Usinas de biodiesel não observam irregularidades ambientais e fundiárias da cadeia produtiva.
Irregularidades ambientais e fundiárias são desconsideradas na compra de matéria-prima por usinas no MT. Normas do Selo Combustível Social também não são totalmente cumpridas em assentamentos de reforma agrária.
Por Verena Glass, do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis
Das 48 usinas de biodiesel em funcionamento, 42 utilizam a soja como principal matéria-prima. Destas, 26 possuem o Selo Combustível Social, concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O selo do governo federal garante incentivos fiscais e garantia de participação no leilão de biodiesel da Agência Nacional do Petróleo (ANP) às usinas em troca da compra de produção oriunda da agricultura familiar.
Enquanto o setor sucroalcooleiro que gera o etanol tem sido pressionado cada vez mais a adotar medidas de responsabilidade social e ambiental em sua cadeia produtiva, a produção de biodiesel a partir da soja ainda carece de instrumentos de controles socioambientais.
Um indício de que o agrocombustível pode estar relacionado ao desmatamento no Cerrado, por exemplo, é que ao menos 15 usinas de biodiesel estão localizadas em municípios citados no Relatório Técnico de Monitoramento do Desmatamento no Bioma Cerrado – 2002 a 2008, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (Ibama/MMA): Cooperbio Verde e Fiagril, em Lucas do Rio Verde (MT); Brasil Ecodiesel, em Porto Nacional (TO); Biocar Biodiesel, em Dourados (MS); Biocamp, em Campo Verde (MT); Petrobras, em Montes Claros (MG); Coomisa, em Sapezal (MT); Cooperbio, em Cuiabá (MT); Araguassu, em Porto Alegre do Norte (MT), B-100, em Araxá (MG); Tecnodiesel, em Sidrolândia (MS); Caibiense, em Rondonópolis (MT); ADM (Archer Daniels Midland), em Rondonópolis (MT); Barralcool, em Barra do Bugres (MT); e Binatural, em Formosa (GO)
De acordo com o MDA, além da exigência de contratação da produção da agricultura familiar pelas usinas e a contrapartida de fornecimento de assistência técnica e celebração de acordo comercial com os agricultores, o Selo Combustível Social não prevê nenhum critério ambiental ou outro mecanismo de monitoramento socioambiental. Ou seja, não compete ao Selo verificar o cumprimento da legislação ambiental ou fundiária nas áreas de agricultura familiar – respeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs), averbação de Reserva Legal, tipo de posse da terra etc. -, não constituindo, portanto, garantia de sustentabilidade socioambiental do biodiesel.
O Mato Grosso, com 11 usinas – Cooperbio Verde, CLV Agrodiesel, Beira Rio Biodiesel, Fiagril, Biocamp, Coomisa, Cooperbio, Araguassu, Caibiense, ADM e Barralcool -, pode ser tomado como exemplo. O Estado não apenas tem apresentado problemas ambientais e trabalhistas (trabalho escravo) na sojicultura de larga escala, como também não possui uma agricultura familiar forte. Restrita basicamente aos assentados, a produção familiar ainda enfrenta grandes dificuldades, e o cultivo de soja nos projetos, apesar de muitas vezes ser uma opção econômica, é considerado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como contrário aos objetivos da reforma agrária (a produção diversificada de alimentos).
Estruturalmente, a produção de biodiesel no Mato Grosso enfrenta uma situação complexa, tanto no que se refere a critérios sociais, ambientais e fundiários, quanto no que tange às exigências do Selo Combustível Social. Enquanto as usinas recorrem aos assentamentos e incentivam o cultivo de soja para atingir os 15% de gastos com a agricultura familiar previstos pelo Selo, o Incra tem tido dificuldades de implementar projetos de desenvolvimento sustentável e regularização ambiental nos assentamentos, o que tem levado a uma situação de insegurança social e jurídica, como problemas de subsistência, irregularidades fundiárias e crimes ambientais.
Em função de desmatamentos de grandes áreas na Amazônia, assentamentos como Mercedes I/II (em Tabaporã), Mercedes 5 (em Ipiranga do Norte), Itanhangá (em Tapurah), Pingo D´Água (em Querência), Nova Cotriguaçu (em Cotriguaçu) e Macife I (em Bom Jesus do Araguaia) foram parcial ou totalmente embargados pelo Ibama nos últimos três anos.
Os problemas ambientais, no entanto, não têm interferido nos acordos de compra de soja para biodiesel. De acordo com os assentados que produzem o grão no assentamento Mercedes I/II, as usinas Fiagril, Coomisa e ADM têm adquirido soja das áreas desmatadas para produção do agrocombustível. A maioria dos produtores também afirma não ter recebido assistência técnica, como exige o Selo Combustível Social.
Em relação aos contratos de compra e venda previstos pelo Selo, que devem ser avalizados por entidade representativa dos agricultores (entidades sindicais ou cooperativas), os assentados afirmaram que receberam das usinas pré-financiamentos convencionais que incluem sementes, adubo e agrotóxicos (o que acaba viabilizando a atividade agrícola, pois todas as políticas públicas de incentivo e financiamento estão paralisadas em função do embargo ambiental), mas não ha participação do sindicato no processo.
Questões fundiárias
Em depoimento ao Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA), os produtores de soja do Assentamento Mercedes I/II contaram que a maior parte deles se fixou no local após 2003, bem depois da criação do projeto, em 1997. Em boa parte oriundos dos estados do Sul, os sojicultores em questão têm uma estrutura produtiva superior (principalmente máquinas agrícolas de grande porte) aos primeiros assentados e se organizam em grupos familiares ou de vizinhos. Eles chegam a cultivar áreas contínuas de soja, milho e arroz que se estendem por até 500 hectares.
De acordo com o INCRA, que acaba de finalizar a vistoria da situação ocupacional do assentamento, a situação fundiária e o modelo produtivo do Mercedes I/II deverão ser questionados legalmente. Levantamento do órgão aponta que 77% dos lotes estão em situação irregular – compra e venda de lotes, arrendamentos, concentração fundiária, presença de prepostos etc. -, o que pode levar a expropriações de áreas ocupadas ilegalmente.
Os dados da vistoria foram encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF), que está avaliando as informações, mas já adiantou que nenhum assentado que não tenha perfil característico do cliente da reforma agrária deverá permanecer no projeto. O órgão do poder público sustenta que, caso não estejam dentro do perfil e das condições exigidas pelo INCRA, mesmo aqueles que estão na área há algum tempo deverão ser removidos.
Quanto ao cultivo de soja, o INCRA afirma que qualquer produção em larga escala necessita de autorização, sendo que a unificação de lotes por si só já constitui concentração fundiária irregular. Mesmo no caso da cooperação entre parentes e vizinhos, conforme diretrizes do órgão é preciso que se mantenham as divisões dos lotes. E cada assentado deve possuir sua própria moradia e organização produtiva, o que não é a regra no Mercedes.
Procuradas pelo CMA sobre critérios socioambientais para a compra de matéria-prima, Barralcool e ADM não responderam aos questionamentos. Já a Fiagril, que afirmou adquirir soja também nos assentamentos Mercedes 5 e Itanhangá, reconheceu que não leva em conta problemas legais de seus parceiros nas relações comerciais, mas declarou que tem buscado promover a adequação dos assentamentos às normas ambientais.
Sobre os acordos com os pequenos produtores (exigido pelo programa Selo Combustível Social), a Fiagril afirmou que não estabelece este tipo de vínculo com todos os produtores, muitas vezes porque muitos são financiados por outras usinas. A usina diz computar todas as compras para fins de atendimento aos 15% de gastos com a agricultura familiar.
Documentos obtidos pelo CMA mostram que a usina também adquiriu soja de produtores que constam da lista de áreas embargadas por crimes ambientais do IBAMA, como os produtores Nelson Lauxen e Paulo Emir Lauxen, ambos de Sinop (MT). Em julho de 2008, a empresa comprou 89.160 kg de soja de Nelson, e em agosto de 2008, 15.941 kg de Paulo Emir, ambos integrantes da lista de áreas embargadas do IBAMA desde abril do mesmo ano. Conforme outro documento, a Fiagril manteve relação comercial com o fazendeiro Sadi Zanatta, autuado por trabalho escravo em setembro de 2008.
Outra usina que deverá ter sua atuação questionada pelo INCRA é a Biocamp, que atua no assentamento Dom Osório, em Campo Verde (MT). O INCRA sustenta que a empresa mantém contratos com os assentados que mais se assemelham a arrendamentos dos lotes, assumindo o preparo do solo, o plantio, a aplicação de agrotóxicos e a colheita. Os agricultores ficam responsáveis apenas pelos cuidados (manejo) da lavoura.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Campo Verde (MT), também em Dom Osório ocorreu a unificação dos lotes para plantio de soja, única lavoura desenvolvida no assentamento. O sindicato afirma que não participou da elaboração dos contratos com os “parceleiros”, que já tiveram dificuldades como endividamento em relação à usina, já que esta recebe a produção de soja em pagamento dos investimentos feitos na lavoura e paga apenas pelo excedente.
Problemas estruturais
A aposta das usinas de biodiesel na parceria com os assentamentos de reforma agrária baseada no plantio de soja no Mato Grosso, apesar de ser a saída mais imediata para o atendimento das exigências do Selo Combustível Social, é bastante complexa do ponto de vista social e ambiental.
Conceitualmente, defende o INCRA, a soja não é uma lavoura adequada para o desenvolvimento dos assentamentos. Mas a falta de investimentos do órgão nestas áreas deixa poucas alternativas econômicas aos agricultores, rebate o movimento sindical. A exemplo do Mercedes I/II e do Dom Osório, o embargo ambiental, no primeiro caso, e a não formalização legal dos “parceleiros” – que ainda não obtiveram o Contrato de Concessão de Uso (CCU) e a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), necessários para regularizar a ocupação dos lotes e os contratos de venda de matéria prima para biodiesel -, no segundo, transformam as usinas nos únicos investidores dispostos a auxiliar os produtores locais. A sojicultura, por seu turno, aparece como importante geradora de renda nos assentamentos, muitas vezes de forma irregular.
No caso do Dom Osório, avalia o INCRA, a falta do CCU e da DAP impede o fechamento de contratos entre usinas e assentados. O número da DAP do agricultor é componente obrigatório da documentação a ser apresentada pela usina ao MDA para a obtenção e manutenção do Selo Combustível Social. Sem a DAP, as operações estão utilizando a Relação de Beneficiários (RB) dos assentados, informou o MDA, mas o instrumento não é mencionado como válido na Instrução Normativa (IN) do Selo Combustível Social.
De acordo com o STR de Campo Verde (MT), não apenas a Biocamp, como também as empresas ADM e Agrenco (usina que perdeu o Selo este ano em função do descumprimento de seus requisitos) têm buscado relações comerciais com os agricultores do assentamento.
Já no Mercedes I/II, agricultores afirmaram que todas as usinas que atuam no assentamento têm “comprado” DAPs de produtores que não trabalham com a cultura. De acordo com as denúncias – é importante frisar que estas não foram comprovadas pelo CMA, que apenas reproduz neste documento o conteúdo dos depoimentos colhidos -, no intuito de aumentar o número de parceiros da agricultura familiar para atender às exigências do Selo Combustível Social, as empresas têm apresentado DAPs de produtores de soja, cultura que não condiz com a atividade dos agricultores em questão.
O MDA declara ter auditado todas as usinas de biodiesel do Mato Grosso em 2008. A avaliação encontrou irregularidades em várias delas, principalmente nos quesitos assistência técnica e celebração de contratos com os agricultores. Em função da gravidade dos problemas, as usinas Agrenco e CLV/Bertin perderam o Selo Combustível Social, sendo que a ADM foi notificada e deve responder aos questionamentos da pasta no período estipulado. (EcoDebate)
Irregularidades ambientais e fundiárias são desconsideradas na compra de matéria-prima por usinas no MT. Normas do Selo Combustível Social também não são totalmente cumpridas em assentamentos de reforma agrária.
Por Verena Glass, do Centro de Monitoramento dos Agrocombustíveis
Das 48 usinas de biodiesel em funcionamento, 42 utilizam a soja como principal matéria-prima. Destas, 26 possuem o Selo Combustível Social, concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). O selo do governo federal garante incentivos fiscais e garantia de participação no leilão de biodiesel da Agência Nacional do Petróleo (ANP) às usinas em troca da compra de produção oriunda da agricultura familiar.
Enquanto o setor sucroalcooleiro que gera o etanol tem sido pressionado cada vez mais a adotar medidas de responsabilidade social e ambiental em sua cadeia produtiva, a produção de biodiesel a partir da soja ainda carece de instrumentos de controles socioambientais.
Um indício de que o agrocombustível pode estar relacionado ao desmatamento no Cerrado, por exemplo, é que ao menos 15 usinas de biodiesel estão localizadas em municípios citados no Relatório Técnico de Monitoramento do Desmatamento no Bioma Cerrado – 2002 a 2008, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (Ibama/MMA): Cooperbio Verde e Fiagril, em Lucas do Rio Verde (MT); Brasil Ecodiesel, em Porto Nacional (TO); Biocar Biodiesel, em Dourados (MS); Biocamp, em Campo Verde (MT); Petrobras, em Montes Claros (MG); Coomisa, em Sapezal (MT); Cooperbio, em Cuiabá (MT); Araguassu, em Porto Alegre do Norte (MT), B-100, em Araxá (MG); Tecnodiesel, em Sidrolândia (MS); Caibiense, em Rondonópolis (MT); ADM (Archer Daniels Midland), em Rondonópolis (MT); Barralcool, em Barra do Bugres (MT); e Binatural, em Formosa (GO)
De acordo com o MDA, além da exigência de contratação da produção da agricultura familiar pelas usinas e a contrapartida de fornecimento de assistência técnica e celebração de acordo comercial com os agricultores, o Selo Combustível Social não prevê nenhum critério ambiental ou outro mecanismo de monitoramento socioambiental. Ou seja, não compete ao Selo verificar o cumprimento da legislação ambiental ou fundiária nas áreas de agricultura familiar – respeito às Áreas de Preservação Permanente (APPs), averbação de Reserva Legal, tipo de posse da terra etc. -, não constituindo, portanto, garantia de sustentabilidade socioambiental do biodiesel.
O Mato Grosso, com 11 usinas – Cooperbio Verde, CLV Agrodiesel, Beira Rio Biodiesel, Fiagril, Biocamp, Coomisa, Cooperbio, Araguassu, Caibiense, ADM e Barralcool -, pode ser tomado como exemplo. O Estado não apenas tem apresentado problemas ambientais e trabalhistas (trabalho escravo) na sojicultura de larga escala, como também não possui uma agricultura familiar forte. Restrita basicamente aos assentados, a produção familiar ainda enfrenta grandes dificuldades, e o cultivo de soja nos projetos, apesar de muitas vezes ser uma opção econômica, é considerado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como contrário aos objetivos da reforma agrária (a produção diversificada de alimentos).
Estruturalmente, a produção de biodiesel no Mato Grosso enfrenta uma situação complexa, tanto no que se refere a critérios sociais, ambientais e fundiários, quanto no que tange às exigências do Selo Combustível Social. Enquanto as usinas recorrem aos assentamentos e incentivam o cultivo de soja para atingir os 15% de gastos com a agricultura familiar previstos pelo Selo, o Incra tem tido dificuldades de implementar projetos de desenvolvimento sustentável e regularização ambiental nos assentamentos, o que tem levado a uma situação de insegurança social e jurídica, como problemas de subsistência, irregularidades fundiárias e crimes ambientais.
Em função de desmatamentos de grandes áreas na Amazônia, assentamentos como Mercedes I/II (em Tabaporã), Mercedes 5 (em Ipiranga do Norte), Itanhangá (em Tapurah), Pingo D´Água (em Querência), Nova Cotriguaçu (em Cotriguaçu) e Macife I (em Bom Jesus do Araguaia) foram parcial ou totalmente embargados pelo Ibama nos últimos três anos.
Os problemas ambientais, no entanto, não têm interferido nos acordos de compra de soja para biodiesel. De acordo com os assentados que produzem o grão no assentamento Mercedes I/II, as usinas Fiagril, Coomisa e ADM têm adquirido soja das áreas desmatadas para produção do agrocombustível. A maioria dos produtores também afirma não ter recebido assistência técnica, como exige o Selo Combustível Social.
Em relação aos contratos de compra e venda previstos pelo Selo, que devem ser avalizados por entidade representativa dos agricultores (entidades sindicais ou cooperativas), os assentados afirmaram que receberam das usinas pré-financiamentos convencionais que incluem sementes, adubo e agrotóxicos (o que acaba viabilizando a atividade agrícola, pois todas as políticas públicas de incentivo e financiamento estão paralisadas em função do embargo ambiental), mas não ha participação do sindicato no processo.
Questões fundiárias
Em depoimento ao Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA), os produtores de soja do Assentamento Mercedes I/II contaram que a maior parte deles se fixou no local após 2003, bem depois da criação do projeto, em 1997. Em boa parte oriundos dos estados do Sul, os sojicultores em questão têm uma estrutura produtiva superior (principalmente máquinas agrícolas de grande porte) aos primeiros assentados e se organizam em grupos familiares ou de vizinhos. Eles chegam a cultivar áreas contínuas de soja, milho e arroz que se estendem por até 500 hectares.
De acordo com o INCRA, que acaba de finalizar a vistoria da situação ocupacional do assentamento, a situação fundiária e o modelo produtivo do Mercedes I/II deverão ser questionados legalmente. Levantamento do órgão aponta que 77% dos lotes estão em situação irregular – compra e venda de lotes, arrendamentos, concentração fundiária, presença de prepostos etc. -, o que pode levar a expropriações de áreas ocupadas ilegalmente.
Os dados da vistoria foram encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF), que está avaliando as informações, mas já adiantou que nenhum assentado que não tenha perfil característico do cliente da reforma agrária deverá permanecer no projeto. O órgão do poder público sustenta que, caso não estejam dentro do perfil e das condições exigidas pelo INCRA, mesmo aqueles que estão na área há algum tempo deverão ser removidos.
Quanto ao cultivo de soja, o INCRA afirma que qualquer produção em larga escala necessita de autorização, sendo que a unificação de lotes por si só já constitui concentração fundiária irregular. Mesmo no caso da cooperação entre parentes e vizinhos, conforme diretrizes do órgão é preciso que se mantenham as divisões dos lotes. E cada assentado deve possuir sua própria moradia e organização produtiva, o que não é a regra no Mercedes.
Procuradas pelo CMA sobre critérios socioambientais para a compra de matéria-prima, Barralcool e ADM não responderam aos questionamentos. Já a Fiagril, que afirmou adquirir soja também nos assentamentos Mercedes 5 e Itanhangá, reconheceu que não leva em conta problemas legais de seus parceiros nas relações comerciais, mas declarou que tem buscado promover a adequação dos assentamentos às normas ambientais.
Sobre os acordos com os pequenos produtores (exigido pelo programa Selo Combustível Social), a Fiagril afirmou que não estabelece este tipo de vínculo com todos os produtores, muitas vezes porque muitos são financiados por outras usinas. A usina diz computar todas as compras para fins de atendimento aos 15% de gastos com a agricultura familiar.
Documentos obtidos pelo CMA mostram que a usina também adquiriu soja de produtores que constam da lista de áreas embargadas por crimes ambientais do IBAMA, como os produtores Nelson Lauxen e Paulo Emir Lauxen, ambos de Sinop (MT). Em julho de 2008, a empresa comprou 89.160 kg de soja de Nelson, e em agosto de 2008, 15.941 kg de Paulo Emir, ambos integrantes da lista de áreas embargadas do IBAMA desde abril do mesmo ano. Conforme outro documento, a Fiagril manteve relação comercial com o fazendeiro Sadi Zanatta, autuado por trabalho escravo em setembro de 2008.
Outra usina que deverá ter sua atuação questionada pelo INCRA é a Biocamp, que atua no assentamento Dom Osório, em Campo Verde (MT). O INCRA sustenta que a empresa mantém contratos com os assentados que mais se assemelham a arrendamentos dos lotes, assumindo o preparo do solo, o plantio, a aplicação de agrotóxicos e a colheita. Os agricultores ficam responsáveis apenas pelos cuidados (manejo) da lavoura.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Campo Verde (MT), também em Dom Osório ocorreu a unificação dos lotes para plantio de soja, única lavoura desenvolvida no assentamento. O sindicato afirma que não participou da elaboração dos contratos com os “parceleiros”, que já tiveram dificuldades como endividamento em relação à usina, já que esta recebe a produção de soja em pagamento dos investimentos feitos na lavoura e paga apenas pelo excedente.
Problemas estruturais
A aposta das usinas de biodiesel na parceria com os assentamentos de reforma agrária baseada no plantio de soja no Mato Grosso, apesar de ser a saída mais imediata para o atendimento das exigências do Selo Combustível Social, é bastante complexa do ponto de vista social e ambiental.
Conceitualmente, defende o INCRA, a soja não é uma lavoura adequada para o desenvolvimento dos assentamentos. Mas a falta de investimentos do órgão nestas áreas deixa poucas alternativas econômicas aos agricultores, rebate o movimento sindical. A exemplo do Mercedes I/II e do Dom Osório, o embargo ambiental, no primeiro caso, e a não formalização legal dos “parceleiros” – que ainda não obtiveram o Contrato de Concessão de Uso (CCU) e a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), necessários para regularizar a ocupação dos lotes e os contratos de venda de matéria prima para biodiesel -, no segundo, transformam as usinas nos únicos investidores dispostos a auxiliar os produtores locais. A sojicultura, por seu turno, aparece como importante geradora de renda nos assentamentos, muitas vezes de forma irregular.
No caso do Dom Osório, avalia o INCRA, a falta do CCU e da DAP impede o fechamento de contratos entre usinas e assentados. O número da DAP do agricultor é componente obrigatório da documentação a ser apresentada pela usina ao MDA para a obtenção e manutenção do Selo Combustível Social. Sem a DAP, as operações estão utilizando a Relação de Beneficiários (RB) dos assentados, informou o MDA, mas o instrumento não é mencionado como válido na Instrução Normativa (IN) do Selo Combustível Social.
De acordo com o STR de Campo Verde (MT), não apenas a Biocamp, como também as empresas ADM e Agrenco (usina que perdeu o Selo este ano em função do descumprimento de seus requisitos) têm buscado relações comerciais com os agricultores do assentamento.
Já no Mercedes I/II, agricultores afirmaram que todas as usinas que atuam no assentamento têm “comprado” DAPs de produtores que não trabalham com a cultura. De acordo com as denúncias – é importante frisar que estas não foram comprovadas pelo CMA, que apenas reproduz neste documento o conteúdo dos depoimentos colhidos -, no intuito de aumentar o número de parceiros da agricultura familiar para atender às exigências do Selo Combustível Social, as empresas têm apresentado DAPs de produtores de soja, cultura que não condiz com a atividade dos agricultores em questão.
O MDA declara ter auditado todas as usinas de biodiesel do Mato Grosso em 2008. A avaliação encontrou irregularidades em várias delas, principalmente nos quesitos assistência técnica e celebração de contratos com os agricultores. Em função da gravidade dos problemas, as usinas Agrenco e CLV/Bertin perderam o Selo Combustível Social, sendo que a ADM foi notificada e deve responder aos questionamentos da pasta no período estipulado. (EcoDebate)
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