Empresas ampliam geração de
energia a partir de resíduos orgânicos
Até pouco tempo desacreditada
no Brasil, a geração de energia a partir de biomassa, resíduos orgânicos das
cidades ou do campo, está prestes a assumir um papel mais relevante na matriz
energética nacional, com potencial de ajudar o país a cumprir compromissos no
combate às mudanças climáticas assumidos na COP26, na Escócia, em 2021. Um
deles é reduzir as emissões de gás metano em 30% até 2030. O desenvolvimento do
setor ainda é desafiador, mas ele reúne empreendedores que se mostram muito
dispostos.
Os investimentos fluem em
duas frentes: ampliação da produção de biogás em aterros sanitários e a partir
de resíduos agropecuários (como bagaço de cana e dejetos deixados por animais)
e a busca de novas fontes, aproveitando tipos específicos de rejeitos que
possam integrar ciclos econômicos mais sustentáveis.
Administradora de quatro
usinas de geração de energia a partir do biogás, a EVA Energia é um exemplo
dessa atuação dupla. Inicia as operações de uma usina em Mauá (SP) e prepara
uma nova unidade em São Gonçalo (RJ) para o segundo semestre, enquanto estuda a
incorporação de novos resíduos à operação, que hoje engloba gás de aterros e de
suinoculturas do Mato Grosso.
— Temos planos de gerar energia a partir das sobras da extração do óleo de palma, que acontece no Pará. E da vinhaça, subproduto das usinas de cana de açúcar, no interior de São Paulo. O milho, que surgiu como opção para o etanol, também desperta atenção — conta Eduardo Lima, CEO da Eva Energia, cujo plano é investir até R$ 30 milhões para, em 2023, adicionar 21 MW à potência instalada da empresa. Neste ano, a previsão é alcançar 18 MW, equivalentes ao abastecimento mensal de 2,5 mil casas.
Matriz energética do Brasil
A vinhaça também está no alvo
da Vibra (ex-BR Distribuidora), mas para a produção do chamado biometano, uma
espécie de gás natural renovável. A empresa firmou parceria com a Brazil
BioFuels, que cultiva palmas na recuperação de terras degradadas de Roraima
para produzir também diesel verde (HVO) e combustível sustentável de aviação
(SAF) em uma biorrefinaria em construção em Manaus (AM), com investimentos de
R$ 2 bilhões. A Vibra será a distribuidora exclusiva dos biocombustíveis por
cinco anos.
Segundo a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), a geração de eletricidade a partir do biogás soma 220
MW no país e corresponde a apenas 0,1% da matriz elétrica nacional — um
indicativo de que há muito a ser explorado. No caso da EVA, a energia elétrica
a partir do biogás é repassada na modalidade de geração distribuída (a partir
de pontos diversos e próximos do consumo). Os clientes vão de pequenos
estabelecimentos comerciais a estruturas pontuais de gigantes do mercado (como
antenas da Oi e lavanderias da Unilever com a marca Omo).
Projetos represados
De acordo com a Associação
Brasileira do Biogás (Abiogás), que já reúne mais de cem empresas do setor, o
avanço dessas fontes renováveis depende de financiamentos para negócios de
médio porte. As empresas têm expertise, mas acesso limitado ao crédito por
falta de garantias reais. Há projetos que somam cerca de R$ 1 bilhão em investimentos
com dificuldades de sair do papel.
— Identificando esse gargalo, propusemos a criação do Fundo Garantidor do Biogás que, em breve, passará a buscar investidores e a selecionar projetos que poderão contar com o total de R$ 300 milhões iniciais em garantias — conta Tamar Roitman, gerente executiva da Abiogás. — A expectativa é que as ideias tomem forma, com espaço para inovação, eficiência, redução de custos e inclusão de novos tipos de resíduos na produção.
Editoria de Arte
Felipe Borschiver, head de
Estruturação Financeira do Global Innovation Lab for Climate Finance, que é o
principal apoiador do fundo, destaca outro aspecto transformador:
— A intenção é manter uma
preferência por plantas de biogás que não necessariamente estejam ligadas a
aterros sanitários, que são mais facilmente financiáveis, e há um debate sobre
o estímulo à criação delas em meio às tentativas de reduzir a produção de lixo.
O fundo prevê destravar capital para projetos que tragam adicionalidades ao
setor.
A Gás Verde, recém-adquirida
pelo grupo Urca Energia, maior produtor de biometano no país, busca essas
“adicionalidades”. A empresa já mantém três usinas no Rio: uma de biometano em
Seropédica, e duas de geração de eletricidade a partir de biogás em Nova Iguaçu
e São Gonçalo. Em 18 meses, prevê lançar a primeira usina de gás carbônico
verde a partir do biometano, com investimento de R$ 45 milhões.
— A transformação do biogás em biometano elimina CO2. A nova usina em Seropédica poderá purificar esse gás e transformá-lo em gás carbônico verde. Será possível atender à alta demanda do mercado fluminense pelo gás, utilizado em alimentos e bebidas (principalmente refrigerantes), no tratamento de esgoto e na siderurgia. Tudo em uma planta com zero resíduo — diz Marcel Jorand, CEO da Gás Verde.
Projeto governamental fomenta energia renovável através do resíduo sólido urbano a partir da extração do metano.
Conscientização para valor do
segmento
A viabilidade dessa ponte com
a indústria, no entanto, é recente. Jorand pondera que, por mais de uma década
após seu surgimento, o biogás foi taxado como “gás do lixo” e encontrou
dificuldade para ser legitimado como fonte de energia. Uma ilustração disso é o
fato de postos de combustíveis, até pouco tempo atrás, hesitarem antes de
divulgar que trabalhavam com derivados de aterros sanitários.
— De dois anos para cá, houve
uma real movimentação do mercado de biogás e muita coisa mudou — diz Jorand.
O grupo Marquise, que há 50 anos atua em infraestrutura, incorporação, hotelaria, varejo e outros setores também busca inovações na cadeia do biogás. Por meio da Marquise Ambiental, originalmente ligada à limpeza urbana, opera aterros sanitários em Manaus (AM), Osasco (SP), Aquiraz e Caucaia (CE). Há quatro anos, inaugurou a primeira usina de biometano do Nordeste, a GNR Fortaleza (CE). Agora, quer investir na conversão de gás em eletricidade.
— É natural olharmos para esse mercado (de energia). O setor vem em uma curva crescente e tem potencial para decolar se conseguirmos conscientizar as pessoas sobre sua participação na geração e no aproveitamento de resíduos — diz Hugo Nery, CEO da Marquise Ambiental, que cobra ação do poder público nesse convencimento. — Se a sociedade entender a importância de separar o lixo em três tipos (restos de comida, reciclável e dejetos humanos), os materiais orgânicos poderão ser melhor aproveitados para biogás, geração de energia e reciclagem. (oglobo)
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