sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A diferença do biodiesel para a saúde

Quase ninguém discorda que o uso de biodiesel melhora a qualidade do ar nas cidades brasileiras e que isso rende benéficos – inclusive financeiros – em termos de saúde pública. Contudo, ninguém tinha mensurado qual seria a dimensão desses benefícios. Pelo menos, até agora. Apresentar alguns dos estudos que a academia vem desenvolvendo nesse sentido foi o mote do 4º painel da Conferência BiodieselBR 2015 que reuniu o médico patologista da USP, Paulo Saldiva, e o professor da UFRJ e consultor da Ubrabio, Donato Aranda.
Nos pulmões de todo paulistano, segundo Saldiva, há acúmulos e material particulado – um tipo de “poeira” muito fininha formado por um núcleo de grafite embebido em substâncias perigosas para a saúde como metais e hidrocarbonetos. É como se cada morador da cidade de São Paulo, querendo ou não, fumasse 3 ou 4 cigarros por dia. Sendo que quem vive perto de corredores com tráfego mais intenso ou precisa fazer deslocamentos muito demorados todos os dias sofre um impacto ainda maior por passar mais tempo exposto aos poluentes. “Sendo que o fumante tem escolha de quanto fumar, mas, no caso da poluição, eu não tenho escolha”, ironiza.
“Se [em São Paulo] a gente tivesse os níveis de poluição de Curitiba, por exemplo, a expectativa de vida do paulistano aumentaria, em média, em três anos e meio”, anunciou o médico. Do ponto de vista de saúde pública, reduzir a poluição teria o dobro de impacto de banir completamente o cigarro da cidade de São Paulo. “Esse é o tamanho do impacto potencial que o biodiesel poderia ter”, complemento. E se engana quem pensa que essa seja uma preocupação exclusiva dos paulistanos. “São raras as cidades brasileiras que têm um ar compatível com as normas da Organização Mundial de Saúde”, preocupa-se o patologista.
As vantagens não estão restritas à saúde pública como lembra o Donato Aranda. Segundo o engenheiro químico, a produção de biodiesel já ultrapassa a marca de 20 bilhões de litros o que equivale a 38 milhões de toneladas em emissões de gás carbônico evitadas. “Se, ao invés de fazer biodiesel, a gente tivesse plantado árvores, precisaríamos de dois milhões de hectares. É a área do estado de Sergipe”, estima.
Na ponta do lápis
O nó central para mudarmos essa realidade, segundo Saldiva, passa pelo fato de que as decisões políticas sobre energias renováveis são tomadas com base numa conta que está pela metade. “Não podemos levar em conta apenas o custo [extra que pagamos] para cada quilômetro rodado, temos que levar em conta, também, o custo que pagamos para manter as coisas como estão hoje”, explica. “Temos que levar em conta as externalidades”, resume.
E essas “externalidades” podem ser realmente impressionantes. Saldiva conta a história de Dublin onde os moradores resistiram durante anos a abandonar o uso de carvão mineral no aquecimento de suas residências pelo fato dele ser a opção mais barata. Até que, em 1990, ele foi banido pela prefeitura da capital irlandesa baniu o combustível; o que se descobriu foi que para cada euro gasto para limpar a matriz energética o poder público evitava o gasto de € 8 em saúde pública. “Todo mundo sabia quanto custaria para mudar, mas ninguém tinha ideia de quanto já estava pagando para manter uma matriz suja. Subsidiar uma matriz energética com saúde e vida é mal negócio”, resume.
Efeito do biodiesel
“Acho pouco justificável falar em dinheiro quando se fala em vida e saúde, mas é importante saber para entendermos como [o biodiesel é] uma ferramenta de política pública”, explica Saldiva que é patrono do Instituto Saúde e Sustentabilidade que há poucos meses publicou um estudo no qual mediu as vantagens do biodiesel na saúde pública de algumas das maiores cidades brasileiras.
Não é um impacto pequeno. A implantação do B7 no ano passado evitou cerca de 1.200 mortes e 3.750 internações hospitalares a um custo de R$ 250,1 milhões entre 2015 e 2025. Se avançássemos para B20 sem demora, essa economia ultrapassaria a marca dos R$ 1,5 bilhão com menos 7.320 óbitos e 23.000 internações. “E isso porque estamos contando só quem morreu ou precisou ser internado, não quem ficou doente em casa”, aponta.
NOx
No entanto, o biodiesel tem suas falhas. É um fato bem conhecido que ele aumenta as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) uma família de substâncias que é uma das principais precursoras do ozônio de baixa altitude. Uma característica que Donato Aranda apontou como o “calcanhar de Aquiles do biodiesel”. “Em qualquer evento em que você esteja falando das vantagens do biodiesel, vai ter sempre alguém que vai levantar a mão e falar ‘mas e o NOx?’”, brincou o pesquisador.
Em primeiro lugar, a relação entre a mistura e as emissões de NOx não é tão rígida quanto se pensa. “Tem artigos [científicos] que dizem que misturas até B20 podem até reduzir as emissões de NOx. Mas se formos acima do B20, aí, realmente, tem uma tendência clara de aumento”, especifica. Acontece que a atmosfera não um sistema químico nada banal. “Na troposfera há centenas de compostos químicos realizando milhares de reações simultaneamente”, prossegue o pesquisador.
Por conta dessa complexidade toda que a relação entre NOx e ozônio de baixa altitude não é linear como se poderia imaginar. Isso porque outra classe de substâncias chamadas compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês) emitidas pela queima do etanol e do GNV também são precursores do ozônio. “No Brasil, os VOCs são mais importantes do que o NOx para o problema”, afirma Aranda.
E é aí que as coisas ficam interessante porque os VOCs e o NOx também reagem entre si e se anulam mutuamente. Então, nas condições certas, ter mais NOx no ar pode ser até uma boa ideia.
Agir de forma criativa e com a informação científica mais completa em mãos é a mensagem final do painel. “Se você fizer uma política de melhorar a qualidade do combustível, você ganha sem perceber. Seria uma economia criativa”, finaliza Saldiva. (biodieselbr)

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