domingo, 26 de fevereiro de 2017

Solar: 2017 definirá o futuro da fonte no país

Cadeia produtiva precisa de contratos este ano, não há mais pedidos a partir de 2019. Prazo é justo e há risco de investimentos migrarem para outros países.
Há um conhecido ditado popular que diz ‘O sol nasce para todos’ aplicado quando se trata da busca por oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Essa frase poderia ver acrescentado um ‘Ainda mais no Brasil’, em referência ao potencial de irradiação mapeado em diversas regiões do país. E é justamente para pegar carona nesse aspecto que o setor de geração solar fotovoltaica entrou em cena e negocia junto ao governo a necessidade de contratar projetos de energia nova ainda este ano. A meta é reverter o atual quadro de desconfiança do setor quanto aos planos do país quanto ao desenvolvimento de uma cadeia de produção nacional. O ano de 2017 é visto como crucial para essa indústria chancelar o Made In Brazil nos seus equipamentos.
Como é de conhecimento de todo o setor elétrico, assim como a eólica, a solar fotovoltaica não teve nenhuma contratação de energia em 2016 em função do cancelamento do leilão de energia de reserva, em dezembro. Estimativas da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica apontam que o potencial de investimentos nesse leilão era de R$ 9 bilhões.
Assim, o Brasil viu a entrada da fonte em apenas três leilões, realizados nos anos de 2014 e 2015 que trouxeram uma carteira de pedidos para a indústria com entregas previstas em 2017 e 2018, com 2 GW este ano e 1 GW para o período seguinte. O problema ocorre a partir de 2019 onde não há nenhuma previsão de demanda, o que pode trazer graves consequências para o estabelecimento do Brasil como uma base de produção para essa fonte que vem crescendo a índices exponenciais ao mesmo passo que os preços recuam.
De acordo com o presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, a fonte lidou com uma frustração dupla em 2016 já que a previsão era de participar de dois leilões de reserva –estabelecidos em portaria do governo – e que no final não reverteu em novos contratos de geração centralizada. “Estamos em um momento de bastante insegurança e incertezas. Para 2017 e 2018 temos projetos a serem implantados, o problema vem a partir de 2019 onde temos um verdadeiro abismo em decorrência da falta de novas demandas”, afirmou. “Isso traz insegurança e risco para investidores, principalmente para quem faz parte da cadeia produtiva, que trabalha com um horizonte de 10 anos para avaliar as oportunidades de investimentos”, acrescentou. E questiona, “Como fazemos para atrair investidores dessa forma?”
Apesar dessa situação, ele comentou que reconhece a posição do governo pelo cenário que se mostrou no ano passado. E destaca o interesse do ministro e sua equipe quanto a importância das renováveis. Além disso, a entidade vem trabalhando de forma a contribuir com a discussão sobre o tema. Tanto que sete dias atrás apresentaram um estudo à diretoria da Empresa de Pesquisa Energética sobre o tema. Aliás, destacou Sauaia, o presidente da EPE, Luiz Augusto Barroso, explicou nessa oportunidade que apesar de terem cancelado o leilão pelos motivos já conhecidos, a sobrecontratação e sobra de estrutural de energia, havia uma pequena demanda, mas, que obviamente, ele não revelou esse volume.
O estudo apresentado pela Absolar foi desenvolvido pela Engenho e aponta que o país precisa efetivamente de energia de reserva a partir desse ano. De certa forma, corrobora a conclusão que a própria ABEEólica apresentou no ano passado. A questão principal são os chamados ‘elétrons de papel’, ou seja, contratos de garantia física cuja energia não será efetivamente colocada na rede. A origem está nos projetos que não sairão do papel e pela perda de eficiência das usinas que não conseguem mais produzir aquele volume para o qual foram contratadas, entre outros fatores.
De acordo com a diretora executiva da consultoria, Leontina Pinto, que assina o estudo ao lado de Alexandre Lafranque, desconsiderando as térmicas do sistema há cerca de 8,5 GW médios de energia de papel que não são efetivamente gerados. Esse volume representa, segundo ela, um grande problema caso a economia nacional recupere-se. “Temos que torcer para que não tenhamos a retomada econômica, senão a geração que temos não segura a demanda. Então, nesse contexto, não se pode dizer que está sobrando energia”, alertou.
O estudo tem como base os dados de consumo da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e a energia efetivamente gerada. Além disso, considera o nível dos reservatórios que está em um patamar baixo para o período do ano. Inclusive, observou, a tendência é de vermos uma redução importante já que a carga vem subindo e as chuvas estão abaixo da média. Leontina disse que um dos maiores impactos que elevaram o volume de energia de papel são justamente os reservatórios, uma vez que a eficiência das usinas está prejudicada pelo volume desfavorável de água acumulada em todo o país. A exceção é o Sul do país. “Essa redução de eficiência impacta entre 15% a até 30% na geração hidrelétrica quando comparamos as usinas com reservatórios mais cheios”, explicou.
Um sintoma claro que o país está passando por um problema grave é que apesar das usinas térmicas de CVU acima de R$ 211/MWh estarem desligadas, medida oficializada ainda no primeiro semestre de 2016, no Nordeste vê centrais cujos valores estão na casa de R$ 1 mil/MWh em operação fora da ordem de mérito e que vão para o Encargo de Serviços do Sistema. “Existem várias soluções para evitar esse problema, mas com o atual cenário regulatório o que se encaixa é justamente a contratação de energia de reserva. Sabemos que gera custos e onera, mas é melhor ter a energia do que faltar, e das fontes disponíveis, a solar é a que entraria mais rápido que as demais”, afirmou Leontina.
Nas contas da Engenho são necessários cerca de 2 GW de capacidade nova por ano para se evitar o acionamento das térmicas a qualquer preço. E lembrou ainda que essa energia não chegaria antes de 2018, ou seja, o sistema atual não seria suficiente para atender a demanda do país, que passaria esses dois anos com risco de abastecimento. Nem com as térmicas atuais. Enquanto essa discussão sobre a necessidade de contratação se estende, o que os investidores da cadeia de produção veem é a proximidade do final dos pedidos. Apesar de existir um sentimento de confiança de que esse cenário não deverá permanecer, o posicionamento das empresas adota um tom pragmático quando o assunto são as operações.
Na avaliação de Hugo Albuquerque, gerente geral de Vendas da Canadian Solar para a América do Sul e Central, a notícia do cancelamento pegou de surpresa, pois ocorreu na mesma semana em que foi inaugurada a fábrica da empresa, em Sorocaba (SP). “Essa não foi uma notícia bem vinda, mas quando decidimos vir para o país já tínhamos feito um estudo de mercado”, lembrou ele. “Continuamos apostando no país, viemos para ficar e não temos pretensão de sair por conta de apenas um exemplo negativo. No momento há outras questões que precisam ser abordadas como o custo de produção nacional que deixa nosso produto entre 40% a 45% mais caro que o importado já nacionalizado quando comparamos com o módulo chinês”, apontou ele, explicando que a diferença está na cobrança de impostos como IPI, PIS/Cofins e ICMS para os insumos e que não podem ser creditados pelas empresas o que aumenta o custo de produção. Segundo ele, essa é uma ameaça real ao produto nacional assim como a falta de leilões como mecanismo para atrair a cadeia produtiva.
Albuquerque avalia que a demanda gerada pelos certames dos quais a fonte participou criaram uma carteira efetiva de pedidos de cerca de 2 GW, já que cerca de 600 MW dificilmente sairão do papel. Isso traz um movimento de 1 GW/ano em 2017 e outro volume semelhante para o período posterior, conforme destacou o presidente da Absolar anteriormente.
“Se fizermos um leilão para entrega em 2019 continuo em linha com pedidos constantes ao longo do tempo e uma demanda contínua, como deve ser. Acredito que o governo tem essa intenção ainda mais com os atuais ocupantes dos postos que são favoráveis à solar”, comentou. “Mas, se vier novamente um sinal negativo o governo vai demonstrar que não há um compromisso com a cadeia nacional e aí o investidor vai em busca de mercados mais estáveis e com níveis de crescimento interessantes, pois para ter fábrica precisamos de escala e previsibilidade, senão temos um aumento da aversão ao risco e aplicação dos recursos em outras regiões”, explicou.
Outro grande fabricante de módulos que está chegando de forma prática no país, a BYD, cuja fábrica está em testes e deverá iniciar a produção comercial no início de março, o ano de 2017 é crítico para o setor. Isso porque há justamente a perspectiva de paralisação das atividades se avizinhando em um momento de inicio de produção. “Começaremos agora a produção até 2018 com os atuais contratos e depois não teremos mais nada. Isso traz insegurança e não sabemos no atual momento quando teremos novos clientes”, disse Adalberto Maluf, diretor de Marketing e Assuntos Governamentais da BYD.
Contudo, ele reforça o coro de agentes que estão confiantes de que o governo esta sensível a atual falta de contratos para a fonte em um momento de nascimento da cadeia produtiva para a solar fotovoltaica. Ele reforça o fato de que o país tem passado por um momento delicado onde há térmicas ligadas mesmo em um momento de PLD que gira na casa de R$ 100/MWh e em pleno período úmido.
“O sinal de 2016 gerou incerteza sim, mas acreditamos que a decisão de investimentos no Brasil foi acertada porque existe o compromisso em gerar energia no futuro, ainda mais com a perspectiva de crescimento da economia. Além disso, outro fator que ajuda é considerar a energia como política de desenvolvimento do país, que pode custar mais agora, mas colocará o Brasil entre os principais mercados dessa fonte no mundo no longo prazo”, acrescentou ao lembrar que a solar fotovoltaica é a que gera, proporcionalmente, o maior número de empregos por MW instalado.
Contudo, o representante da BYD lembrou que a decisão do governo brasileiro deve ser tomada de forma rápida, pois a fonte tem atraído investimentos no mundo todo com grandes mercados se consolidando e na disputa por recursos destinados à fabricação de equipamentos. Em sua avaliação, se o Brasil ficar para trás, a decisão de investir será direcionada para outras regiões e depois da consolidação desses aportes ficará difícil atrair a cadeia para o país.
Maluf reforça a questão explicitada pelo concorrente, a Canadian, de que os custos de produção no país têm preocupado. Ele relatou que desenvolvedores que venderam energia solar em leilão tem recorrido algumas vezes ao produto importado mesmo com a diferença cambial. Isso por conta da situação tributária do produto nacional ante o importado. “Inclusive, muitos empreendedores que participariam desse leilão cancelado disseram que se vendessem energia utilizaram painéis importados em seus projetos”, destacou. “Se tivermos leilão e as condições não mudarem, não teremos demanda do mesmo jeito, e aí sem demanda não existirão fabricantes no país”, alertou.
A fábrica da BYD, localizada em Campinas (SP), tem capacidade instalada para produção de 200 MW ao ano, resultado de um investimento de R$ 150 milhões. Possui contratos para fornecimento os módulos para projetos que negociaram energia nos três leilões dos quais a fonte participou. Segundo Maluf, a empresa já olha para uma possível expansão para 400 MW ano. Para que esse movimento ocorra, explicou o executivo, são necessários pedidos para mais um ano de operação, ou seja, ao garantir mais 400 MW de demanda, a perspectiva é de que haja um aporte adicional na unidade, estimado em R$ 50 milhões para a aquisição de maquinário e a adoção de um terceiro turno para que esse processo se torne realidade.
De uma forma geral, a foto do momento aponta para a paralisação e o encerramento das atividades das empresas no país. Essa é a avaliação do diretor de Vendas para o Brasil da NexTracker, Nelson Falcão. Segundo ele, após a saída do ultimo caminhão para atendimento dos pedidos de clientes, fato que no cronograma da empresa está previsto para agosto de 2018 a tendência é de desmobilização de pessoal já que não há mais perspectivas de vendas por falta de demanda. “No nosso entendimento é necessário um mínimo de contratação ainda este ano para que possamos ter demanda para 2019”, afirmou. “Ainda há tempo para manter a viabilidade da cadeia produtiva, mas o prazo está apertado, ainda mais porque os próprios desenvolvedores esbarram em diversas questões burocráticas e ambientais”, lembrou.
Outro representante da indústria, a GE, que concluiu o processo de nacionalização de inversores e das estações conversoras solares de acordo com as regras do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, afirma que os impactos do cancelamento dos leilões de energia de reserva foram imediatos e com prejuízos das empresas habilitadas. E acrescenta que mais impactos serão sentidos em 2018 e 2019, quando as últimas entregas oriundas dos três leilões de reserva ocorridos até o momento forem finalizadas. A multinacional reforça o que os outros elos dessa cadeia já disseram acerca da necessidade de leilões para 2017. E avalia que o cancelamento do certame prejudicou a credibilidade do setor elétrico, afastou investidores estrangeiros e afetou o planejamento de investimentos em médios e longos prazos no país.
Já pelo lado dos desenvolvedores de projetos na fonte solar, a perspectiva é de que o mercado continue avançando, mesmo após o sinal negativo do ano passado. A perspectiva aparentemente é a mesma quando se compara a avaliação da cadeia eólica, de que para esse grupo de empresas houve uma perda de oportunidade de investimentos. No relato de Rodrigo Mello, diretor presidente da Kroma Energia, empresa que detém projetos que somam 150 MWdc em capacidade instalada, o mercado se decepcionou com a decisão de cancelar o certame dias antes de sua realização, mas mesmo assim, disse acreditar que a cadeia solar sobreviverá e continuará crescendo. “Estamos ansiosos por novos leilões e também que as restrições de conexão da rede interligada se resolva rapidamente, enfim, que o Brasil, retorne ao crescimento gerando as demandas”, opinou.
A empresa está com a previsão de iniciar as obras dos projetos Apodi 1 a 4 em maio desse ano. Nesse projeto, cuja maior participação acionária é da norueguesa Scatec Solar, que adquiriu uma parcela de 80% do projeto em 2016, a ideia é de antecipar a operação comercial em seis meses. O cronograma oficial junto à Agência Nacional de Energia Elétrica prevê esse marco no último trimestre de 2018. Nesse caso, comentou Mello, o projeto foi viabilizado por meio de um financiamento composto entre recursos do exterior e do Banco do Nordeste. Na avaliação do executivo, a não contratação da fonte solar em 2016 não deverá afetar o desenvolvimento de novos projetos ou ainda, elevar a taxa de retorno que os novos investidores terão no país, elevando o preço da energia desta fonte. “Ao se tomar como parâmetro os leilões que estão acontecendo pelo mundo afora não conseguimos ver isso”, disse o executivo.
Na avaliação de outro gerador, ligado a um grupo internacional europeu, a avaliação é de que será importante que o governo sinalize as suas intenções com a fonte já no primeiro semestre. Pelo mesmo motivo já destacado por Sauaia da Absolar, para que a indústria de equipamentos tenha demanda e possam justificar os investimentos que estão sendo feitos por aqui. Segundo a fonte, o que acontecer nos próximos meses será muito importante para o futuro da solar fotovoltaica no país. Pois, é necessário que se recupere o tempo perdido para que as empresas continuem acreditando no mercado brasileiro.
Ele relata que um ano sem leilão foi muito mal visto, mas entende-se o momento conturbado do Brasil. Contudo, disse que se tivermos um novo ano sem contratações para a fonte, aí o mercado entenderá que a solar não está nos planos de prioridade nacional. Consequentemente, corremos o risco de ver os recursos que poderiam ser destinados localmente a outras regiões mais atrativas e que tenham um planejamento de longo prazo. Tanto em produção quanto em geração como é o caso, já que o board de empresas estrangeiras não conseguem entender como é que um leilão é cancelado às vésperas da realização, quando as empresas já fizeram aportes de garantias. “Isso gera mais que prejuízo, desconfiança”, comentou.
O planejamento de longo prazo se viu comprometido com o cancelamento do leilão da forma que foi feito. Essa é a opinião da diretora da Clean Energy Latin America, Camila Ramos. Em sua avaliação, em primeiro lugar, houve uma perda de oportunidade de investimentos no ano passado que somou R$ 3 bilhões. Esse, comentou, é um nível considerando a contratação de um volume conservador de projetos, algo como 500 MW. “Outro ponto é que o cancelamento praticamente às vésperas do certame, os investidores já tinham realizado os aportes das garantias e isso significa muito, principalmente para os estrangeiros. Da próxima vez ficarão em dúvida da efetividade de realizar os investimentos no Brasil”, explicou a executiva.
Para ela, é difícil mensurar esses impactos, pois a impressão é negativa e quem vive o dia a dia de uma multinacional sabe como é difícil convencer o board de que investir no Brasil é uma boa opção. “Vai-se pensar duas vezes antes da decisão que será mais difícil de ser tomada e com uma percepção de risco aumentada”, acrescentou.
Contudo, a executiva da Cela acredita que mesmo com esse cenário de percepção de risco maior, dificilmente a energia solar fotovoltaica deverá aumentar de preço por exigência de TIR mais elevada pelas companhias. Ela toma como base a experiência da empresa na qual trabalha e que realiza assessoria financeira para agentes interessados em participar do leilões. Nesse contexto, está a tendência de queda de preços para a fonte, pois ainda há um grande espaço para essa retração. Até porque já temos investidores estabelecidos no país. No geral, ela estima que para esses empreendedores pouca coisa mudará. Somente para aquelas empresas que ainda não estão por aqui a entrada no mercado nacional deverá ficar mais difícil.
“A visão é que no longo prazo nada muda porque o custo da solar continuará a cair no Brasil e no mundo e há estudos que indicam que será a mais competitiva em alguns anos”, prevê. “Mas como impactos diretos poderemos ver é a postergação de investimentos na cadeia produtiva, grandes empresas devem segurar os aportes para ver os próximos passos do país para aí sim verificar se valerá a pena investir”, finalizou. (energia)

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