A questão ambiental, tanto
global quanto local, e os recentes avanços tecnológicos transformaram as
energias renováveis na escolha prioritária para a expansão de capacidade de
geração elétrica. Segundo IRENA (2017), desde de 2012, a instalação de capacidade
de renováveis ultrapassou as não renováveis de forma crescente. Em 2015, a
capacidade instalada de renováveis representou 61% da capacidade total
adicionada no mundo. Este aumento das renováveis no mundo se deve
principalmente ao aumento das novas tecnologias de energia renováveis, em
especial eólica e solar. Em 2015 o aumento da capacidade instalada das duas
fontes mais importantes das novas renováveis, solar e eólica, superou a de
hidráulica pela primeira vez.
O Brasil se posiciona neste
cenário de forma bastante peculiar visto a importância histórica das
hidráulicas na matriz elétrica nacional. Por um lado, as energias renováveis no
Brasil são um caso de sucesso, a participação de fontes renováveis na matriz de
geração brasileira é de 85%. Isto se deve, principalmente, à participação da
energia hidroelétrica, uma tecnologia conhecida e amplamente aplicada no
Brasil. A expansão das hidráulicas, no entanto, enfrenta progressivamente
maiores custos e restrições. Assim, se o Brasil quiser manter uma matriz limpa
terá que fazer face as novas oportunidades e desafios relacionados a introdução
das novas energias renováveis.
Externalidade ambientais
dos combustíveis fósseis e esforço internacional de mitigação
Historicamente, os combustíveis
fósseis se tornaram o recurso central da matriz energética mundial. Desde a
Revolução Industrial, os sucessivos paradigmas tecnológicos calcaram-se na
utilização crescente de combustíveis fósseis. Em 2014, 80% da demanda
energética mundial foi atendida por petróleo, gás natural e carvão (IEA, 2016).
A base fóssil da energia, no entanto, gerou externalidades ambientais
importantes que nas últimas décadas começou a ser colocada na pauta de política
energética dos países (nacionalmente e internacionalmente). A dominância de
combustíveis fósseis foi considerada determinante para o aquecimento global, e
a redução dessa participação é vista como a principal política para evitar a
ocorrência de catástrofes ambientais.
A 21ª Conferência das
Partes (COP21), realizada em dezembro de 2015, em Paris, traçou ações efetivas
para limitar o aumento da temperatura média no mundo abaixo de 2ºC até 2100, a
partir de planos nacionais de compromisso de redução de emissões, chamados de
INDCs.
A transição energética
mundial para uma economia com baixa emissão de carbono dependerá,
significativamente, da redução da utilização de combustíveis fósseis na geração
de eletricidade, que responde, atualmente, por um terço das emissões globais.
Além disso, o caminho para a redução das emissões de outros segmentos de
consumo, como transporte e aquecimento, deve envolver maior utilização de
eletricidade (com carros e sistemas de aquecimento de ambiente elétricos),
indicando que uma matriz elétrica limpa, com elevada participação de fontes
renováveis, será essencial para permitir que a eletrificação do futuro reduza
os níveis atuais de emissão.
Especificidades
brasileiras: da renovável para as novas renováveis
A inserção do Brasil neste
contexto internacional tem suas peculiaridades. Por conta da disponibilidade de
recursos renováveis, o Brasil seguiu uma trajetória distinta e, hoje, conta com
uma matriz energética limpa em relação à média mundial.
A
figura 2 compara a meta global de redução da intensidade de emissões de CO2
na geração de eletricidade condizente com o cenário 450 da Agência
Internacional de Energia no horizonte 2040, que limitaria o aumento da
temperatura global em 2°C, e a intensidade do sistema elétrico brasileiro em
2014. Se o esforço global mitigatório das emissões tiver êxito, a intensidade
de emissão para a geração de energia global alcançará o índice brasileiro
próximo do final do período de previsão. Ou seja, em matéria de matriz de
geração limpa, o Brasil está 20 anos à frente da média global. O desafio que se
coloca, no entanto, é manter a participação de renováveis na matriz de geração.
Assim, a essa liderança não exime o Brasil de seguir políticas de mitigação de
emissões.
Nesse sentido, na COP21, o
Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de GEE em 37% em 2025 em relação
aos níveis de 2005 e em 43% na mesma base de comparação até 2030. Para o setor
de energia, o Brasil estabeleceu três metas (INDCs) no Acordo de Paris: (i)
atingir participação de 45% de energias renováveis na matriz energética em
2030; (ii) aumentar a participação de bioenergia para 18% até 2030, expandindo
o consumo de biocombustíveis, a oferta de etanol(inclusive segunda geração) e a
parcela de biodiesel na mistura do diesel; e (iii) expandir o uso de fontes renováveis,
além da energia hídrica, na matriz total de energia para uma participação de
28% a 33% até 2030 (EPE, 2016).
Para atender os objetivos
propostos, o Brasil terá de repensar o papel das térmicas. Nos últimos anos, o
papel desempenhado pelas termelétricas no Brasil tem sido inadequado em termos
econômicos e ambientais. Baseada na perspectiva de utilização pouco frequente,
a construção do parque termelétrico brasileiro priorizou a flexibilidade,
através de tecnologias com menores custos de investimento e maiores custos
operacionais. Essas tecnologias, como é o caso de sistemas térmicos em ciclo
aberto, por não priorizarem a eficiência, acarretam em maior emissão por KWh
produzido. No entanto, desde 2013, as térmicas brasileiras têm sido utilizadas
intensamente, implicando em aumento dos custos de suprimento elétrico e das
emissões de CO2.
O Brasil conta com posição
privilegiada para acomodar uma expansão significativa de energias renováveis
intermitentes (características das novas renováveis). Por um lado, o sistema
elétrico brasileiro pode ser considerado dinâmico, com crescimento elevado
projetado para o longo prazo, o que permite ajustes na expansão para adequar o
sistema a maior geração de fontes renováveis intermitentes. Por outro, o
sistema elétrico já dispõe de elevado grau de flexibilidade em decorrência: (i)
da preponderância hidrelétrica (70% da capacidade instalada), (ii) da estocagem
através dos reservatórios hídricos (211 TWh, equivalente a pouco menos de 5
meses da carga anual), e (iii) da possibilidade intercâmbio elétrico-energético
através de um sistema de transmissão de dimensão continental (o SIN atende a
98% da carga do país).
Com estas características,
a expansão renovável no Brasil pode ocorrer com custos de integração reduzidos.
Os reservatórios acomodam a intermitência provendo flexibilidade e ainda
estocam a geração intermitente sob a forma de água, com o deslocamento da
energia hidráulica evitada.
Promoção de energia eólica
e solar no Brasil: mix de política energética e industrial
Visto o potencial nacional
tanto eólico quanto solar, o Brasil criou mecanismos de incentivos a promoção
dessas fontes energéticas. Os principais elementos destes mecanismos são os
contratos de longo prazo estabelecidos através dos leilões (PPAs) e o financiamento
privilegiado do BNDES. Visto que grande parte dos financiamentos da indústria
de energia passa pelo BNDES, isto não poderia ser diferente para novas
renováveis. O financiamento do BNDES, no entanto, está relacionado com a
política industrial de produção de componentes nacionalmente. Assim, O BNDES
criou políticas de conteúdo local específicas para as novas renováveis.
Enquanto a evolução da
indústria da eólica mostrou uma grande efetividade na internalização de
componentes (Ferreira, 2017), a adaptação a política de solar ainda deverá ser
avaliada.
Principal política de
incentivo ao desenvolvimento da cadeia produtiva do aerogerador no Brasil, a
PCL do BNDES teve início com a contratação de energia eólica no PROINFA em
2002. Os requisitos para concessão de financiamento eram os mesmos de outros
setores econômicos (índice de nacionalização dos equipamentos de 60%). Por
avaliar que esse critério distorcia escolhas de tecnologias e não era
suficiente para impulsionar a nacionalização de equipamentos de maior
intensidade tecnológica, o BNDES implantou uma nova metodologia a partir de
2013. A nova política do BNDES implementou regras que aumentavam gradativamente
o requisito de conteúdo local dos equipamentos, especialmente da nacele, que é
a parte do aerogerador que possui os componentes de maior complexidade
tecnológica. Esses requisitos deveriam refletir a maturidade dos fornecedores
locais para o suprimento. Ferreira (2017) aponta que a política obteve sucesso
em desenvolver fornecedores locais e atrair empresas de equipamentos para o
Brasil, ainda que persistam algumas lacunas de competitividade. Um tema crítico
é a continuidade do ritmo de contratação de nova capacidade eólica no Brasil. A
crise econômica estagnou a demanda de eletricidade e o leilão de energia de
energia de reserva previsto para 2016 foi cancelado. Assim, os fornecedores
domésticos podem ter problemas futuros para ocupar a capacidade instalada.
No caso da energia solar,
apesar de uma participação importante nos leilões de reserva (6°, 7° e 8° LER),
a capacidade efetivamente em construção é limitada o que vem levantando
questões. Andreão et al (2017) mostram que as duas principais empresas que
participam de projetos com maior capacidade contratada nestes leilões são a
ENEL (envolvida com projetos que equivalem a 24% da capacidade solar
contratada) e a Canadian Solar (envolvida em projetos que equivalem a 13% da
capacidade solar contratada). As estratégias das duas empresas no que refere as
exigências de conteúdo local do financiamento do BNDES são bastante diferentes.
A primeira vem se apoiando em investimento próprio (sem financiamento do
BNDES), com obras mais avançadas e sem restrições de conteúdo local. A segunda,
conseguiu este mês a aprovação do primeiro financiamento de energia solar no
BNDES (R$ 529,039 milhões para implantação do Complexo Solar Pirapora, em Minas
Gerais, com cinco usinas fotovoltaicas e potência instalada total de 150 MW e
potência fotovoltaica instalada de 191 megawatts picos MWp).
As diferentes estratégias
parecem coerentes com as características das empresas envolvidas. A ENEL é uma
empresa especialmente focada em energia (mesmo possuindo parcerias que fabricam
painéis solares). A Canadian Solar é uma das principais empresas produtoras de
placas solares no mundo (a principal que não é de propriedade de firmas
chinesas). A empresa canadense possui ativos de geração solar em diferentes
partes do mundo, no entanto, o que a destaca na indústria é a importância da
mesma na manufatura de solar.
Agora
resta saber se algumas destas estratégias será vencedora ou se conviverão na
evolução do setor no Brasil. Certamente dependerá tanto do desenvolvimento
tecnológico quanto da evolução da regulação setorial e da política de
financiamento do BNDES. (ambienteenergia)