O Pico dos Combustíveis Fósseis deve acontecer antes do
esgotamento das reservas
“We should leave oil before it leaves us” - (Devemos deixar
o petróleo antes que ele nos deixe)
Faith Birol
(Chief economist of the IEA)
A humanidade está em
uma encruzilhada, pois necessita cada vez mais de energia para tocar sua
incessante máquina de produção, transporte e consumo, mas caso utilize todas as
reservas de combustíveis fósseis conhecidas e com viabilidade econômica vai
emitir mais gases de efeito estufa (GEE) e provocar um aquecimento global acima
dos 2ºC em relação ao período pré-industrial, limite considerado
minimamente seguro.
Contudo, se não forem executadas ações
urgentes para reduzir as emissões, o mundo pode experimentar um catastrófico
aumento de 4°C na temperatura até o final do século, aumentando a cada dia a
possibilidade de efeitos climáticos extremos, como secas, tufões, inundações,
ciclones e outros eventos desastrosos para as pessoas, a economia e o meio ambiente.
Trabalho recente dos pesquisadores Christophe
McGlade e Paul Ekins publicado na revista Nature (janeiro de 2015), estima que,
para ter pelo menos uma chance de 50% de manter o aquecimento global abaixo de
2°C durante todo o século XXI, as emissões de carbono acumuladas entre 2011 e
2050 deve ser limitada a cerca de 1.100 gigatoneladas de dióxido de carbono
(CO2Gt). No entanto, o potencial das emissões de gases GEE contidos nas
reservas de combustíveis fósseis são cerca de três vezes maiores.
Os resultados dos modelos aplicados no estudo
sugerem que um terço das reservas de petróleo globais, a metade das reservas de
gás e mais de 80% das reservas atuais de carvão deve permanecer não
utilizadas entre 2010-2050, a fim de atingir a meta de 2°C. Isto quer dizer
que os esforços dos governos e das empresas para explorar rápida e
completamente os combustíveis fósseis são incompatíveis com os compromissos
assumidos nas Conferências do Clima. Se os acordos climáticos forem
respeitados, tornaria desnecessários os investimentos na descoberta e
exploração dos combustíveis fósseis, pois quaisquer novas descobertas não
poderia levar a um aumento da produção agregada, a não ser provocando uma
catástrofe climática (Monbiot, 2015)
Grandes empresas de combustíveis fósseis podem
ter um enorme prejuízo caso avancem as negociações para a Conferência de Paris
(COP21), no final de 2015. Se as nações do mundo mantiverem o compromisso de
combater a mudança climática, as perspectivas são sombrias especialmente para o
carvão, o mais poluente dos combustíveis fósseis. Em 2013, as empresas de
combustível fóssil gastaram cerca de US$ 670 bilhões na exploração de novos
recursos de petróleo e gás. O paper publicado na Nature questiona por que eles
estão fazendo isso, quando há mais no chão do que se pode dar ao luxo de
queimar. As areias betuminosas do Canadá, por exemplo, simplesmente não devem
se retiradas do chão.
Para evitar a “bolha de carbono” existe um
movimento pelo desinvestimento em companhias de combustíveis fósseis. Por
exemplo, trezentos professores de Stanford, incluindo prêmios Nobel, estão
pedindo que a universidade se livre de todos os investimentos de combustíveis
fósseis, em um sinal de que o movimento pelo desinvestimento está ganhando
força. Em uma carta ao presidente da Stanford, John Hennessy, os membros do
corpo docente pedem a universidade para que reconheça a urgência da mudança
climática e abandone os investimentos nas companhias de petróleo, carvão e gás.
Mas as emissões de GGE não se restringem à
área de energia. Antes da Revolução Industrial a concentração de gases de
efeito estufa na atmosfera não ultrapassava 280 ppm (partes por milhão), mas
atualmente ultrapassaram as 400 ppm. Todavia, o problema vai além da queima de
CO2. O óxido nitroso (N2O) e o metano são gases mais potentes. De acordo com o
Relatório da Convenção sobre Mudanças Climáticas, o N2O tem cerca de 300 vezes
mais potencial para causar o aquecimento global do que o CO2, enquanto que o
metano é em torno de 20 vezes mais forte.
A ativista ambientalista indiana, Vandana
Shiva (07/01/2015), mostra que as emissões de óxido nitroso e de metano
aumentaram dramaticamente devido à agricultura industrial. O óxido nitroso é
emitido através do uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos e o metano é
emitido a partir das atividades pecuárias que produzem leite, carne e ovos. A
Conferência da Organização das Nações Unidas de Leipzig sobre os Recursos
Fitogenéticos, em 1995, avaliou que 75% da biodiversidade do mundo
havia desaparecido na agricultura devido à chamada Revolução Verde e ao advento
da agricultura industrial. O desaparecimento de polinizadores e organismos
benéficos ao solo é outra dimensão da erosão da biodiversidade devido à
agricultura industrial.
Estas são lições que os estudos internacionais
mostram e a ciência tem um grau de certeza cada vez maior. Aliás, o ano de 2014
registrou o recorde de temperatura e as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro
vão enfrentar grande escassez de água potável em 2015.
Infelizmente, o governo brasileiro está
caminhando na direção contrária à proposta pelos cientistas e pelos defensores
do meio ambiente. Além de ter jogado todas as fichas no pré-sal e aumentado o
consumo de combustíveis fósseis, há retrocessos no controle do desmatamento e
recuos nas perspectivas da Política Nacional de Mudanças Climáticas. De acordo
com Daniela Chiaretti, no jornal Valor Econômico, a presidenta Dilma Rousseff,
no discurso de posse, de cunho conservador na área ambiental: “fez menção
anódina à participação do Brasil no acordo climático”.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
é chave na política climática brasileira. Por isto Chiaretti diz: “Mas a mais
desalentadora mensagem de Dilma no tópico mudança do clima veio com a escolha
do ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo. É notório o ceticismo do
político do PC do B e ex-ministro dos Esportes ao fato de o aquecimento da
temperatura ser agravado pelas emissões de gases-estufa antrópicas, ou seja,
provocadas por atividades humanas. Em 2010, em meio aos debates do Código
Florestal, Rebelo envolveu-se em polêmica com o sócio fundador do Instituto
Socioambiental, Marcio Santili. O então deputado respondeu às críticas do
indigenista na carta que batizou de ‘A Trapaça Ambiental’. Afirmou que a
‘teoria do aquecimento global’ seria uma ‘doutrina de fé incompatível com o
conhecimento contemporâneo’ e seguiu dizendo que ‘não há comprovação científica
das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele ocorreria por
ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza’”.
Já Washington Novaes, no Estadão de
09/01/2015, chama atenção para outro retrocesso: “Não espanta que a nova
composição do governo federal e de seus mais altos escalões tenha sido fruto
não de novos planejamentos para resolver graves questões que o País enfrenta, e
sim da necessidade de atender às reivindicações fisiológicas dos partidos que
compuseram a aliança vitoriosa. Mas as notícias mais recentes na área ainda são
surpreendentes – talvez até para parte dos membros da coligação”.
Depois de repetir as críticas ao ministro Aldo
Rebelo, Novaes continua: “Pode-se passar a outro capítulo, aberto pela nova
ministra da Agricultura, Kátia Abreu, para quem ‘latifúndio não existe mais no
Brasil’ (Folha de S.Paulo, 5/1). Ela também defende a proposta de emenda
constitucional que retira do Executivo poderes para demarcar áreas indígenas e
os transfere para o Congresso Nacional. Reconhece até que ‘o Brasil inteiro era
deles’ (dos índios) – mas daí a assegurar-lhes certas áreas, pensa a ministra,
vai muita distância. Porque ‘os índios saíram da floresta e passaram a descer
nas áreas de produção’. Que lhe importam os direitos originários, ou o fato de
que ainda existam no País mais de 900 mil desses antigos donos de todo o
território, distribuídos por 305 povos, falando 274 línguas – com uma riqueza
cultural extraordinária, até vivência de utopias?”
O exemplo brasileiro serve para mostrar como
vai ser difícil colocar em prática acordos para reduzir a emissão de gases de
efeito estufa e manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC. O clima não
está bom para os defensores do meio ambiente. (ecodebate)
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