domingo, 26 de março de 2017

China e a Rede Elétrica Inteligente global


China e a Rede Elétrica Inteligente global, renovável e UHVDC.

A energia extrassomática é a base da civilização. Toda a economia moderna depende de uma oferta confiável e segura de energia. Os combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás) impulsionaram as Revoluções Industriais. Mas a emissão de gases de efeito estufa provoca o aquecimento global que gera enormes danos para a humanidade e a biodiversidade do Planeta. A mudança da matriz energética para fontes renováveis e de baixo carbono é uma das tarefas essenciais para se reduzir a Pegada Ecológica.
Mas as energias renováveis, como solar e eólica, são intermitentes e dependem do sol e do vento, que são fenômenos naturais sujeitos às limitações naturais e às intempéries. As energias renováveis são, muitas vezes, geradas em lugares distantes das cidades e centros industriais que as consomem. Para impulsionar as energias renováveis e diminuir as emissões de dióxido de carbono, é preciso encontrar uma maneira de enviar energia em grandes distâncias de forma inteligente e eficiente, que atenda às necessidades de uma economia hiperconectada.
Uma Rede Elétrica Inteligente é aquela que utiliza tecnologia digital avançada para monitorar e gerenciar o transporte de eletricidade em tempo real com fluxo de energia e de informações bidirecionais entre o sistema de fornecimento de energia e o cliente final. A construção desse tipo de rede é um desafio do aperfeiçoamento do sistema elétrico dos diversos países. Isto requer uma verdadeira revolução nas linhas de transmissão e na capacidade de governança internacional para integrar os diversos países.
Por exemplo, para ligar os parques eólicos offshore do Mar do Norte até os painéis solares brilhando nos desertos de Gobi, de Atacama, do Saara e outros sítios de produção de energia renovável é necessária uma rede elétrica eficiente e eficaz. Hoje a maioria da eletricidade é transmitida como corrente alternada (AC), que trabalha bem em distâncias curtas e médias. Mas a transmissão em longas distâncias exige tensões muito altas, o que pode ser inviável economicamente para sistemas AC.
Uma tecnologia alternativa já existe. Os conectores de corrente contínua de ultra alta tensão (UHVDC) são mais adequados para a transmissão em grandes extensões de produção energética. Estas ligações de alta capacidade não só tornam a rede elétrica mais verde, mas também as torna mais estáveis, equilibrando a oferta e a demanda. Por exemplo, os mesmos links UHVDC que enviam energia de plantas hidrelétricas distantes, podem ser executados em sentido inverso quando sua saída não é necessária, bombeando água de volta acima das turbinas (funcionando como uma bateria).
O país que compreendeu e tem mostrado vontade política, além de recursos econômicos para construir uma rede UHVDC é a China. A State Grid, empresa estatal chinesa de eletricidade, está a meio caminho de um plano para gastar U$ 88 bilhões em linhas UHVDC entre 2009 e 2020. Ela quer implementar, somente na China, 23 linhas em operação até 2020.


Como a China já construiu as Grandes Muralhas – há mais de 2 mil anos – e tem enorme atração por projetos grandiosos de infraestrutura, o país quer construir uma rede elétrica global UHVDC de US$ 50 trilhões, para estar em pleno funcionamento em 2050. O projeto não só prevê conectividade de energia global, mas a geração de energia global. A rede conectará fazendas eólicas propostas no Polo Norte e fazendas solares construídas na região ao redor da linha do equador que transcende as fronteiras nacionais. É exatamente o que é necessário para que as fontes de energia renováveis, como o vento e a energia, que potencialmente poderiam suportar a grande maioria da geração de energia do mundo, possa se tornar uma alternativa viável.
A rede global também buscará evitar as disputas internacionais, reduzindo as lacunas regionais. Nestes tempos em que o presidente dos Estados Unidos fala em “America First” e busca reforçar o nacionalismo isolacionista, o projeto chinês poderá promover um sentido maior de unidade global entre as nações (se houver uma forma de controle democrático deste processo), uma vez que a geração e distribuição de energia se tornaria uma empresa transnacional e mundial.
A proposta chinesa de US$ 50 trilhões, buscará canalizar o desenvolvimento de setores estratégicos emergentes, energia renovável, novos materiais e veículos elétricos, criando a tecnologia necessária para atender às necessidades de energia no futuro próximo. O centro da proposta é focar o setor de energia renovável. Evidentemente a China tem interesses próprios e hegemônicos neste processo. Caberia aos outros países e aos organismos multilaterais regulamentar o funcionamento de uma projeto tão grandioso.
Para a China, o roteiro para a implementação do projeto Global Energy Interconnection (GEI) tem três fases. De agora até 2020, promover o desenvolvimento de energia limpa, interconexão de redes domésticas e construção de redes inteligentes em vários países. Até 2030, serão estabelecidas grandes bases de energia e as redes serão interligadas entre os países nos vários continentes. Em 2050, acelerar o desenvolvimento das já mencionadas bases de energia polar e equatorial, concentrando as novas tecnologias de geração de energia nas áreas mais favorecidas pela natureza para produzir a produção necessária.
Para quem pensa que tudo isto é só um plano megalômano, é preciso saber que a linha de transmissão de energia elétrica que vai ligar a Usina de Belo Monte, no Xingu (Pará), à subestação de Estreito na cidade de Ibiraci (Minas Gerais), será realizada pelo consórcio IE Belo Monte, formado pela chinesa State Grid e a empresas brasileiras Furnas e Eletronorte. Com cerca de 2.100 km de extensão, a linha de transmissão tem tecnologia inédita no Brasil, pois é de ultra-alta tensão, de 800 kilovolts (kv), permitindo o transporte de energia com redução de perdas. A maior parte das linhas de transmissão no Brasil é de 600 kv.
Ou seja, a China já está com os pés no Brasil, como parte para a efetivação de seu megaprojeto Global Energy Interconnection (GEI) e avança rapidamente na construção de uma matriz energética mais limpa e renovável, enquanto o Brasil fica dependente de uma tecnologia velha e cara para explorar as poluidoras reservas fósseis do pré-sal.
Evidentemente, as energias renováveis não são uma panaceia. Como alertou o ambientalista Ted Trainer (2008), as energias renováveis são incapazes de manter a expectativa das pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo. Sem dúvida, o mundo precisa do decrescimento demoeconômico. Mas também precisa de superar a Era dos combustíveis fósseis e reduzir a emissão de CO2 para reverter o aquecimento global. Pode ser que o Global Energy Interconnection (GEI) não seja suficiente para reverter um possível colapso ambiental, mas, certamente, está em um rumo correto para superar o “mundo do petróleo”.
Enquanto o governo Donald Trump promove um retrocesso nas políticas ambientalistas, estimula o uso de combustíveis fósseis e tenta aprovar um orçamento militar anual de mais de US$ 600 bilhões para os Estados Unidos, visando garantir a “segurança americana”, a China investe na mudança da matriz energética e na segurança energética global planejando um investimento de US$ 50 trilhões até 2050.
Existem muitas dúvidas se este projeto de uma rede inteligente global e renovável é viável tecnicamente, economicamente e politicamente (ver artigo de Tverberg, 30/01/2017). Existe muita ilusão sendo vendida em nome das energias “limpas”. Mas, sem dúvida, o avanço da transição energética é melhor do que a dependência dos combustíveis fósseis.
Ironicamente, os Estados Unidos (por meio do seu dirigente máximo) quer construir um muro (ou uma Grande Muralha) para defender o país, enquanto a China pretende construir uma Rede Inteligente para unir o mundo, mudar a matriz energética e reduzir a degradação ambiental. Dá para perceber quem é a potência decadente e quem é a potência emergente! (ecodebate)

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