Quase ninguém discorda que o uso de biodiesel
melhora a qualidade do ar nas cidades brasileiras e que isso rende benéficos –
inclusive financeiros – em termos de saúde pública. Contudo, ninguém tinha
mensurado qual seria a dimensão desses benefícios. Pelo menos, até agora.
Apresentar alguns dos estudos que a academia vem desenvolvendo nesse sentido
foi o mote do 4º painel da Conferência BiodieselBR 2015 que reuniu o médico
patologista da USP, Paulo Saldiva, e o professor da UFRJ e consultor da
Ubrabio, Donato Aranda.
Nos pulmões de todo paulistano, segundo Saldiva, há
acúmulos e material particulado – um tipo de “poeira” muito fininha formado por
um núcleo de grafite embebido em substâncias perigosas para a saúde como metais
e hidrocarbonetos. É como se cada morador da cidade de São Paulo, querendo ou
não, fumasse 3 ou 4 cigarros por dia. Sendo que quem vive perto de corredores
com tráfego mais intenso ou precisa fazer deslocamentos muito demorados todos
os dias sofre um impacto ainda maior por passar mais tempo exposto aos
poluentes. “Sendo que o fumante tem escolha de quanto fumar, mas, no caso da
poluição, eu não tenho escolha”, ironiza.
“Se [em São Paulo] a gente tivesse os níveis de
poluição de Curitiba, por exemplo, a expectativa de vida do paulistano
aumentaria, em média, em três anos e meio”, anunciou o médico. Do ponto de
vista de saúde pública, reduzir a poluição teria o dobro de impacto de banir
completamente o cigarro da cidade de São Paulo. “Esse é o tamanho do impacto
potencial que o biodiesel poderia ter”, complemento. E se engana quem pensa que
essa seja uma preocupação exclusiva dos paulistanos. “São raras as cidades
brasileiras que têm um ar compatível com as normas da Organização Mundial de
Saúde”, preocupa-se o patologista.
As vantagens não estão restritas à saúde pública
como lembra o Donato Aranda. Segundo o engenheiro químico, a produção de
biodiesel já ultrapassa a marca de 20 bilhões de litros o que equivale a 38
milhões de toneladas em emissões de gás carbônico evitadas. “Se, ao invés de
fazer biodiesel, a gente tivesse plantado árvores, precisaríamos de dois
milhões de hectares. É a área do estado de Sergipe”, estima.
Na ponta do lápis
O nó central para mudarmos essa realidade, segundo
Saldiva, passa pelo fato de que as decisões políticas sobre energias renováveis
são tomadas com base numa conta que está pela metade. “Não podemos levar em
conta apenas o custo [extra que pagamos] para cada quilômetro rodado, temos que
levar em conta, também, o custo que pagamos para manter as coisas como estão
hoje”, explica. “Temos que levar em conta as externalidades”, resume.
E essas “externalidades” podem ser realmente
impressionantes. Saldiva conta a história de Dublin onde os moradores
resistiram durante anos a abandonar o uso de carvão mineral no aquecimento de
suas residências pelo fato dele ser a opção mais barata. Até que, em 1990, ele
foi banido pela prefeitura da capital irlandesa baniu o combustível; o que se
descobriu foi que para cada euro gasto para limpar a matriz energética o poder
público evitava o gasto de € 8 em saúde pública. “Todo mundo sabia quanto
custaria para mudar, mas ninguém tinha ideia de quanto já estava pagando para
manter uma matriz suja. Subsidiar uma matriz energética com saúde e vida é mal
negócio”, resume.
Efeito do biodiesel
“Acho pouco justificável falar em dinheiro quando
se fala em vida e saúde, mas é importante saber para entendermos como [o
biodiesel é] uma ferramenta de política pública”, explica Saldiva que é patrono
do Instituto Saúde e Sustentabilidade que há poucos meses publicou um estudo no qual mediu as
vantagens do biodiesel na saúde pública de algumas das maiores cidades
brasileiras.
Não é um impacto pequeno. A implantação do B7 no
ano passado evitou cerca de 1.200 mortes e 3.750 internações hospitalares a um
custo de R$ 250,1 milhões entre 2015 e 2025. Se avançássemos para B20 sem
demora, essa economia ultrapassaria a marca dos R$ 1,5 bilhão com menos 7.320
óbitos e 23.000 internações. “E isso porque estamos contando só quem morreu ou
precisou ser internado, não quem ficou doente em casa”, aponta.
NOx
No entanto, o biodiesel tem suas falhas. É um fato
bem conhecido que ele aumenta as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) uma
família de substâncias que é uma das principais precursoras do ozônio de baixa
altitude. Uma característica que Donato Aranda apontou como o “calcanhar de
Aquiles do biodiesel”. “Em qualquer evento em que você esteja falando das
vantagens do biodiesel, vai ter sempre alguém que vai levantar a mão e falar
‘mas e o NOx?’”, brincou o pesquisador.
Em primeiro lugar, a relação entre a mistura e as
emissões de NOx não é tão rígida quanto se pensa. “Tem artigos [científicos]
que dizem que misturas até B20 podem até reduzir as emissões de NOx. Mas se
formos acima do B20, aí, realmente, tem uma tendência clara de aumento”,
especifica. Acontece que a atmosfera não um sistema químico nada banal. “Na
troposfera há centenas de compostos químicos realizando milhares de reações
simultaneamente”, prossegue o pesquisador.
Por conta dessa complexidade toda que a relação
entre NOx e ozônio de baixa altitude não é linear como se poderia imaginar.
Isso porque outra classe de substâncias chamadas compostos orgânicos voláteis
(VOCs, na sigla em inglês) emitidas pela queima do etanol e do GNV também são
precursores do ozônio. “No Brasil, os VOCs são mais importantes do que o NOx
para o problema”, afirma Aranda.
E é aí que as coisas ficam interessante porque os
VOCs e o NOx também reagem entre si e se anulam mutuamente. Então, nas
condições certas, ter mais NOx no ar pode ser até uma boa ideia.
Agir de forma criativa e com a informação
científica mais completa em mãos é a mensagem final do painel. “Se você fizer
uma política de melhorar a qualidade do combustível, você ganha sem perceber.
Seria uma economia criativa”, finaliza Saldiva. (biodieselbr)
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