Uso de combustíveis fósseis X mobilidade urbana:
desafios para o Brasil
“O que adiantaria todos os
veículos de passeio no país ser elétricos, se o sistema de mobilidade
continuasse travado como está, com todos parados nos congestionamentos e a um
alto custo?”, questiona o engenheiro químico.
Se
aprovado, o Projeto de Lei 1.013/2011, que propõe a fabricação e a venda de
carros de passeio a diesel no Brasil, poderá causar “um agravamento da poluição
do ar nas cidades brasileiras” e contribuirá para o “aumento dos gases de
efeito estufa devido à competição” que passaria a existir entre a venda de
etanol hidratado, gasolina C e diesel para abastecer os carros de passeio,
diz David Tsai à IHU On-Line na entrevista a seguir, concedida por
telefone.
Segundo
ele, hoje o uso de combustíveis como fonte de energia para o transporte é “o
fator que mais contribui para a poluição das cidades brasileiras” e já está
atingindo “patamares comparáveis” aos do desmatamento no nível de emissões de
gases de efeito estufa.
Tsai
explica que existem várias maneiras de atacar esses problemas e um deles é
buscar alternativas para a substituição do combustível. “No Brasil, em
específico, o maior emissor de gás carbônico pela queima de combustíveis é a
atividade de transporte, sendo que metade diz respeito ao transporte de carga e
a outra metade a transporte de passageiros. No transporte de passageiro, por
exemplo, é possível, além de trocar os combustíveis, melhorar os sistemas de
mobilidade, o que pressupõe, por exemplo, a redução de uso do automóvel em
favor do uso do transporte público que, por passageiro transportado, tem um
nível de emissão muito menor”, esclarece.
De
acordo com Tsai, “trocar o combustível no transporte público, por exemplo,
seria algo bastante interessante a ser feito, porque ao racionalizar o sistema
de mobilidade, maximizar o transporte de passageiros para o transporte público
e minimizar o uso de transporte individual, haveria um ganho na redução das
emissões, e ao trocar essa fonte energética do transporte público, que em
grande escala é tocado a diesel, diminuiriam ainda mais as emissões”. Com o
possível crescimento econômico do país, estima, o uso do transporte público
também deve aumentar no futuro, “mas para atender essa demanda num custo
razoável, é preciso olhar não só a questão do combustível, mas da equidade do
uso do espaço público brasileiro e do custo do material rodante”, adverte.
David
Tsai é engenheiro químico graduado pela Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo – USP. Atualmente é coordenador da área de emissões do Instituto de
Energia e Meio Ambiente – IEMA.
IHU On-Line - Quais são as implicações ambientais do Projeto de Lei – PL 1.013/2011, que propõe a liberação da fabricação e a venda de carros de passeio a diesel no Brasil?
IHU On-Line - Quais são as implicações ambientais do Projeto de Lei – PL 1.013/2011, que propõe a liberação da fabricação e a venda de carros de passeio a diesel no Brasil?
David
Tsai - Se aprovado, esse Projeto de Lei pode levar a um agravamento da poluição
do ar nas cidades brasileiras. Esse já é um problema que existe nas grandes
cidades, porque os padrões da qualidade do ar já são sistematicamente
ultrapassados nos grandes centros urbanos, ou seja, existe um nível de
concentração de poluentes que já afeta a saúde das pessoas. Outra potencial
implicação ambiental seria o aumento dos gases de efeito estufa devido à
competição que existiria entre o diesel nos carros de passeio e a venda de
etanol hidratado e a venda de gasolina C, que no Brasil tem um teor de álcool
anidro incorporado. Na realidade teríamos que fazer uma conta para saber o que
seria menos impactante em relação à emissão de gases de efeito estufa.
Portanto, trata-se de um PL que vem na contramão das iniciativas brasileiras de
redução de emissão de gases de efeito estufa.
IHU
On-Line - É possível comparar as implicações ambientais do diesel em
relação a outros combustíveis como a gasolina e o etanol?
David
Tsai - Sim, é possível, e um jeito que talvez seja adequado para fazer essa
discussão é analisar os fatores de emissão dos veículos comerciais leves no
Brasil, registrados pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB,
que é o órgão técnico responsável pela aprovação de projetos de veículos. De
modo geral, os veículos a diesel emitem bastante material particulado, que é um
poluente importante nas cidades brasileiras em termos de gravidade, e emitem
mais óxido de nitrogênio, que também é um importante poluente, porque é um
precursor da formação de ozônio em nível troposférico, o qual também é um dos
grandes poluentes das cidades brasileiras atualmente. Mas, de maneira geral, o
diesel emite menos hidrocarbonetos e menos monóxido de carbono. O monóxido de
carbono é um poluente cuja situação atual está relativamente tranquila, porque
ele está controlado, apesar de no passado ter sido bastante problemático.
Em
relação a gases de efeito estufa, o diesel geralmente é mais vantajoso do que a
gasolina pura e menos vantajoso do que o etanol hidratado. Em relação à
gasolina C, é possível estimar a quantidade de carbono do diesel e da gasolina
C, mas não tenho conhecimento da diferença.
“Se
aprovado, esse Projeto de Lei pode levar a um agravamento da poluição do ar nas
cidades brasileiras”
IHU
On-Line - Em relação a outras fontes de energia, como classifica o uso
de combustíveis na emissão de gases de efeito estufa?
David
Tsai - Em relação à poluição do ar, que é majoritariamente afetada pela
atividade de transporte, esses combustíveis são responsáveis pela situação.
Outros combustíveis têm importância significativa quando são oriundos de
atividades industriais, como usina termoelétrica tocada a gás, a óleo
combustível ou a carvão mineral, ou outras atividades industriais como
siderurgia. Mas o fator que mais contribui para a poluição nas cidades
brasileiras é o uso de combustíveis como a gasolina e o diesel, e esses são os
que mais contribuem para as emissões de gases de efeito estufa.
Entretanto,
o desmatamento hoje no Brasil ainda é considerado o maior emissor de gases de
efeito estufa, apesar das taxas decrescentes de desmatamento nos últimos dez
anos. Esses dados podem ser observados no site do Sistema de Estimativa de
Emissões de Gases de Efeito Estufa – SEEG, que fornece análises das emissões
históricas de gases de efeito estufa, sendo possível fazer essa comparação
entre as atividades de transporte e as atividades de mudanças de uso da terra,
cujas emissões são representadas pelo desmatamento. Quanto a emissões de gases
de efeito estufa, posso dizer que hoje as emissões de desmatamento são as
maiores, mas os níveis estão em patamares comparáveis às emissões de
agropecuária e energia, o que significa produção e uso de combustíveis. Dentro
das emissões relativas ao setor de energia, o petróleo e os seus derivados
ainda têm maior peso relativo entre as fontes energéticas, com destaque para a
gasolina e o diesel.
Apesar
disso, nesse quesito de efeito estufa, o Brasil é um país que se destaca tanto
por causa da biomassa, que consome bastante, como etanol, bagaço de
cana-de-açúcar, biodiesel, quanto por causa da matriz elétrica brasileira, que
tem como fonte energética original, principalmente, a energia hidráulica,
enquanto outros países dependem muito do carvão mineral.
IHU
On-Line - A viabilização de um combustível renovável em substituição ao
diesel já é uma pauta em discussão no Brasil?
David
Tsai - Sim, discute-se bastante essa pauta. Hoje o diesel vendido no Brasil tem
que ter, obrigatoriamente, um teor de 7% de biodiesel, e existe uma previsão de
aumento para os próximos anos de até 10% de biodiesel. O etanol já tem um
histórico de políticas de incentivo, e a gasolina brasileira é uma das que mais
contém etanol no mundo, num nível de 27,5%, além do etanol hidratado, que pode
ser consumido pelos automóveis flex.
IHU
On-Line - Como avalia o uso do etanol no país? Tem se dado incentivo
para que ele seja substituído pela gasolina, por exemplo?
David
Tsai - Se o objetivo for aumentar o consumo de etanol, o que tem que ser resolvido
é a oferta de etanol, porque há aí uma relação com o mercado de açúcar também.
Mas hoje o Brasil tem produzido etanol como nunca produziu antes e tem batido
recordes históricos de produção, mas ainda existe um mercado potencial para se
consumir mais etanol no país. De acordo com os documentos do Planejamento
Energético do Governo Brasileiro, existirá um aumento da oferta no futuro.
IHU
On-Line - Quais são as questões
mais urgentes e importantes de serem levadas em conta, num país como o Brasil,
quando se trata de pensar alternativas de combustíveis menos poluentes, por
exemplo, e a redução das emissões de gases de efeito estufa?
David
Tsai - Quando falamos das emissões de gás carbônico pela queima de
combustíveis, existem várias maneiras de atacar esse problema e um deles é a
substituição do combustível, mas existem outras soluções que podem caminhar em
consonância com outras políticas para o país. No Brasil, em específico, o maior
emissor de gás carbônico pela queima de combustíveis é a atividade de transporte,
sendo que metade diz respeito ao transporte de carga e a outra metade a
transporte de passageiros. No transporte de passageiro, por exemplo, é
possível, além de trocar os combustíveis, melhorar os sistemas de mobilidade, o
que pressupõe, por exemplo, a redução de uso do automóvel em favor do uso do
transporte público que, por passageiro transportado, tem um nível de emissão
muito menor.
Trocar
o combustível no transporte público, por exemplo, seria algo bastante
interessante a ser feito, porque ao racionalizar o sistema de mobilidade,
maximizar o transporte de passageiros para o transporte público e minimizar o
uso de transporte individual, haveria um ganho na redução das emissões, e ao
trocar essa fonte energética do transporte público, que em grande escala é
tocado a diesel, diminuiriam ainda mais as emissões. Pode ser interessante
também o uso de veículos elétricos no sistema de transporte público, dado que a
matriz elétrica brasileira é bastante limpa. Aparentemente, seria uma ideia
interessante trocar os ônibus a diesel por ônibus elétricos.
Entre
as soluções intermediárias, estaria o uso de veículos híbridos em que se usa o
diesel, mas combinado com uma tecnologia de motor elétrico, em que se
consumiria menos combustível. Teriam outras opções que devem ser estudadas numa
aplicação caso a caso porque não é só uma questão de voluntarismo para trocar
uma fonte de energia por outra, ao contrário, isso envolve questões como o
custo do transporte. Países em que há uma pressão e uma resistência bastante
pujante a qualquer aumento de custo no valor do transporte – porque isso se
reflete na tarifa, como vimos nas manifestações de 2013 – devem considerar uma
série de variáveis no estudo da implantação de outro modelo de transporte.
“Não adianta resolver o problema das emissões do transporte e não resolver o problema de mobilidade”
“Não adianta resolver o problema das emissões do transporte e não resolver o problema de mobilidade”
IHU
On-Line - É possível vislumbrar em que momento o Brasil irá fazer essa
transição? Há sinais disso ou essa discussão ainda é majoritariamente teórica?
David
Tsai - Já estamos passando do campo da teoria para a prática. Existem
experiências com tecnologias alternativas no Brasil, com ônibus a gás, ônibus a
hidrogênio, elétrico, e existem planos de montadoras para estabelecer fábricas
de ônibus elétricos no Brasil. Então, essa pauta já está, sim, passando do
nível teórico para o prático. O que existe ainda são desafios à aplicação em
larga escala dessas tecnologias no país.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
David
Tsai - É importante tratar essa questão dos combustíveis associada a outros
problemas ambientais do Brasil e de ordem econômica também, porque não adianta
resolver o problema das emissões do transporte e não resolver o problema de
mobilidade. Por exemplo, o que adiantaria todos os veículos de passeio no país
ser veículos elétricos, se o sistema de mobilidade continuasse travado como
está, com todos parados nos congestionamentos e a um alto custo? No estágio
atual o veículo elétrico é mais caro do que um veículo convencional, à
combustão. O Brasil tem uma demanda reprimida por automóvel e
transporte público, se comparado com Europa e EUA, e é possível ver que o
acesso a transporte de modo geral ainda é muito baixo no
país. Entretanto, com o crescimento do Brasil, vai aumentar a demanda por
transporte, mas para atender essa demanda num custo razoável, é preciso olhar
não só a questão do combustível, mas de equidade do uso do espaço público
brasileiro e do custo do material rodante. (ecodebate)
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