Cinco anos após Katrina, a cidade se torna modelo de arquitetura verde e dá incentivo fiscal para quem usa painéis solares
Catástrofes naturais parecem cada vez mais comuns em todo o mundo. Ao mesmo tempo se nota que parte dos estragos poderia ser evitada caso as cidades estivessem preparadas. Isso fica claro ao comparar os números de mortos após as recentes chuvas na região serrana do Rio - mais de 800 - e em Brisbane, na Austrália - cerca de 20.
Em muitos casos, porém, o planejamento surge apenas depois da ruína. "Para uma cidade devastada, a necessidade é a mãe da invenção", afirma Sérgio Trindade, cientista brasileiro co-laureado pelo Nobel da Paz em 2007 por seu trabalho no Painel do Clima da ONU. "As populações se acostumam com a ideia de que "nada vai acontecer", até que algo acontece."
Algo aconteceu em New Orleans no dia 29 de agosto de 2005. O Katrina destruiu tudo pela frente com ventos de 205 km/h que deixaram a cidade debaixo d’água após o rompimento de 50 diques. O saldo de mortos foi de 1.464 pessoas, e os prejuízos pelo furacão foram calculados em US$ 135 bilhões - o governo federal gastou US$ 120,5 bilhões na recuperação da cidade.
Cinco anos depois da tragédia, a maior cidade da Louisiana, nos EUA, é exemplo de sustentabilidade em suas novas construções com painéis solares para geração de energia. Poder público, grupos de investimento, universidades e ONGs como a Global Green e a Make It Right, do ator Brad Pitt, têm investido em casas, edifícios e escolas, com eficiência energética.
A cidade hoje abate 50% dos impostos de quem usa painéis solares, e a prefeitura quer aumentar o incentivo fiscal, o maior do país, para 80%.
A Global Green fornece recursos para a reconstrução de casas e escolas. Por meio do Green Schools Project, cada escola recebe US$ 75 mil - desde que siga parâmetros de construção sustentável, como o sombreamento de fachadas para evitar o uso de ar-condicionado, o uso de cisternas para captação de água de chuvas e a utilização de 100% de lâmpadas fluorescentes.
"Ajudamos a reconstruir 12 das 88 escolas da cidade, cinco casas e temos um projeto de conjunto habitacional", afirma Matt Petersen, CEO da Global Green, que abriu um escritório na cidade logo após o desastre.
A entidade também auxilia os cidadãos que desejam erguer casas e prédios ou restaurá-los com base na certificação de sustentabilidade em construção civil mais conhecida nos EUA, a LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), concedida pela ONG U.S. Green Building Council (USGBC), de acordo com os critérios de racionalização de recursos como energia e água.
O braço da Global Green em Nola (apelido dado à New Orleans pelos moradores) se concretizou quando Petersen conheceu a advogada da área ambiental Elizabeth Galante, nascida na cidade. "Eu buscava uma maneira de ajudar a reconstruir a cidade sem cometer os mesmos erros que intensificaram a tragédia", conta a advogada, conhecida como Beth.
Sem expertise
Beth revela que New Orleans, hoje referência em energia renovável, tem um passado nada verde.
"A companhia de energia de Nola era conhecida nacionalmente como uma das menos sustentáveis do país. Quando começamos a atuar, por exemplo, era ilegal conectar painéis solares com a rede de energia da cidade. E ninguém sabia como construir com sustentabilidade aqui. Não tínhamos expertise", lembra.
Outro obstáculo às construções ecologicamente corretas na cidade era a urgência - todos queriam muito rápido refazer seus edifícios e casas para voltar à normalidade.
"Tivemos que explicar às pessoas que não adiantava construir com materiais baratos e pouco eficientes novamente. Sair construindo seria uma solução imediata, mas outra ameaça a longo prazo."
Para saber mais sobre as construções verdes, a cidade organizou um campeonato de design e arquitetura no verão de 2006. Participaram ao todo 125 escritórios de todo o país com vasta experiência em arquitetura sustentável, além de uma série de empresas locais.
Brad Pitt foi um dos jurados e o resultado da competição foi o Holy Cross, projeto da Global Green de conjunto habitacional com 18 unidades. A construção vai produzir uma boa parte da energia que consome.
O concurso selecionou um escritório de Nova York e, segundo Beth, proporcionou uma "rápida e excepcional troca de conhecimento entre os escritórios de fora, com experiência em construções verdes, e os locais, com o conhecimento da realidade climática daqui".
"Um dos desafios é reinventar a cidade de um jeito melhor e mais sustentável, mas com o cuidado de preservar os nossos referenciais culturais. Não é o caso de construir uma nova cidade, mas sim de fazer uma New Orleans melhor", diz.
Arte
Berço do jazz, New Orleans tem referenciais culturais fortes e teve de enfrentar o êxodo de seus artistas. Ao todo, 150 mil cidadãos foram embora - e não voltaram. Hoje, a cidade tem cerca de 330 mil habitantes.
"Este período tem sido difícil, mas inspirador. Quem voltou está comprometido em reconstruir a cidade, seus bairros e suas casas", diz o empresário local Harold Doley III. "Essa motivação permitiu que New Orleans se transformasse em uma incubadora de sustentabilidade."
Doley III, por meio de seu grupo de investimento Lugano, fundou o Cultural Economy Initiative, em parceria com a prefeitura da cidade. O programa dá suporte, com isenções de taxas e incentivo financeiro, a quem reconstrói a cena cultural da cidade, como músicos e cineastas.
"Foi necessária uma tragédia para tornar possível a percepção do valor inacreditável da nossa cultura e dos nossos recursos naturais", diz o empresário. (OESP)
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