento de bombas atômicas por bombardeiros
norte-americanos, dessa vez ela teve sua origem no tsunami formado no mar. É
relevante mencionar que só no dia 6 de agosto de 1945 Hiroshima foi devastada.
E, naquele ato, foram destruídos 13 quilômetros quadrados. O que resultou na
morte instantânea de população estimada entre 70 mil e 250 mil pessoas.
Contudo, por efeito da radiação residual, morreram até 31 de dezembro daquele
mesmo ano outras 80 mil pessoas. E até hoje, os habitantes de Hiroshima e
Nagasaki que sobreviveram têm carimbados nas suas cédulas de identidade a
inscrição hibakusha (o que na língua nipônica significa “vítima das
bombas”).
O que desejamos é
que os planos de evacuação das regiões atingidas em território japonês sejam
eficazes, evitando, com isso, a reedição da ocorrência de novos hibakushas.
Danos ao meio ambiente, contudo, são inevitáveis e inexoráveis. É o oneroso
preço da utilização de tecnologia ainda não amadurecida da fissão nuclear, que
se mostrou problemática desde os anos 1960 do último século. Afinal, de lá para
cá, já ocorreram no mundo todo ao menos sete acidentes nucleares de grandes
proporções, envolvendo inúmeros óbitos. É impossível, no entanto, quantificar o
número de mortes, já que muitas delas se deram em instalações nucleares
secretas. Expediente esse, aliás, amplamente usado pelas nações que se utilizam
ou desenvolvem pesquisas nucleares, sempre sob o pérfido e pífio argumento de
tratar-se da imperiosa necessidade de preservação do chamado “segredo de
Estado”.
Para agravar ainda
mais o imbróglio, ao menos uma das unidades do complexo nuclear de
Daiichi-Fukushima emprega o MOX como combustível. O MOX,
abreviatura de Mixed Oxide (mistura de óxidos), é o combustível no
qual um dos constituintes é o plutônio, numa proporção variável entre 3% e 10%.
O plutônio é um elemento químico pesado, inexistente na natureza e que foi
criado artificialmente em 1940 como um dos subprodutos do processamento de urânio
pelas usinas nucleares. Os principais e mais perigosos isótopos são o plutônio
238 (meia-vida de 88 anos). E o 239 (meia-vida de 24 mil anos. Atenção! você
não leu ou entendeu de forma equivocada. São 240 séculos mesmo). Trata-se de
uma das substâncias mais radiotóxicas e perigosas das quais se têm notícia.
Para isso, basta dizer que a inalação ou ingestão de um milionésimo de grama do
plutônio 239 é simplesmente fatal.
Por todos esses
dramáticos antecedentes, somos compelidos a postular as mais profundas e
sensatas revisões nos projetos de implantação de eventuais (e desnecessárias,
ao menos neste momento) novas plantas nucleares no Brasil. Afinal, temos na
água das chuvas o fuel (combustível) de custo zero para o país. Além
da enorme abundância das fontes renováveis de energia, representadas pela
geração solar, biomassas, eólica e maremotriz.
O indescartável
descarte do lixo atômico
O principal problema
da fissão nuclear é a produção de rejeitos radiativos (também chamado lixo
atômico), que podem emitir radiações ionizantes por milhares de anos. Como
exemplo crucial mencionamos o plutônio 238, cuja meia-vida é de 88 anos. Caso
mais dramático ainda é o do plutônio 239, com meia-vida de 240 séculos. Inexiste
solução prática e, tampouco, em nivel mundial para o problema. Pois não se
pode acelerar o processo do decaimento radioativo de um isótopo senão respeitar
o seu tempo de meia-vida. Parte dos rejeitos podem ser reaproveitados como o 239Pu
gerado nos reatores. E essa foi a opção adotada pelas autoridades nucleares do
Japão de empregar o MOX numa das unidades do complexo de Fukushima.
Tradicionalmente os
rejeitos nucleares são classificados em três tipos: (1) HLW (High Level Waste),
que é o combustível irradiado pelo núcleo; (2) ILW (Intermediate Level Waste),
representado pelo material metálico que entrou em contato com o combustível
nuclear ou com o reator; e (3) LLW (Low Level Waste), que engloba as roupas de
proteção, equipamentos de laboratório ou algum outro material que tenha tido
contato com o material radiativo.
Os rejeitos do tipo
ILW e LLW devem ser armazenados em locais fechados e blindados até que a
atividade radiativa decaia em nível de baixo impacto ambiental. Já os rejeitos
HLW devem ser isolados por milhares de anos. Algumas soluções já foram
levantadas por pesquisadores. Até mesmo a possibilidade de enviar o lixo
atômico para o espaço sideral. Onde em elevadíssimas altitudes a radiatividade
é mais intensa ainda. Essa saída, contudo, esbarra na baixa confiabilidade no
lançamento de foguetes. Prova disso é que, por volta de 1985, uma espaçonave
tripulada norte-americana da missão Challenger explodiu 30 segundos
após o seu lançamento da base de Cabo Canaveral.
Outras soluções
sempre temporárias envolvem o sepultamento dos resíduos de
alta radiatividade em minas subterrâneas de sal. É o que faz a Alemanha por
supor que, como estruturas geológicas antigas e estáveis, as minas salinas
desativadas se manterão íntegras por longo período de tempo. Já os Estados
Unidos optaram por enterrar os rejeitos em regiões desérticas. Há décadas eles
depositam o lixo atômico em túneis construídos no deserto do Arizona. E ainda
está em fase de discussões acaloradas e de grandes polêmicas a escolha como
local para depósito desse tipo de rejeito em Yucca Mountain (no Estado
de Nevada e a 100 km de região habitada).
Situação em Angra
Em Angra dos Reis
(RJ), que conta com duas centrais nucleares em operação e a terceira planta em
fase de construção, os resíduos de baixa radiatividade (na maior parte luvas e
equipamentos contaminados) são guardados em contêineres alojados em galpões de
concreto construídos em prédio anexo às usinas.
Os de média atividade
também ficam em galpões, mas recebem tratamento especial. “Garras” de metal
empilham os recipientes que armazenam os líquidos do circuito fechado que
passam pelos reatores, em galpões envoltos por concreto. O operador dessas
“garras” fica em uma antessala protegida por vidros reforçados por chumbo para
evitar contato com a radiação.
Ainda não foi
definido, segundo o governo, o destino final do preocupante e sempre perigoso
lixo nuclear brasileiro. Porém, as usinas são obrigadas a armazenar o material
provisoriamente. Em 2019, esgota-se o espaço nos depósitos intermediários de
Angras I e II. Ainda estão em andamento (sempre segundo o poder público)
estudos para a construção de um depósito definitivo, onde os rejeitos de baixa
e média atividade descansarão até que se tornem menos nocivos. Mas, por
enquanto, nada foi decidido. O início do funcionamento de Angra III, previsto
para dezembro de 2015, está condicionado à construção de um depósito
definitivo.
Já os rejeitos de
alta radiatividade, constituídos pelo combustível nuclear após sua utilização,
são armazenados em uma “piscina” junto aos reatores. Embora alguns países
reutilizem esse tipo de rejeito, as autoridades do Brasil dizem ainda não ter
planejado reciclá-lo. O certo é que esse tipo de material deve permanecer com a
usina permanentemente e sob cuidado, mesmo depois de ela ser descomissionadas
(o que no jargão técnico significa ser desativada). (EcoDebate)
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