Cientistas brasileiros investigam como tornar produto competitivo; falta de diálogo e de recursos são principais entraves para pesquisa.
Cientistas brasileiros ingressaram na corrida para tornar economicamente viável a produção de combustível extraído de algas microscópicas. Na opinião dos pesquisadores, recursos escassos e equipes que atuam de forma solitária ainda constituem obstáculos para o avanço do País.
O desafio é imenso. Só não supera as promessas. De todas as fontes de biocombustíveis, nenhuma oferece produtividade tão grande. Das plantas superiores - com raiz, tronco e folhas -, a melhor opção para produção de óleo - e, depois, biodiesel - é o dendê: cada hectare produz 4,4 mil litros por ano. Algumas microalgas produzem até 90 mil litros em idêntica área e no mesmo período: ou seja, quase 20 vezes mais.
A disparidade tem uma explicação simples. Só as sementes do dendê - uma pequena parcela da planta - contêm óleo. E, mesmo assim, apenas 22% do volume das sementes podem ser aproveitados. Já as microalgas funcionam como minúsculos reservatórios de lipídeos, matéria-prima do combustível. Em algumas espécies, o aproveitamento chega a 90% da biomassa produzida.
E as vantagens não terminam aí. Há microalgas que apreciam águas salobras ou águas com resíduos - o esgoto é rico em fosfatos e nitratos, que servem como nutrientes. O uso de tais microrganismos aliviaria a demanda por água doce e limpa, que costuma ser alta em culturas convencionais para produção de biocombustíveis, como soja e cana-de-açúcar.
Não ocorreriam flutuações significativas de safra, pois as microalgas são menos sensíveis a geadas, estações do ano, ao sol e à chuva. Além disso, regiões como o semiárido brasileiro poderiam encontrar sua vocação econômica com fazendas de microalgas. Não haveria desperdício de solo - pouco produtivo na região - e haveria luz de sobra para a fotossíntese das algas. O lençol freático de água salobra forneceria o meio de cultivo.
Por fim, as microalgas são ótimos fixadores de carbono contribuindo para atenuar o aquecimento global. Não é a toa que notáveis como Craig Venter e Bill Gates decidiram investiram fortunas naquilo que julgam ser o combustível do futuro.
Contudo, os problemas também começam cedo. Ninguém aposta que a alternativa se tornará viável em menos de uma década. Há inúmeros desafios técnicos: otimização de fotobiorreatores - onde as algas são cultivadas - para aumentar o volume de biomassa produzido, desenvolvimento de processos baratos para separar os microrganismos da água, identificação de espécies promissoras para cultivo...
E com o barril do petróleo custando menos do que R$ 150, é difícil tornar viáveis economicamente fontes alternativas de energia, o que retarda de forma significativa a pesquisa.
O biólogo Sergio de Oliveira Lourenço, da Universidade Federal Fluminense (UFF), é um dos cientistas brasileiros que há mais tempo estuda o tema. Ele acredita que será muito difícil competirmos de igual para igual com outros países, que investem montantes significativamente maiores em pesquisa.
"Mesmo assim, é muito importante continuar investindo", afirma Lourenço. "Para, no futuro, contarmos com o conhecimento necessário para, no mínimo, assimilarmos a tecnologia e não nos tornarmos um mero fornecedor passivo de áreas boas para o cultivo."
Um edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ofereceu cerca de R$ 4,5 milhões para ser gasto em dois anos por dez grupos que estudam microalgas e biocombustíveis.
A engenheira química Ofélia Araújo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera os investimentos no setor tímidos. Ela acredita que fundos setoriais de empresas químicas e de energia deveriam ser usados para pesquisas com microalgas. "Seriam as maiores beneficiadas por avanços nesta área", pondera. Termelétricas, por exemplo, poderiam utilizar o gás carbônico produzido na queima do combustível para o cultivo de microalgas. Desta forma, transformariam resíduo em produto.
João Carlos Monteiro de Carvalho, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, já criou um protótipo para testar a ideia. Ele coordenou uma pesquisa para reaproveitar o dióxido de carbono oriundo da fermentação alcoólica em usinas sucroalcooleiras. O gás é canalizado para ser consumido por organismos fotossintetizantes, como microalgas e cianobactérias. O projeto, financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), poderia fixar cerca de 20,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono produzidos todos os anos pela fermentação da cana-de-açúcar em São Paulo.
A bióloga Sônia Gianesella, do Instituto Oceanográfico da USP, realiza prospecção de espécies brasileiras de microalgas. "Queremos descobrir microrganismos com bom rendimento e espécies que se adaptem bem a vários ambientes como águas salobras ou com resíduos", explica Sônia. Ela participa de um projeto conjunto com pesquisadores da Escola Politécnica da USP que tenta viabilizar o uso de microalgas para tratamento de águas com dejetos.
Paulo César Abreu, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), firmou uma parceria com a Petrobrás para tratar a água que passa pelo processo produtivo da empresa. Ele recorda que há substâncias mais valiosas que o biodiesel produzido pelas microalgas. Cita como exemplo o ácido graxo EPA, usado na indústria alimentícia. "O quilo custa de US$ 10 mil a US$ 30 mil. Um quilo de biodiesel vale US$ 6", calcula Abreu. "Nosso grupo já começa a ver o biodiesel como um subproduto de produtos mais nobres."
Setor privado
O Brasil é o primeiro país da América Latina a possuir uma empresa especializada em obter biodiesel de microalgas e cianobactérias. Apesar de a estrutura da empresa Algae estar montada desde 2007 em São Paulo, ela ainda não tem um produto em mãos para comercializar.
Desde 2009, a empresa investe em pesquisas laboratoriais para conseguir produção em escala do biocombustível e baratear seus custos. Hoje, segundo o gerente técnico da empresa, Sérgio Goldemberg, um litro de biodiesel de alga sairia cinco vezes mais caro que o diesel vindo de material fóssil. "Ainda está economicamente inviável", calcula.
O cronograma da Algae prevê que a partir de 2014 a empresa já terá unidades de produção e o negócio será viável. O objetivo é recuperar o investimento em dois ou três anos. Até lá, o calendário ficará reservado para a pesquisa. Essa etapa está orçada em R$ 6 milhões, sendo R$ 3,2 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), R$ 1,8 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e 200 mil do CNPq.
"Como empresa, não podemos nos dar ao luxo de ficar pesquisando para sempre, nossa pesquisa tem de ter um horizonte definido", explica Goldemberg.
Para 2011, a Algae pretende implantar um projeto-piloto em parceria com uma usina de cana-de-açúcar do interior de São Paulo. A ideia é que a refinaria do biodiesel funcione no mesmo local. Além do biodiesel, a Algae também está apostando em compostos de maior valor agregado que também podem ser extraídos da gordura da alga.
No mundo
Carel Callenbach, diretor da empresa holandesa Ingrepro, está convicto de que já é possível utilizar microalgas para tratar águas com resíduos. "O problema deixou de ser tecnológico. Agora é de investimento no processo produtivo", afirma.
Ele considera inviável utilizar os microrganismos para produzir apenas biocombustíveis, um produto com valor agregado baixo. Mas considera muito conveniente usar as microalgas para tratar águas com resíduos ou fixar gases-estufa produzidos por fábricas. "Com isso, transformamos o carbono e os nutrientes presentes em dejetos em produtos capazes de oferecer lucros", afirma o empresário que roda o mundo para popularizar o conceito de urban farming.
Para Callenbach, já seria possível instalar fotobiorreatores no topo de prédios onde as algas, alimentadas com a água e os resíduos descartados pelas casas, produziriam biomassa que, depois, seria vendida para biorrefinarias. Quando questionado sobre a viabilidade de se instalar tais estruturas em cidades já estabelecidas, ele responde que é, antes de mais nada, um projeto para as novas áreas urbanas.
Na Holanda, pelo menos três empresas utilizam as soluções propostas pela Ingrepro para tratar resíduos de processos industriais: uma fábrica de batatas fritas, uma granja que produz ovos e uma fábrica de tintas. Há alguns meses, um helicóptero Apache da Força Aérea holandesa voou com querosene feito de microalgas cultivadas por Ingrepro.
Nos últimos anos, o polêmico cientista Craig Venter deixou a aventura do sequenciamento do genoma humano, que lhe valeu renome internacional, para concentrar seus esforços na procura de microrganismos que poderiam atuar como pequenas fábricas de combustível. "Algas são o principal sistema biológico capaz de utilizar a energia solar para converter dióxido de carbono em combustível", afirma Venter.
Em julho de 2009, a empresa petroquímica Exxon decidiu investir cerca de R$ 1 bilhão na pesquisa de biocombustíveis produzidos com microalgas. Metade do dinheiro foi para a Synthetic Genomics, empresa de biotecnologia fundada por Venter. Ele deseja reprogramar microalgas para produzirem combustíveis de forma mais eficiente, além de outros produtos de alto valor agregado.
Bill Gates também resolveu entrar no negócio das microalgas e investiu cerca de R$ 86 milhões em uma empresa californiana chamada Sapphire Energy, ao lado de outros três investidores.
Há cerca de um mês, a Fapesp realizou um simpósio em São Paulo sobre Biologia Sintética. Um dos conferencistas foi Ben Hankamer, da Universidade de Queensland, na Austrália. Hankamer fundou a Solar Biofuels Consortium, entidade destinada a mostrar a viabilidade econômica dos biocombustíveis de algas.
O pesquisador patenteou um processo inovador para produzir hidrogênio com microalgas. "As microalgas seriam uma solução interessante para a crescente demanda de combustíveis, uma vez que não disputariam espaço por terras agricultáveis, além de contribuir para a captura de dióxido de carbono. Outra vantagem dessa matéria-prima é que ela representa uma alternativa aos combustíveis fósseis cujas reservas mundiais são limitadas", afirma. (EcoDebate)
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