terça-feira, 16 de junho de 2015

É grave a crise, mas há solução

A ANP, ANEEL e ANA devem em conjunto garantir a segurança energética de forma sustentável, com gestão eficiente do uso da água e de nossos recursos naturais e energéticos. Os órgãos ambientais devem participar do planejamento setorial para evitar insegurança jurídica, atrasos e elevação de custos na etapa de implantação de empreendimentos, contribuindo para modicidade tarifária e segurança energética.
Segurança de suprimento energético, combinada com preços módicos, é fundamental para crescimento sustentado da economia. Como parte da infraestrutura do país, o bom funcionamento do setor energético requer: planejamento, gestão e regulação eficientes. É exatamente a fragilidade deste tripé que explica a situação caótica em que se encontra o setor de energia no momento. O planejamento é falho, a regulação enfraquecida pela captura política das agências e entidades, que deveriam atuar de forma autônoma, e a gestão é ineficiente. Este quadro é uma das consequências mais perversas da opção pela intervenção direta do governo nas atividades regulatórias e econômicas do setor, consequência da falta de crença no mercado. Esta política tornou-se dominante a partir de 2008 e caracteriza-se por medidas autoritárias de curtíssimo prazo, através de intervenções que derrubam o planejamento das empresas.
Se o governo praticasse o planejamento, ao invés de intervenção, teria criado um ciclo virtuoso de energia competitiva, investimentos e geração de empregos, na medida em que o país tem fontes diversificadas e abundantes de energia, e contribuído para o fortalecimento de uma economia de baixo carbono. É difícil explicar o aumento de emissões de CO2 frente à predominância de fontes limpas no país, a não ser por graves erros de operação e gestão do sistema.
Os efeitos da política míope, voltada para resultados políticos de curto prazo, estão produzindo estragos e criando grandes esqueletos em todas as áreas do setor energético brasileiro. Ao mesmo tempo em que o setor não se desenvolve, são gastos bilhões de reais provenientes recursos públicos, isto é, de impostos para manter artificialmente baixos os preços de alguns energéticos escolhidos pelo governo sem justificativas técnicas, desequilibrando os preços relativos, beneficiando uns em detrimentos de outros.
Desde 2003, e principalmente a partir de 2010, o governo vem se apoiando em políticas populistas de administração de preços de energia na tentativa de controlar a inflação. Primeiro foram os combustíveis, como a gasolina e o diesel, que são vendidos no mercado doméstico a preços inferiores aos do mercado internacional, gerando grandes perdas para a Petrobras e seus acionistas e causando a deterioração da cadeia produtiva do etanol. Em setembro de 2012, com a Medida Provisória (MP) nº 579, convertida na Lei no 12.783/2013, com a definição unilateral das regras de renovação das concessões, o governo incluiu o setor elétrico nessa desastrosa política populista. A Medida Provisória foi mais um ato de autoritarismo, que vem caracterizando a condução das atividades neste setor, e como tal foi imposta aos investidores, aos consumidores e ao Congresso Nacional, sem que houvesse tempo hábil para uma cuidadosa avaliação de seus impactos. Esta MP modificou completamente a forma de operação do setor elétrico, desrespeitando, inclusive, direitos adquiridos. Assim, torna-se evidente a necessidade e urgência de se exigir a Análise de Impactos Regulatórios para decisões dessa natureza o que, por sua vez, requer independência do órgão regulador em relação ao Executivo.
O populismo tarifário, refletido no congelamento das tarifas, gerou enormes dificuldades financeiras às empresas do setor, criando um grave problema fiscal. Os recursos públicos vêm sendo pesadamente utilizados para compensar as tarifas defasadas frente à elevação no custo da energia gerada e aos riscos de segurança no abastecimento, inviabilizando o equilíbrio econômico-financeiro das empresas, endividando consumidores e contribuintes, sem a transparência necessária sobre a origem dos recursos e dos custos finais para a sociedade.
Destaque-se, ainda, que a falha do governo na realização dos leilões contribuiu, significativamente, para crise do setor ao tornar as distribuidoras de energia expostas ao mercado de curto prazo. Apesar dessa restrição de oferta estrutural, e mesmo diante do evidente quadro de hidrologia negativa, nenhuma política de racionalização no uso de energia foi introduzida. Ao contrário, ao impedir o repasse dos custos de geração para tarifas, pelo menos até meados deste ano, o usuário, seja residencial ou industrial, foi estimulado a consumir. O desequilíbrio entre oferta e demanda foi se acentuando, sem que o governo tomasse qualquer iniciativa para reduzi-lo, forçando concessionárias de distribuição a adquirir energia a preços elevadíssimos e gerando enormes desequilíbrios financeiros. A crise só não é pior por conta da recessão deste ano, que reduziu expressivamente o consumo industrial.
A falsa política de modicidade tarifaria – que na prática nada mais foi do que um subsídio governamental às tarifas e adiamento de reajustes, gerando enormes dificuldades financeiras às empresas do setor – acabou criando um grave problema fiscal, já que recursos públicos vêm sendo pesadamente utilizados para compensar a desorganização do setor ocasionada pela Lei nº 12.783. Novamente, os contribuintes são chamados a pagar no lugar dos usuários, até mesmo os perdulários. Esses novos subsídios foram claramente desnecessários para a democratização do consumo de energia, já que a regulação prevê tarifa social para o consumidor de baixa renda.
O montante de recursos necessários para manter as tarifas de energia elétrica baixas continua a crescer, podendo atingir 70 bilhões de reais, segundo estimativas de especialistas do setor. Além disso, gerou inestimáveis impactos ambientais, decorrentes do uso permanente de térmicas a óleo combustível. Estima-se que, para 2014, os subsídios ao setor de petróleo e energia elétrica atinjam quase 1,6% do PIB.
A gravidade da crise de curto prazo demanda a criação de um grupo de trabalho, que atuando em conjunto com agentes do setor, busque soluções capazes de superar os preocupantes desequilíbrios das empresas concessionárias em todos os segmentos. Devem-se considerar soluções não só para o endividamento das distribuidoras, que apenas serviu para adiar para os próximos anos reajustes tarifários elevadíssimos, mas também para o impacto do risco hidrológico sobre geradoras e para as indenizações pendentes das empresas que aderiram à renovação de concessão (geradoras e transmissoras). A situação da Eletrobras é igualmente preocupante, dado que a empresa vem acumulando prejuízos elevados e está sobrevivendo por conta de empréstimos de bancos públicos.
A retomada do planejamento do setor energético colocaria o país novamente na rota da autossuficiência energética, não só em petróleo. Além da camada pré-sal, o Brasil possui um elevado potencial de geração de energia hidroelétrica, sobretudo na região Norte, com mais da metade do potencial remanescente. As reservas de gás natural inexploradas encontram-se, em sua maioria, na região Sudeste e Norte. O potencial eólico localiza-se, sobretudo, na região Nordeste e na Sul, onde os ventos são mais intensos e regulares. A produção de biomassa se concentra na região Sudeste, Centro Oeste e em parte do Nordeste, podendo ser ampliado, ao passo que o carvão mineral nacional tem seu maior potencial na região Sul. A agenda de reformas deve incluir, portanto, a possibilidade de realização de leilões regionais e por fontes.
Apesar dessas enormes potencialidades, atualmente importamos gasolina, diesel, gás natural e até etanol. A autossuficiência é importante tanto do ponto de vista da segurança do abastecimento quanto com relação à solvência das contas externas, trazendo, ainda, a soberania nacional na questão energética.
A gestão das empresas estatais vem sendo pautada por motivações políticas, assim como a das instituições responsáveis pela correta operação do setor energético. Por isso, uma mudança na sua governança é essencial para desvincular sua administração de objetivos políticos de curto prazo. Mesmo se tratando de empresas controladas pela União, os administradores das sociedades de economia mista devem zelar para que elas possam cumprir com a função social para a qual foram criadas, no caso do setor energético, a expansão da oferta de energia. A Petrobras vem sendo seguidamente prejudicada pelo fato de ter como presidente de seu conselho de administração o Ministro da Fazenda. A atuação do ministro no Conselho da petrolífera tem impedido a introdução de qualquer mecanismo de realinhamento de preços relativos, num claro conflito de interesses. A Eletrobras perdeu metade de seu valor por ter aderido à proposta de renovação de concessões, que não remunera corretamente os investimentos da empresa. Do mesmo modo, o presidente do conselho o grupo estatal de eletricidade é o próprio Ministro de Minas e Energia, que assinou a MP 579, e que impôs à empresa enormes prejuízos. O voto do controlador foi questionado pelos minoritários e vem encontrando apoio na CVM.
É fundamental o restabelecimento da autonomia das agências reguladoras, cuja atual falta afeta o setor e uma maior harmonia na sua atuação. A ANP, ANEEL e ANA devem em conjunto garantir a segurança energética de forma sustentável, com gestão eficiente do uso da água e de nossos recursos naturais e energéticos. Os órgãos ambientais devem participar do planejamento setorial para evitar insegurança jurídica, atrasos e elevação de custos na etapa de implantação de empreendimentos, contribuindo para modicidade tarifária e segurança energética.
As Agências Reguladoras e sua eficácia, como órgãos de Estado e não como instrumentos de política de Governo, são cruciais na definição de princípios importantes para o equilíbrio entre os direitos e deveres dos concessionários, do poder concedente e dos usuários do serviço. Para tal, será preciso aprimorar os mecanismos de indicação de diretores por parte do Executivo, impedindo a captura política das agências. Da mesma forma, é necessário rever e fortalecer a governança regulatória do setor, hoje distribuída em várias instituições que não cumprem as funções para as quais foram criadas. Também, mecanismos de auditoria e controle da sociedade devem ser introduzidos para evitar que os erros de planejamento se perpetuem, tonando o monitoramento da operação do sistema mais transparente.
Considera-se fundamental, também, a imposição de maior previsibilidade na formação de preços, com a incorporação de mecanismos de mercado. Para tanto, é preciso fortalecer e ampliar o mercado livre de energia e atribuir competitividade ao segmento de gás natural, hoje dominado por um monopólio, de fato, da Petrobras.
O atual processo de judicialização das decisões normativas, originadas nas instituições responsáveis pelo planejamento e regulação no setor de energia, mostra que não está havendo diálogo, prevalecendo o autoritarismo, o que faz com que a conciliação não seja bem sucedida. A solução de conflitos regulatórios e de direito econômico estão sendo transferidos para o arbítrio da Justiça, causando insegurança jurídica nos negócios e afastando investidores. Seria preciso restabelecer as competências dos Ministérios setoriais, que devem ser responsáveis pelas políticas, diretrizes, planejamento e plano de outorgas, enquanto as Agências se encarregam da operacionalização de licitações, celebração de contratos de concessão e fiscalização do setor. O fortalecimento institucional, com o fim da intervenção política e a imposição de objetivos políticos de curto prazo, é pré-condição para a retomada do bom funcionamento do setor, com uma política de preços transparente e evidente capacidade de planejamento e gestão. Consequentemente, haverá equilíbrio entre os objetivos de modicidade tarifária, segurança energética e sustentabilidade.
Em resumo, a sugestão para uma agenda de reformas para o próximo governo deveria, em nossa opinião, seguir as diretrizes gerais, não exaustivas e nem segmentadas, abaixo relacionadas. É evidente que cada segmento e cada fonte demandam detalhamentos próprios.
• Fortalecer o tripé Planejamento, Gestão e Regulação, reduzindo a intervenção excessiva do Estado no curto prazo.
• Programas de eficiência energética e conservação de energia em todos os setores. Introduzir mecanismos de administração da demanda pelos consumidores, livres ou cativos.
• Melhorar a governança das empresas estatais e instituições setoriais responsáveis pelo tripé, evitando sua captura política. Aprimorar os mecanismos de escolha de dirigentes, controle externo e auditoria no planejamento e operação do sistema, dando transparência às decisões de seus órgãos colegiados.
• Eliminar a insegurança jurídica causada pela MP 579, sobre remuneração de investimentos e pagamento de indenizações. Colocar para consulta pública as regras para renovação das concessões das distribuidoras e de autoprodução.
• Promover mecanismo de profissionalização das empresas estatais, Petrobras e Eletrobras, de forma a implantar contrato de gestão atrelado a metas operacionais e financeiras e estabelecendo níveis de excelência em matéria de Governança. Rever critérios para participação de membros do Executivo e Legislativo em seus Conselhos de Administração de forma evitar o uso político dessas empresas e potenciais conflitos de interesse.
• Valorizar a diversidade de fontes e características regionais na matriz energética brasileira, buscando equilibrar a busca de autossuficiência com sustentabilidade. Incorporar órgãos ambientais no planejamento para evitar insegurança jurídica após os leilões, a elevação dos custos de implantação e riscos de abastecimento.
• Promover e assegurar mais transparência e previsibilidade na formação de preços e tarifas. Aprofundar os mecanismos de mercado, buscar eficiência na operação do sistema e ampliar o mercado livre de energia.
• Garantir segurança energética, com modicidade tarifária[2] e equilíbrio das contas públicas.
• Política de preços relativos que reflitam as características de cada fonte de energia e a situação de mercado. Dar previsibilidade aos investidores de cada fonte, eliminando o stop-and-go na política energética, que caracteriza os anos recentes, a exemplo do que ocorreu com o programa do etanol.
• Repensar o papel da Petrobras no setor de gás natural. Atualmente, a empresa tem presença verticalizada nesse setor, sendo responsável pela produção, importação, transporte, propriedade dos dutos e, até mesmo, distribuição. Tal fato vem restringindo a competição no setor e limitando a expansão das térmicas a gás.
• Realização de leilões voltados às fontes renováveis descentralizadas como PCHs, biomassa, eólica e solar, com a fixação de aquisição de um percentual significativo do crescimento projetado do mercado.
• Conferir maior importância ao mercado livre de energia elétrica, por meio da revisão da metodologia do PLD, tornando-o mais estável e previsível, além de viabilizar a participação dos agentes do mercado livre nos leilões oficiais de comercialização de energia, hoje exclusivo ao mercado cativo. Da mesma forma, eliminar qualquer discriminação à participação dos autoprodutores nos leilões.
• Estabelecer um debate entre especialistas do setor elétrico, acadêmicos e sociedade em relação ao tipo de construção das usinas hidroelétricas no país. Avaliar corretamente a complementariedade entre reservatórios, fontes intermitentes e usinas térmicas para a definição ex-ante de uma matriz compatível com uma economia de baixo carbono e segurança energética.
• Planejamento energético co-participativo com estados da federação, estimulando a uso eficiente de recursos regionais.
• Definição de calendário realista para os leilões de petróleo e energia elétrica, a partir do qual deve ser exigida a pontualidade na execução dos investimentos e a qualidade dos serviços.
• Melhorar gestão na implantação de empreendimentos. Instituições do setor devem exigir e garantir a qualidade e pontualidade nos investimentos. Em contrapartida, o governo e as agências devem atuar para garantir a obtenção de licenças ambientais e o respeito aos contratos, aumentando a segurança jurídica dos empreendimentos.
• Instalação de um fórum de discussões para solucionar crise econômica financeira atual, sem o qual não há ambiente para a retomada de investimentos necessários. (visoesdosetoreletrico)

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