China e a Rede Elétrica Inteligente global, renovável e UHVDC.
A
energia extrassomática é a base da civilização. Toda a economia moderna depende
de uma oferta confiável e segura de energia. Os combustíveis fósseis (carvão
mineral, petróleo e gás) impulsionaram as Revoluções Industriais. Mas a emissão
de gases de efeito estufa provoca o aquecimento global que gera enormes danos
para a humanidade e a biodiversidade do Planeta. A mudança da matriz energética
para fontes renováveis e de baixo carbono é uma das tarefas essenciais para se
reduzir a Pegada Ecológica.
Mas
as energias renováveis, como solar e eólica, são intermitentes e dependem do
sol e do vento, que são fenômenos naturais sujeitos às limitações naturais e às
intempéries. As energias renováveis são, muitas vezes, geradas em lugares
distantes das cidades e centros industriais que as consomem. Para impulsionar
as energias renováveis e diminuir as emissões de dióxido de carbono, é preciso
encontrar uma maneira de enviar energia em grandes distâncias de forma
inteligente e eficiente, que atenda às necessidades de uma economia
hiperconectada.
Uma
Rede Elétrica Inteligente é aquela que utiliza tecnologia digital avançada para
monitorar e gerenciar o transporte de eletricidade em tempo real com fluxo de
energia e de informações bidirecionais entre o sistema de fornecimento de
energia e o cliente final. A construção desse tipo de rede é um desafio do
aperfeiçoamento do sistema elétrico dos diversos países. Isto requer uma
verdadeira revolução nas linhas de transmissão e na capacidade de governança
internacional para integrar os diversos países.
Por exemplo,
para ligar os parques eólicos offshore do Mar do Norte até os painéis solares
brilhando nos desertos de Gobi, de Atacama, do Saara e outros sítios de
produção de energia renovável é necessária uma rede elétrica eficiente e
eficaz. Hoje a maioria da eletricidade é transmitida como corrente alternada
(AC), que trabalha bem em distâncias curtas e médias. Mas a transmissão em
longas distâncias exige tensões muito altas, o que pode ser inviável
economicamente para sistemas AC.
Uma
tecnologia alternativa já existe. Os conectores de corrente contínua de ultra
alta tensão (UHVDC) são mais adequados para a transmissão em grandes extensões
de produção energética. Estas ligações de alta capacidade não só tornam a rede
elétrica mais verde, mas também as torna mais estáveis, equilibrando a oferta e
a demanda. Por exemplo, os mesmos links UHVDC que enviam energia de plantas
hidrelétricas distantes, podem ser executados em sentido inverso quando sua
saída não é necessária, bombeando água de volta acima das turbinas (funcionando
como uma bateria).
O
país que compreendeu e tem mostrado vontade política, além de recursos
econômicos para construir uma rede UHVDC é a China. A State Grid, empresa
estatal chinesa de eletricidade, está a meio caminho de um plano para gastar U$
88 bilhões em linhas UHVDC entre 2009 e 2020. Ela quer implementar, somente na
China, 23 linhas em operação até 2020.
Como
a China já construiu as Grandes Muralhas – há mais de 2 mil anos – e tem enorme
atração por projetos grandiosos de infraestrutura, o país quer construir uma
rede elétrica global UHVDC de US$ 50 trilhões, para estar em pleno
funcionamento em 2050. O projeto não só prevê conectividade de energia global,
mas a geração de energia global. A rede conectará fazendas eólicas propostas no
Polo Norte e fazendas solares construídas na região ao redor da linha do
equador que transcende as fronteiras nacionais. É exatamente o que é necessário
para que as fontes de energia renováveis, como o vento e a energia, que potencialmente
poderiam suportar a grande maioria da geração de energia do mundo, possa se
tornar uma alternativa viável.
A
rede global também buscará evitar as disputas internacionais, reduzindo as
lacunas regionais. Nestes tempos em que o presidente dos Estados Unidos fala em
“America First” e busca reforçar o nacionalismo isolacionista, o projeto chinês
poderá promover um sentido maior de unidade global entre as nações (se houver
uma forma de controle democrático deste processo), uma vez que a geração e
distribuição de energia se tornaria uma empresa transnacional e mundial.
A
proposta chinesa de US$ 50 trilhões, buscará canalizar o desenvolvimento de
setores estratégicos emergentes, energia renovável, novos materiais e veículos
elétricos, criando a tecnologia necessária para atender às necessidades de
energia no futuro próximo. O centro da proposta é focar o setor de energia
renovável. Evidentemente a China tem interesses próprios e hegemônicos neste
processo. Caberia aos outros países e aos organismos multilaterais regulamentar
o funcionamento de uma projeto tão grandioso.
Para
a China, o roteiro para a implementação do projeto Global Energy
Interconnection (GEI) tem três fases. De agora até 2020, promover o
desenvolvimento de energia limpa, interconexão de redes domésticas e construção
de redes inteligentes em vários países. Até 2030, serão estabelecidas grandes
bases de energia e as redes serão interligadas entre os países nos vários
continentes. Em 2050, acelerar o desenvolvimento das já mencionadas bases de energia
polar e equatorial, concentrando as novas tecnologias de geração de energia nas
áreas mais favorecidas pela natureza para produzir a produção necessária.
Para
quem pensa que tudo isto é só um plano megalômano, é preciso saber que a linha
de transmissão de energia elétrica que vai ligar a Usina de Belo Monte, no
Xingu (Pará), à subestação de Estreito na cidade de Ibiraci (Minas Gerais),
será realizada pelo consórcio IE Belo Monte, formado pela chinesa State Grid e
a empresas brasileiras Furnas e Eletronorte. Com cerca de 2.100 km de extensão,
a linha de transmissão tem tecnologia inédita no Brasil, pois é de ultra-alta
tensão, de 800 kilovolts (kv), permitindo o transporte de energia com redução
de perdas. A maior parte das linhas de transmissão no Brasil é de 600 kv.
Ou
seja, a China já está com os pés no Brasil, como parte para a efetivação de seu
megaprojeto Global Energy Interconnection (GEI) e avança rapidamente na
construção de uma matriz energética mais limpa e renovável, enquanto o Brasil
fica dependente de uma tecnologia velha e cara para explorar as poluidoras
reservas fósseis do pré-sal.
Evidentemente,
as energias renováveis não são uma panaceia. Como alertou o ambientalista Ted
Trainer (2008), as energias renováveis são incapazes de manter a expectativa
das pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo. Sem dúvida, o mundo
precisa do decrescimento demoeconômico. Mas também precisa de superar a Era dos
combustíveis fósseis e reduzir a emissão de CO2 para reverter o
aquecimento global. Pode ser que o Global Energy Interconnection (GEI) não seja
suficiente para reverter um possível colapso ambiental, mas, certamente, está
em um rumo correto para superar o “mundo do petróleo”.
Enquanto
o governo Donald Trump promove um retrocesso nas políticas ambientalistas,
estimula o uso de combustíveis fósseis e tenta aprovar um orçamento militar
anual de mais de US$ 600 bilhões para os Estados Unidos, visando garantir a
“segurança americana”, a China investe na mudança da matriz energética e na
segurança energética global planejando um investimento de US$ 50 trilhões até
2050.
Existem
muitas dúvidas se este projeto de uma rede inteligente global e renovável é
viável tecnicamente, economicamente e politicamente (ver artigo de Tverberg,
30/01/2017). Existe muita ilusão sendo vendida em nome das energias “limpas”.
Mas, sem dúvida, o avanço da transição energética é melhor do que a dependência
dos combustíveis fósseis.
Ironicamente,
os Estados Unidos (por meio do seu dirigente máximo) quer construir um muro (ou
uma Grande Muralha) para defender o país, enquanto a China pretende construir
uma Rede Inteligente para unir o mundo, mudar a matriz energética e reduzir a
degradação ambiental. Dá para perceber quem é a potência decadente e quem é a
potência emergente! (ecodebate)
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