Cadeia produtiva precisa de
contratos este ano, não há mais pedidos a partir de 2019. Prazo é justo e há
risco de investimentos migrarem para outros países.
Há um conhecido ditado popular que diz ‘O sol nasce
para todos’ aplicado quando se trata da busca por oportunidades de crescimento
e desenvolvimento. Essa frase poderia ver acrescentado um ‘Ainda mais no
Brasil’, em referência ao potencial de irradiação mapeado em diversas regiões
do país. E é justamente para pegar carona nesse aspecto que o setor de geração
solar fotovoltaica entrou em cena e negocia junto ao governo a necessidade de
contratar projetos de energia nova ainda este ano. A meta é reverter o atual
quadro de desconfiança do setor quanto aos planos do país quanto ao
desenvolvimento de uma cadeia de produção nacional. O ano de 2017 é visto como
crucial para essa indústria chancelar o Made In Brazil nos seus equipamentos.
Como é de conhecimento de todo o setor elétrico,
assim como a eólica, a solar fotovoltaica não teve nenhuma contratação de
energia em 2016 em função do cancelamento do leilão de energia de reserva, em
dezembro. Estimativas da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica
apontam que o potencial de investimentos nesse leilão era de R$ 9 bilhões.
Assim, o Brasil viu a entrada da fonte em apenas
três leilões, realizados nos anos de 2014 e 2015 que trouxeram uma carteira de
pedidos para a indústria com entregas previstas em 2017 e 2018, com 2 GW este
ano e 1 GW para o período seguinte. O problema ocorre a partir de 2019 onde não
há nenhuma previsão de demanda, o que pode trazer graves consequências para o
estabelecimento do Brasil como uma base de produção para essa fonte que vem crescendo
a índices exponenciais ao mesmo passo que os preços recuam.
De acordo com o presidente executivo da Absolar,
Rodrigo Sauaia, a fonte lidou com uma frustração dupla em 2016 já que a
previsão era de participar de dois leilões de reserva –estabelecidos em
portaria do governo – e que no final não reverteu em novos contratos de geração
centralizada. “Estamos em um momento de bastante insegurança e incertezas. Para
2017 e 2018 temos projetos a serem implantados, o problema vem a partir de 2019
onde temos um verdadeiro abismo em decorrência da falta de novas demandas”,
afirmou. “Isso traz insegurança e risco para investidores, principalmente para
quem faz parte da cadeia produtiva, que trabalha com um horizonte de 10 anos
para avaliar as oportunidades de investimentos”, acrescentou. E questiona,
“Como fazemos para atrair investidores dessa forma?”
Apesar dessa situação, ele comentou que reconhece a
posição do governo pelo cenário que se mostrou no ano passado. E destaca o
interesse do ministro e sua equipe quanto a importância das renováveis. Além
disso, a entidade vem trabalhando de forma a contribuir com a discussão sobre o
tema. Tanto que sete dias atrás apresentaram um estudo à diretoria da Empresa
de Pesquisa Energética sobre o tema. Aliás, destacou Sauaia, o presidente da
EPE, Luiz Augusto Barroso, explicou nessa oportunidade que apesar de terem
cancelado o leilão pelos motivos já conhecidos, a sobrecontratação e sobra de
estrutural de energia, havia uma pequena demanda, mas, que obviamente, ele não
revelou esse volume.
O estudo apresentado pela Absolar foi desenvolvido
pela Engenho e aponta que o país precisa efetivamente de energia de reserva a
partir desse ano. De certa forma, corrobora a conclusão que a própria ABEEólica
apresentou no ano passado. A questão principal são os chamados ‘elétrons de
papel’, ou seja, contratos de garantia física cuja energia não será
efetivamente colocada na rede. A origem está nos projetos que não sairão do
papel e pela perda de eficiência das usinas que não conseguem mais produzir
aquele volume para o qual foram contratadas, entre outros fatores.
De acordo com a diretora executiva da consultoria,
Leontina Pinto, que assina o estudo ao lado de Alexandre Lafranque,
desconsiderando as térmicas do sistema há cerca de 8,5 GW médios de energia de
papel que não são efetivamente gerados. Esse volume representa, segundo ela, um
grande problema caso a economia nacional recupere-se. “Temos que torcer para
que não tenhamos a retomada econômica, senão a geração que temos não segura a demanda.
Então, nesse contexto, não se pode dizer que está sobrando energia”, alertou.
O estudo tem como base os dados de consumo da
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e a energia efetivamente gerada.
Além disso, considera o nível dos reservatórios que está em um patamar baixo
para o período do ano. Inclusive, observou, a tendência é de vermos uma redução
importante já que a carga vem subindo e as chuvas estão abaixo da média.
Leontina disse que um dos maiores impactos que elevaram o volume de energia de
papel são justamente os reservatórios, uma vez que a eficiência das usinas está
prejudicada pelo volume desfavorável de água acumulada em todo o país. A
exceção é o Sul do país. “Essa redução de eficiência impacta entre 15% a até
30% na geração hidrelétrica quando comparamos as usinas com reservatórios mais
cheios”, explicou.
Um sintoma claro que o país está passando por um
problema grave é que apesar das usinas térmicas de CVU acima de R$ 211/MWh
estarem desligadas, medida oficializada ainda no primeiro semestre de 2016, no
Nordeste vê centrais cujos valores estão na casa de R$ 1 mil/MWh em operação
fora da ordem de mérito e que vão para o Encargo de Serviços do Sistema.
“Existem várias soluções para evitar esse problema, mas com o atual cenário regulatório
o que se encaixa é justamente a contratação de energia de reserva. Sabemos que
gera custos e onera, mas é melhor ter a energia do que faltar, e das fontes
disponíveis, a solar é a que entraria mais rápido que as demais”, afirmou
Leontina.
Nas contas da Engenho são necessários cerca de 2 GW
de capacidade nova por ano para se evitar o acionamento das térmicas a qualquer
preço. E lembrou ainda que essa energia não chegaria antes de 2018, ou seja, o
sistema atual não seria suficiente para atender a demanda do país, que passaria
esses dois anos com risco de abastecimento. Nem com as térmicas atuais.
Enquanto essa discussão sobre a necessidade de contratação se estende, o que os
investidores da cadeia de produção veem é a proximidade do final dos pedidos. Apesar
de existir um sentimento de confiança de que esse cenário não deverá
permanecer, o posicionamento das empresas adota um tom pragmático quando o
assunto são as operações.
Na avaliação de Hugo Albuquerque, gerente geral de
Vendas da Canadian Solar para a América do Sul e Central, a notícia do
cancelamento pegou de surpresa, pois ocorreu na mesma semana em que foi
inaugurada a fábrica da empresa, em Sorocaba (SP). “Essa não foi uma notícia
bem vinda, mas quando decidimos vir para o país já tínhamos feito um estudo de
mercado”, lembrou ele. “Continuamos apostando no país, viemos para ficar e não
temos pretensão de sair por conta de apenas um exemplo negativo. No momento há
outras questões que precisam ser abordadas como o custo de produção nacional
que deixa nosso produto entre 40% a 45% mais caro que o importado já
nacionalizado quando comparamos com o módulo chinês”, apontou ele, explicando
que a diferença está na cobrança de impostos como IPI, PIS/Cofins e ICMS para
os insumos e que não podem ser creditados pelas empresas o que aumenta o custo
de produção. Segundo ele, essa é uma ameaça real ao produto nacional assim como
a falta de leilões como mecanismo para atrair a cadeia produtiva.
Albuquerque avalia que a demanda gerada pelos
certames dos quais a fonte participou criaram uma carteira efetiva de pedidos
de cerca de 2 GW, já que cerca de 600 MW dificilmente sairão do papel. Isso
traz um movimento de 1 GW/ano em 2017 e outro volume semelhante para o período
posterior, conforme destacou o presidente da Absolar anteriormente.
“Se fizermos um leilão para entrega em 2019
continuo em linha com pedidos constantes ao longo do tempo e uma demanda
contínua, como deve ser. Acredito que o governo tem essa intenção ainda mais
com os atuais ocupantes dos postos que são favoráveis à solar”, comentou. “Mas,
se vier novamente um sinal negativo o governo vai demonstrar que não há um
compromisso com a cadeia nacional e aí o investidor vai em busca de mercados
mais estáveis e com níveis de crescimento interessantes, pois para ter fábrica
precisamos de escala e previsibilidade, senão temos um aumento da aversão ao
risco e aplicação dos recursos em outras regiões”, explicou.
Outro grande fabricante de módulos que está
chegando de forma prática no país, a BYD, cuja fábrica está em testes e deverá
iniciar a produção comercial no início de março, o ano de 2017 é crítico para o
setor. Isso porque há justamente a perspectiva de paralisação das atividades se
avizinhando em um momento de inicio de produção. “Começaremos agora a produção
até 2018 com os atuais contratos e depois não teremos mais nada. Isso traz
insegurança e não sabemos no atual momento quando teremos novos clientes”,
disse Adalberto Maluf, diretor de Marketing e Assuntos Governamentais da BYD.
Contudo, ele reforça o coro de agentes que estão
confiantes de que o governo esta sensível a atual falta de contratos para a
fonte em um momento de nascimento da cadeia produtiva para a solar
fotovoltaica. Ele reforça o fato de que o país tem passado por um momento
delicado onde há térmicas ligadas mesmo em um momento de PLD que gira na casa
de R$ 100/MWh e em pleno período úmido.
“O sinal de 2016 gerou incerteza sim, mas
acreditamos que a decisão de investimentos no Brasil foi acertada porque existe
o compromisso em gerar energia no futuro, ainda mais com a perspectiva de
crescimento da economia. Além disso, outro fator que ajuda é considerar a
energia como política de desenvolvimento do país, que pode custar mais agora,
mas colocará o Brasil entre os principais mercados dessa fonte no mundo no
longo prazo”, acrescentou ao lembrar que a solar fotovoltaica é a que gera,
proporcionalmente, o maior número de empregos por MW instalado.
Contudo, o representante da BYD lembrou que a
decisão do governo brasileiro deve ser tomada de forma rápida, pois a fonte tem
atraído investimentos no mundo todo com grandes mercados se consolidando e na
disputa por recursos destinados à fabricação de equipamentos. Em sua avaliação,
se o Brasil ficar para trás, a decisão de investir será direcionada para outras
regiões e depois da consolidação desses aportes ficará difícil atrair a cadeia
para o país.
Maluf reforça a questão explicitada pelo
concorrente, a Canadian, de que os custos de produção no país têm preocupado.
Ele relatou que desenvolvedores que venderam energia solar em leilão tem
recorrido algumas vezes ao produto importado mesmo com a diferença cambial.
Isso por conta da situação tributária do produto nacional ante o importado.
“Inclusive, muitos empreendedores que participariam desse leilão cancelado
disseram que se vendessem energia utilizaram painéis importados em seus
projetos”, destacou. “Se tivermos leilão e as condições não mudarem, não
teremos demanda do mesmo jeito, e aí sem demanda não existirão fabricantes no
país”, alertou.
A fábrica da BYD, localizada em Campinas (SP), tem
capacidade instalada para produção de 200 MW ao ano, resultado de um
investimento de R$ 150 milhões. Possui contratos para fornecimento os módulos
para projetos que negociaram energia nos três leilões dos quais a fonte
participou. Segundo Maluf, a empresa já olha para uma possível expansão para
400 MW ano. Para que esse movimento ocorra, explicou o executivo, são
necessários pedidos para mais um ano de operação, ou seja, ao garantir mais 400
MW de demanda, a perspectiva é de que haja um aporte adicional na unidade,
estimado em R$ 50 milhões para a aquisição de maquinário e a adoção de um
terceiro turno para que esse processo se torne realidade.
De uma forma geral, a foto do momento aponta para a
paralisação e o encerramento das atividades das empresas no país. Essa é a
avaliação do diretor de Vendas para o Brasil da NexTracker, Nelson Falcão.
Segundo ele, após a saída do ultimo caminhão para atendimento dos pedidos de
clientes, fato que no cronograma da empresa está previsto para agosto de 2018 a
tendência é de desmobilização de pessoal já que não há mais perspectivas de
vendas por falta de demanda. “No nosso entendimento é necessário um mínimo de contratação
ainda este ano para que possamos ter demanda para 2019”, afirmou. “Ainda há
tempo para manter a viabilidade da cadeia produtiva, mas o prazo está apertado,
ainda mais porque os próprios desenvolvedores esbarram em diversas questões
burocráticas e ambientais”, lembrou.
Outro
representante da indústria, a GE, que concluiu o processo de nacionalização de
inversores e das estações conversoras solares de acordo com as regras do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, afirma que os impactos do
cancelamento dos leilões de energia de reserva foram imediatos e com prejuízos
das empresas habilitadas. E acrescenta que mais impactos serão sentidos em 2018
e 2019, quando as últimas entregas oriundas dos três leilões de reserva
ocorridos até o momento forem finalizadas. A multinacional reforça o que os
outros elos dessa cadeia já disseram acerca da necessidade de leilões para
2017. E avalia que o cancelamento do certame prejudicou a credibilidade do
setor elétrico, afastou investidores estrangeiros e afetou o planejamento de
investimentos em médios e longos prazos no país.
Já pelo lado dos desenvolvedores de projetos na
fonte solar, a perspectiva é de que o mercado continue avançando, mesmo após o
sinal negativo do ano passado. A perspectiva aparentemente é a mesma quando se
compara a avaliação da cadeia eólica, de que para esse grupo de empresas houve
uma perda de oportunidade de investimentos. No relato de Rodrigo Mello, diretor
presidente da Kroma Energia, empresa que detém projetos que somam 150 MWdc em
capacidade instalada, o mercado se decepcionou com a decisão de cancelar o
certame dias antes de sua realização, mas mesmo assim, disse acreditar que a
cadeia solar sobreviverá e continuará crescendo. “Estamos ansiosos por novos
leilões e também que as restrições de conexão da rede interligada se resolva
rapidamente, enfim, que o Brasil, retorne ao crescimento gerando as demandas”,
opinou.
A empresa está com a previsão de iniciar as obras
dos projetos Apodi 1 a 4 em maio desse ano. Nesse projeto, cuja maior
participação acionária é da norueguesa Scatec Solar, que adquiriu uma parcela
de 80% do projeto em 2016, a ideia é de antecipar a operação comercial em seis
meses. O cronograma oficial junto à Agência Nacional de Energia Elétrica prevê
esse marco no último trimestre de 2018. Nesse caso, comentou Mello, o projeto
foi viabilizado por meio de um financiamento composto entre recursos do
exterior e do Banco do Nordeste. Na avaliação do executivo, a não contratação
da fonte solar em 2016 não deverá afetar o desenvolvimento de novos projetos ou
ainda, elevar a taxa de retorno que os novos investidores terão no país,
elevando o preço da energia desta fonte. “Ao se tomar como parâmetro os leilões
que estão acontecendo pelo mundo afora não conseguimos ver isso”, disse o
executivo.
Na avaliação de outro gerador, ligado a um grupo
internacional europeu, a avaliação é de que será importante que o governo
sinalize as suas intenções com a fonte já no primeiro semestre. Pelo mesmo
motivo já destacado por Sauaia da Absolar, para que a indústria de equipamentos
tenha demanda e possam justificar os investimentos que estão sendo feitos por
aqui. Segundo a fonte, o que acontecer nos próximos meses será muito importante
para o futuro da solar fotovoltaica no país. Pois, é necessário que se recupere
o tempo perdido para que as empresas continuem acreditando no mercado
brasileiro.
Ele relata que um ano sem leilão foi muito mal
visto, mas entende-se o momento conturbado do Brasil. Contudo, disse que se
tivermos um novo ano sem contratações para a fonte, aí o mercado entenderá que
a solar não está nos planos de prioridade nacional. Consequentemente, corremos
o risco de ver os recursos que poderiam ser destinados localmente a outras
regiões mais atrativas e que tenham um planejamento de longo prazo. Tanto em
produção quanto em geração como é o caso, já que o board de empresas
estrangeiras não conseguem entender como é que um leilão é cancelado às
vésperas da realização, quando as empresas já fizeram aportes de garantias.
“Isso gera mais que prejuízo, desconfiança”, comentou.
O planejamento de longo prazo se viu comprometido
com o cancelamento do leilão da forma que foi feito. Essa é a opinião da
diretora da Clean Energy Latin America, Camila Ramos. Em sua avaliação, em
primeiro lugar, houve uma perda de oportunidade de investimentos no ano passado
que somou R$ 3 bilhões. Esse, comentou, é um nível considerando a contratação
de um volume conservador de projetos, algo como 500 MW. “Outro ponto é que o
cancelamento praticamente às vésperas do certame, os investidores já tinham
realizado os aportes das garantias e isso significa muito, principalmente para
os estrangeiros. Da próxima vez ficarão em dúvida da efetividade de realizar os
investimentos no Brasil”, explicou a executiva.
Para ela, é difícil mensurar esses impactos, pois a
impressão é negativa e quem vive o dia a dia de uma multinacional sabe como é
difícil convencer o board de que investir no Brasil é uma boa opção. “Vai-se
pensar duas vezes antes da decisão que será mais difícil de ser tomada e com
uma percepção de risco aumentada”, acrescentou.
Contudo, a executiva da Cela acredita que mesmo com
esse cenário de percepção de risco maior, dificilmente a energia solar
fotovoltaica deverá aumentar de preço por exigência de TIR mais elevada pelas
companhias. Ela toma como base a experiência da empresa na qual trabalha e que
realiza assessoria financeira para agentes interessados em participar do
leilões. Nesse contexto, está a tendência de queda de preços para a fonte, pois
ainda há um grande espaço para essa retração. Até porque já temos investidores
estabelecidos no país. No geral, ela estima que para esses empreendedores pouca
coisa mudará. Somente para aquelas empresas que ainda não estão por aqui a
entrada no mercado nacional deverá ficar mais difícil.
“A visão é que no longo prazo nada muda porque o
custo da solar continuará a cair no Brasil e no mundo e há estudos que indicam
que será a mais competitiva em alguns anos”, prevê. “Mas como impactos diretos
poderemos ver é a postergação de investimentos na cadeia produtiva, grandes empresas
devem segurar os aportes para ver os próximos passos do país para aí sim
verificar se valerá a pena investir”, finalizou. (energia)
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