A ANP,
ANEEL e ANA devem em conjunto garantir a segurança energética de forma
sustentável, com gestão eficiente do uso da água e de nossos recursos naturais
e energéticos. Os órgãos ambientais devem participar do planejamento setorial
para evitar insegurança jurídica, atrasos e elevação de custos na etapa de
implantação de empreendimentos, contribuindo para modicidade tarifária e
segurança energética.
Segurança
de suprimento energético, combinada com preços módicos, é fundamental para
crescimento sustentado da economia. Como parte da infraestrutura do país, o bom
funcionamento do setor energético requer: planejamento, gestão e regulação
eficientes. É exatamente a fragilidade deste tripé que explica a situação
caótica em que se encontra o setor de energia no momento. O planejamento é falho,
a regulação enfraquecida pela captura política das agências e entidades, que
deveriam atuar de forma autônoma, e a gestão é ineficiente. Este quadro é uma
das consequências mais perversas da opção pela intervenção direta do governo
nas atividades regulatórias e econômicas do setor, consequência da falta de
crença no mercado. Esta política tornou-se dominante a partir de 2008 e
caracteriza-se por medidas autoritárias de curtíssimo prazo, através de
intervenções que derrubam o planejamento das empresas.
Se o
governo praticasse o planejamento, ao invés de intervenção, teria criado um
ciclo virtuoso de energia competitiva, investimentos e geração de empregos, na
medida em que o país tem fontes diversificadas e abundantes de energia, e
contribuído para o fortalecimento de uma economia de baixo carbono. É difícil
explicar o aumento de emissões de CO2 frente à predominância de fontes limpas
no país, a não ser por graves erros de operação e gestão do sistema.
Os
efeitos da política míope, voltada para resultados políticos de curto prazo,
estão produzindo estragos e criando grandes esqueletos em todas as áreas do
setor energético brasileiro. Ao mesmo tempo em que o setor não se desenvolve,
são gastos bilhões de reais provenientes recursos públicos, isto é, de impostos
para manter artificialmente baixos os preços de alguns energéticos escolhidos
pelo governo sem justificativas técnicas, desequilibrando os preços relativos,
beneficiando uns em detrimentos de outros.
Desde
2003, e principalmente a partir de 2010, o governo vem se apoiando em políticas
populistas de administração de preços de energia na tentativa de controlar a
inflação. Primeiro foram os combustíveis, como a gasolina e o diesel, que são
vendidos no mercado doméstico a preços inferiores aos do mercado internacional,
gerando grandes perdas para a Petrobras e seus acionistas e causando a
deterioração da cadeia produtiva do etanol. Em setembro de 2012, com a Medida
Provisória (MP) nº 579, convertida na Lei no 12.783/2013, com a
definição unilateral das regras de renovação das concessões, o governo incluiu
o setor elétrico nessa desastrosa política populista. A Medida Provisória foi
mais um ato de autoritarismo, que vem caracterizando a condução das atividades
neste setor, e como tal foi imposta aos investidores, aos consumidores e ao
Congresso Nacional, sem que houvesse tempo hábil para uma cuidadosa avaliação
de seus impactos. Esta MP modificou completamente a forma de operação do setor
elétrico, desrespeitando, inclusive, direitos adquiridos. Assim, torna-se
evidente a necessidade e urgência de se exigir a Análise de Impactos
Regulatórios para decisões dessa natureza o que, por sua vez, requer
independência do órgão regulador em relação ao Executivo.
O
populismo tarifário, refletido no congelamento das tarifas, gerou enormes
dificuldades financeiras às empresas do setor, criando um grave problema
fiscal. Os recursos públicos vêm sendo pesadamente utilizados para compensar as
tarifas defasadas frente à elevação no custo da energia gerada e aos riscos de
segurança no abastecimento, inviabilizando o equilíbrio econômico-financeiro
das empresas, endividando consumidores e contribuintes, sem a transparência
necessária sobre a origem dos recursos e dos custos finais para a sociedade.
Destaque-se,
ainda, que a falha do governo na realização dos leilões contribuiu,
significativamente, para crise do setor ao tornar as distribuidoras de energia
expostas ao mercado de curto prazo. Apesar dessa restrição de oferta
estrutural, e mesmo diante do evidente quadro de hidrologia negativa, nenhuma
política de racionalização no uso de energia foi introduzida. Ao contrário, ao
impedir o repasse dos custos de geração para tarifas, pelo menos até meados
deste ano, o usuário, seja residencial ou industrial, foi estimulado a
consumir. O desequilíbrio entre oferta e demanda foi se acentuando, sem que o
governo tomasse qualquer iniciativa para reduzi-lo, forçando concessionárias de
distribuição a adquirir energia a preços elevadíssimos e gerando enormes
desequilíbrios financeiros. A crise só não é pior por conta da recessão deste
ano, que reduziu expressivamente o consumo industrial.
A
falsa política de modicidade tarifaria – que na prática nada mais foi do que um
subsídio governamental às tarifas e adiamento de reajustes, gerando enormes
dificuldades financeiras às empresas do setor – acabou criando um grave
problema fiscal, já que recursos públicos vêm sendo pesadamente utilizados para
compensar a desorganização do setor ocasionada pela Lei nº 12.783. Novamente,
os contribuintes são chamados a pagar no lugar dos usuários, até mesmo os
perdulários. Esses novos subsídios foram claramente desnecessários para a
democratização do consumo de energia, já que a regulação prevê tarifa social
para o consumidor de baixa renda.
O
montante de recursos necessários para manter as tarifas de energia elétrica
baixas continua a crescer, podendo atingir 70 bilhões de reais, segundo
estimativas de especialistas do setor. Além disso, gerou inestimáveis impactos
ambientais, decorrentes do uso permanente de térmicas a óleo combustível.
Estima-se que, para 2014, os subsídios ao setor de petróleo e energia elétrica
atinjam quase 1,6% do PIB.
A
gravidade da crise de curto prazo demanda a criação de um grupo de trabalho, que
atuando em conjunto com agentes do setor, busque soluções capazes de superar os
preocupantes desequilíbrios das empresas concessionárias em todos os segmentos.
Devem-se considerar soluções não só para o endividamento das distribuidoras,
que apenas serviu para adiar para os próximos anos reajustes tarifários
elevadíssimos, mas também para o impacto do risco hidrológico sobre geradoras e
para as indenizações pendentes das empresas que aderiram à renovação de
concessão (geradoras e transmissoras). A situação da Eletrobras é igualmente
preocupante, dado que a empresa vem acumulando prejuízos elevados e está
sobrevivendo por conta de empréstimos de bancos públicos.
A
retomada do planejamento do setor energético colocaria o país novamente na rota
da autossuficiência energética, não só em petróleo. Além da camada pré-sal, o
Brasil possui um elevado potencial de geração de energia hidroelétrica,
sobretudo na região Norte, com mais da metade do potencial remanescente. As
reservas de gás natural inexploradas encontram-se, em sua maioria, na região
Sudeste e Norte. O potencial eólico localiza-se, sobretudo, na região Nordeste
e na Sul, onde os ventos são mais intensos e regulares. A produção de biomassa
se concentra na região Sudeste, Centro Oeste e em parte do Nordeste, podendo
ser ampliado, ao passo que o carvão mineral nacional tem seu maior potencial na
região Sul. A agenda de reformas deve incluir, portanto, a possibilidade de
realização de leilões regionais e por fontes.
Apesar
dessas enormes potencialidades, atualmente importamos gasolina, diesel, gás
natural e até etanol. A autossuficiência é importante tanto do ponto de vista
da segurança do abastecimento quanto com relação à solvência das contas
externas, trazendo, ainda, a soberania nacional na questão energética.
A
gestão das empresas estatais vem sendo pautada por motivações políticas, assim
como a das instituições responsáveis pela correta operação do setor energético.
Por isso, uma mudança na sua governança é essencial para desvincular sua
administração de objetivos políticos de curto prazo. Mesmo se tratando de
empresas controladas pela União, os administradores das sociedades de economia
mista devem zelar para que elas possam cumprir com a função social para a qual
foram criadas, no caso do setor energético, a expansão da oferta de energia. A
Petrobras vem sendo seguidamente prejudicada pelo fato de ter como presidente
de seu conselho de administração o Ministro da Fazenda. A atuação do ministro
no Conselho da petrolífera tem impedido a introdução de qualquer mecanismo de
realinhamento de preços relativos, num claro conflito de interesses. A
Eletrobras perdeu metade de seu valor por ter aderido à proposta de renovação
de concessões, que não remunera corretamente os investimentos da empresa. Do
mesmo modo, o presidente do conselho o grupo estatal de eletricidade é o
próprio Ministro de Minas e Energia, que assinou a MP 579, e que impôs à
empresa enormes prejuízos. O voto do controlador foi questionado pelos
minoritários e vem encontrando apoio na CVM.
É fundamental
o restabelecimento da autonomia das agências reguladoras, cuja atual falta
afeta o setor e uma maior harmonia na sua atuação. A ANP, ANEEL e ANA devem em
conjunto garantir a segurança energética de forma sustentável, com gestão
eficiente do uso da água e de nossos recursos naturais e energéticos. Os órgãos
ambientais devem participar do planejamento setorial para evitar insegurança
jurídica, atrasos e elevação de custos na etapa de implantação de
empreendimentos, contribuindo para modicidade tarifária e segurança energética.
As
Agências Reguladoras e sua eficácia, como órgãos de Estado e não como
instrumentos de política de Governo, são cruciais na definição de princípios
importantes para o equilíbrio entre os direitos e deveres dos concessionários, do
poder concedente e dos usuários do serviço. Para tal, será preciso aprimorar os
mecanismos de indicação de diretores por parte do Executivo, impedindo a
captura política das agências. Da mesma forma, é necessário rever e fortalecer
a governança regulatória do setor, hoje distribuída em várias instituições que
não cumprem as funções para as quais foram criadas. Também, mecanismos de
auditoria e controle da sociedade devem ser introduzidos para evitar que os
erros de planejamento se perpetuem, tonando o monitoramento da operação do
sistema mais transparente.
Considera-se
fundamental, também, a imposição de maior previsibilidade na formação de
preços, com a incorporação de mecanismos de mercado. Para tanto, é preciso
fortalecer e ampliar o mercado livre de energia e atribuir competitividade ao
segmento de gás natural, hoje dominado por um monopólio, de fato, da Petrobras.
O
atual processo de judicialização das decisões normativas, originadas nas
instituições responsáveis pelo planejamento e regulação no setor de energia,
mostra que não está havendo diálogo, prevalecendo o autoritarismo, o que faz
com que a conciliação não seja bem sucedida. A solução de conflitos
regulatórios e de direito econômico estão sendo transferidos para o arbítrio da
Justiça, causando insegurança jurídica nos negócios e afastando investidores.
Seria preciso restabelecer as competências dos Ministérios setoriais, que devem
ser responsáveis pelas políticas, diretrizes, planejamento e plano de outorgas,
enquanto as Agências se encarregam da operacionalização de licitações,
celebração de contratos de concessão e fiscalização do setor. O fortalecimento
institucional, com o fim da intervenção política e a imposição de objetivos
políticos de curto prazo, é pré-condição para a retomada do bom funcionamento
do setor, com uma política de preços transparente e evidente capacidade de
planejamento e gestão. Consequentemente, haverá equilíbrio entre os objetivos
de modicidade tarifária, segurança energética e sustentabilidade.
Em
resumo, a sugestão para uma agenda de reformas para o próximo governo deveria,
em nossa opinião, seguir as diretrizes gerais, não exaustivas e nem
segmentadas, abaixo relacionadas. É evidente que cada segmento e cada fonte
demandam detalhamentos próprios.
•
Fortalecer o tripé Planejamento, Gestão e Regulação, reduzindo a intervenção
excessiva do Estado no curto prazo.
• Programas de
eficiência energética e conservação de energia em todos os setores. Introduzir
mecanismos de administração da demanda pelos consumidores, livres ou cativos.
• Melhorar a governança
das empresas estatais e instituições setoriais responsáveis pelo tripé,
evitando sua captura política. Aprimorar os mecanismos de escolha de
dirigentes, controle externo e auditoria no planejamento e operação do sistema,
dando transparência às decisões de seus órgãos colegiados.
• Eliminar a
insegurança jurídica causada pela MP 579, sobre remuneração de investimentos e
pagamento de indenizações. Colocar para consulta pública as regras para
renovação das concessões das distribuidoras e de autoprodução.
• Promover mecanismo de
profissionalização das empresas estatais, Petrobras e Eletrobras, de forma a
implantar contrato de gestão atrelado a metas operacionais e financeiras e
estabelecendo níveis de excelência em matéria de Governança. Rever critérios
para participação de membros do Executivo e Legislativo em seus Conselhos de
Administração de forma evitar o uso político dessas empresas e potenciais
conflitos de interesse.
• Valorizar a
diversidade de fontes e características regionais na matriz energética
brasileira, buscando equilibrar a busca de autossuficiência com
sustentabilidade. Incorporar órgãos ambientais no planejamento para evitar
insegurança jurídica após os leilões, a elevação dos custos de implantação e
riscos de abastecimento.
• Promover e assegurar
mais transparência e previsibilidade na formação de preços e tarifas.
Aprofundar os mecanismos de mercado, buscar eficiência na operação do sistema e
ampliar o mercado livre de energia.
• Garantir segurança
energética, com modicidade tarifária[2] e equilíbrio das contas públicas.
• Política de preços
relativos que reflitam as características de cada fonte de energia e a situação
de mercado. Dar previsibilidade aos investidores de cada fonte, eliminando o stop-and-go na política energética,
que caracteriza os anos recentes, a exemplo do que ocorreu com o programa do etanol.
• Repensar o papel da
Petrobras no setor de gás natural. Atualmente, a empresa tem presença
verticalizada nesse setor, sendo responsável pela produção, importação,
transporte, propriedade dos dutos e, até mesmo, distribuição. Tal fato vem
restringindo a competição no setor e limitando a expansão das térmicas a gás.
• Realização de leilões
voltados às fontes renováveis descentralizadas como PCHs, biomassa, eólica e
solar, com a fixação de aquisição de um percentual significativo do crescimento
projetado do mercado.
• Conferir maior
importância ao mercado livre de energia elétrica, por meio da revisão da
metodologia do PLD, tornando-o mais estável e previsível, além de viabilizar a
participação dos agentes do mercado livre nos leilões oficiais de comercialização
de energia, hoje exclusivo ao mercado cativo. Da mesma forma, eliminar qualquer
discriminação à participação dos autoprodutores nos leilões.
• Estabelecer um debate
entre especialistas do setor elétrico, acadêmicos e sociedade em relação ao
tipo de construção das usinas hidroelétricas no país. Avaliar corretamente a
complementariedade entre reservatórios, fontes intermitentes e usinas térmicas
para a definição ex-ante de uma
matriz compatível com uma economia de baixo carbono e segurança energética.
• Planejamento
energético co-participativo com estados da federação, estimulando a uso
eficiente de recursos regionais.
• Definição de
calendário realista para os leilões de petróleo e energia elétrica, a partir do
qual deve ser exigida a pontualidade na execução dos investimentos e a
qualidade dos serviços.
• Melhorar gestão na
implantação de empreendimentos. Instituições do setor devem exigir e garantir a
qualidade e pontualidade nos investimentos. Em contrapartida, o governo e as
agências devem atuar para garantir a obtenção de licenças ambientais e o
respeito aos contratos, aumentando a segurança jurídica dos empreendimentos.
• Instalação de um
fórum de discussões para solucionar crise econômica financeira atual, sem o
qual não há ambiente para a retomada de investimentos necessários. (visoesdosetoreletrico)
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