Aos poucos, o Brasil avança no processo de
transformação das redes elétricas. As distribuidoras estão instalando relés
eletrônicos, substituindo medidores de energia, implantando sistemas de
telecomunicações, automatizando subestações, testando tecnologias e monitorando
os resultados dos projetos pilotos. Trata-se de uma mudança inevitável e
necessária para se adequar as cidades do futuro, onde os consumidores estarão
no centro das transformações.
De acordo com Sidney Simonaggio, vice-presidente de
Operações da Distribuição da AES Eletropaulo (SP), uma rede elétrica
inteligente é aquela que pode ser supervisionada e telecomandada pelos centros
de operações das concessionárias; possui equipamentos que dão automação para
que o sistema seja reestabelecido remotamente; permite que os defeitos sejam
localizados sem a necessidade de uma equipe percorrendo os cabos elétricos.
O executivo informou que a Eletropaulo instalou 3 mil
religadores eletrônicos e acabou de concluir a licitação para instalar mais 3
mil. A empresa também substituiu os relês eletromecânicos por relês digitais e
instalou 10 mil seccionadores eletrônicos. Atualmente, todas as subestações da
Eletropaulo são telecomandadas. "Isso é o preparo de uma rede inteligente.
A Eletropaulo tem uma rede inteligente, que está repleta de telecomando",
disse durante reunião com investidores em São Paulo.
A distribuidora paulista executa um dos maiores
projeto de smart grid do país. Mais de R$ 70 milhões estão sendo investidos
para transformar Barueri no primeiro município em região metropolitana do
Brasil a ter rede inteligente de distribuição de energia até 2017. O projeto
prevê inicialmente a regularização e a instalação de medidores inteligentes que
contemplará 60 mil clientes, beneficiando cerca de 250 mil habitantes.
"As coisas no Brasil no tocante a redes
inteligentes estão avançando. É um avanço silencioso, não organizado, mas todas
as empresas estão estudando projetos nessa área, em maior ou em menor
grau", disse Cyro Vicente Bocuzzi, presidente do Fórum Latino Americano de
Smart Grid. Segundo Bocuzzi, os investimentos em redes inteligentes no Brasil
somam mais de R$ 4 bilhões entre 1998 e 2013.
"Muitas empresas estão fazendo esses
investimentos - não só em projetos de P&D, mas também preparando
plataformas de tecnologias da informação para que esses novos sistemas possam
ser integrados de uma forma melhor", completou o especialista, que também
é diretor da Divisão de Energia do Departamento de Infraestrutura da Federação
das Indústrias de São Paulo.
Uma substituição em massa das redes elétricas ainda
não é possível devido aos elevados custos de investimento. Porém, as
distribuidoras estão começando por onde terão algum retorno no curto prazo. Por
exemplo, instalando medidores inteligentes em grandes consumidores para reduzir
perdas comerciais e custos operacionais. A Light, concessionária carioca,
também tem utilizado a medição inteligente em áreas de risco no Rio de Janeiro
com o objetivo de amenizar as perdas financeiras causadas pelos furtos de
energia.
As regulamentações de medidores inteligentes e da
geração distribuída, entre outras ações em andamento, contribuem para o avanço
da agenda. A expectativa agora gira em torno das licitações para modernização e
gestão da iluminação pública de algumas capitais do país, como São Paulo (SP),
Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG). Estão previstos projetos que contemplam
luminárias a LED, que utilizam 50% menos energia, além de soluções de tele
gestão: uma combinação de software e hardware que possibilita o controle das
luminárias, a coleta e o processamento de dados remotamente e em tempo real por
meio de redes sem fio.
"O mercado de smart grids deverá se aquecer com a
iluminação pública. Essa conectividade que a gestão da iluminação proporcionará
as cidades também poderá agregar vários outros serviços para a sociedade",
disse Álvaro Dias Jr, diretor presidente da SmartGreen.
Com
mais de 700 mil pontos de iluminação, o projeto da capital paulista é
considerado o maior do mundo. A licitação deve ser concluída no início de 2016.
O vencedor leva um contrato de 20 anos, estimado em mais de R$ 7 bilhões.
"Em um projeto de iluminação pública dessa magnitude, a única forma de ter
ganhado de escala e ter capacidade operacional, gerencial e de expansão de uma
rede como São Paulo é com smart grid. É muito difícil falar em projetos de
iluminação pública que não utilizem fortemente conceitos de smart grids",
comentou Antônio de Arimateia, gerente de desenvolvimento de negócios da Sonda
Utilities, divisão de soluções para os setores de energia, saneamento e gás.
Cálculos da General Electric apontam que a
substituição de todo o sistema de iluminação pública do Brasil por LED
resultaria na economia de 98 TWh por ano, o equivalente ao consumo anual de
duas cidades como Belo Horizonte. De olho nesse mercado, a GE já anunciou que
vai instalar uma fábrica de luminárias no Brasil para atender a demanda que
será gerada pela modernização da iluminação pública no país.
A Resolução Normativa nº 414/2010 da Aneel, de 09/09/2010, dispôs que as distribuidoras que ainda estivessem operando e mantendo ativos de iluminação pública deveriam transferir estes ativos (luminárias, lâmpadas, relés e reatores) às prefeituras. Após duas prorrogações, em 31/1/2014 e 31/12/2014, o prazo limite para a transferência encerrou-se no fim de 2014.
A Resolução Normativa nº 414/2010 da Aneel, de 09/09/2010, dispôs que as distribuidoras que ainda estivessem operando e mantendo ativos de iluminação pública deveriam transferir estes ativos (luminárias, lâmpadas, relés e reatores) às prefeituras. Após duas prorrogações, em 31/1/2014 e 31/12/2014, o prazo limite para a transferência encerrou-se no fim de 2014.
Segundo o último balanço da agência, dos 5.564
municípios brasileiros, 91,7% já assumiram os ativos de iluminação pública
(IP), restando, portanto, 457 (8,3%). Com a transferência dos ativos de
iluminação pública, a agência busca atender a Constituição Federal (CF) de
1988. A Constituição definiu que a iluminação pública é de responsabilidade do
município, possibilitando a instituição da Contribuição de Iluminação Pública
(CIP), que por sua vez, pode ser arrecadada por meio da fatura de energia
elétrica. Porém, como muitos municípios não tem condições de administrar esse
serviço, essas prefeituras estão terceirizando essa operação por meio de
licitações públicas.
Geração distribuída
A geração de energia pelo consumidor é outro fenômeno
que exigirá uma grande mudança nas redes elétricas. As concessionárias
precisarão acompanhar e gerenciar milhares de pequenos pontos de produção de
energia espalhados por várias regiões. Para que tudo isso seja possível, só
lançando mão de tecnologias capazes de coletar e transferir dados em tempo
real. A Resolução Normativa nº 482/2012 é a regra que estabelece as condições
gerais para o acesso de micro e minigeração aos sistemas de distribuição de
energia elétrica e cria o sistema de compensação de energia elétrica, onde o
consumidor instala pequenos geradores e troca energia com a distribuidora
local.
Hoje no Brasil existem mais de 1.200 consumidores
gerando sua própria energia, sendo 96% com a fonte solar fotovoltaica. A
Aneel estima que até 2024 cerca de 1,2 milhão de unidades consumidoras passarão
a produzir sua própria energia, totalizando 4,5 GW de potência instalada. O
governo lançou este ano um programa de incentivo a geração distribuída, que
deve impulsionar ainda mais a modalidade.
"Essas tecnologias estão avançando a passos
largos e estão ganhando uma escala mundial fabulosa. Os preços estão ficando
competitivos. Nos Estados Unidos, há uma projeção de que vai ser tão barato
produzir energia solar em pequena escala que qualquer outra fonte de
combustível", disse Bocuzzi. "Diferentemente das outras
transformações que aconteceram das empresas para o mercado, essas tecnologias
de redes inteligentes vêm de baixo para cima. Os clientes começam a instalar as
placas fotovoltaicas porque a tarifa está cara ou porque o serviço não está
bom. O consumidor acaba pressionando as mudanças nas empresas e nos
reguladores."
Segundo Bocuzzi, há um debate mundial em relação a
mudança do modelo de negócios do setor de energia. Toda a indústria foi criada
dentro de uma lógica de escala, consumo, investimentos e tarifas crescentes.
Contudo, com as tecnologias de microgeração e de eficiência energética, as
empresas começam a ver riscos de redução de seus mercados em termos de volume
de energia consumido na rede. "As empresas começam a ver um mercado
estagnado e até mesmo decrescente. Esse modelo está mudando e o novo papel das
empresas tem sido discutido mundialmente", disse.
O maior benefício que o conceito de smart grid pode
trazer para o segmento de distribuição é a redução dos custos operacionais.
Porém, para que as empresas possam investir pesado nessas novas tecnologias, é
preciso que haja uma regulação clara, que permita o reconhecimento desses
investimentos na tarifa. "A dificuldade que se tem é custo. Porque quando
você olha qualquer outro impacto é positivo. O governo precisa discutir isso
com mais afinco. Tem que ter um apoio do governo senão a conta não fecha. A
gente já tem aumentos consideráveis na tarifa, se implantarmos projetos dessa
monta e tiver que repassar para a tarifa, ela ficará muito salgada",
ponderou Antônio Arimatéia, gerente da Sonda Utilities.
Indústria
Levantamento feito pela Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI) concluiu que a indústria nacional já
demonstra interesse e capacidade para o desenvolvimento de novos produtos de
tecnologia da informação e de redes inteligentes, sendo que as principais
iniciativas e investimentos no país são ainda realizadas pelas concessionárias
de energia elétrica, por meio dos projetos pilotos financiados com recursos do
programa de P&D da Aneel e de iniciativas próprias.
A ABDI identificou que 62 distribuidoras no país estão
investindo em smart grid. Desde 2008 até 2013, foram identificados 273 projetos
de pequeno, médios e grande porte, sempre financiado com recursos do programa
de P&D da Aneel. No total, são R$ 1,09 bilhão estão sendo investidos.
Destaque para os projetos da Eletrobras Amazonas Energia (AM), Coelce (CE),
Celpe (PE), Cemig (MG), Ampla (RJ), Light (RJ), EDP (SP), AES Eletropaulo (SP),
Copel (PR), CPFL Energia (SP) e Elektro (SP). Além disso, por meio de programa
"Inova Energia", outros R$ 3 bilhões estão sendo destinados a
pesquisas de tecnologias para redes inteligentes.
A ABDI identificou também 300 fornecedores de
tecnológicas de informação e comunicação para smart grid no Brasil, sendo que
67% das empresas estão localizadas na região Sudeste. Há também 126 centros
pesquisando tecnologias para redes inteligentes. Os dados fazem parte de um
mapeado da indústria nacional de smart grid.
De acordo com Maria Luisa Campos Machado Leal,
diretora de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da ABDI, há dois anos a
associação está mapeando a indústria fornecedora de tecnologia e de
telecomunicação para redes elétricas inteligentes. Foram consideradas de
domínio tecnológico as áreas de Infraestrutura de Medição Avançada e Medição
Inteligente, Automação da Distribuição e Automação da Subestação, Despacho de
Serviço Móvel e Gestão da Operação/Comercial (software), onde há indicadores de
produção nacional superiores a 60%.
No entanto, alguns entraves foram encontrados no
mapeamento: a regulação atual não reconhece investimentos em ativos de
tecnologias de informação e comunicação, impossibilitando investimentos
expressivos em redes inteligentes. "Esse reconhecimento de ativo,
principalmente os ativos de telecomunicações e TI, são essenciais para o
desenvolvimento de um mercado interno de redes elétricas inteligentes no Brasil",
destacou o estudo.
Há ainda gargalos de mão de obra. Os entrevistados
também apontaram que o período de certificação dos equipamentos pelo Inmetro
retarda o lançamento de novos produtos, principalmente de medidores
inteligentes. Há necessidade de maiores investimentos na área de segurança
cibernética, bem como há dificuldades com os serviços de Telecom, pois são
muito caros e não atendem aos requisitos de disponibilidade e segurança
exigidos. Por fim, foi identificada a necessidade da criação de uma política
permanente de incentivo ao investimento em redes inteligentes pelo governo
federal, que represente um cenário de maior segurança para as empresas.
A ABDI sugeriu a criação urgente de um Catálogo
Nacional da Indústria Fornecedora apara Redes Inteligentes e Cidades
Inteligentes. Entre as ações prioritárias, está a criação de uma política
industrial, impostos diferenciados para incentivar a implantação das redes
inteligentes; revisão do modelo regulatório, de modo a permitir que as empresas
concessionárias de energia possam ter seus investimentos em ativos de Telecom e
TI reconhecidos; investimentos em adaptação das instituições de ensino; bem
como investir na capacitação de laboratórios de homologação e certificação de
produtos.
“Temos que identificar as oportunidades e criar
condições para que nossa indústria se desenvolva sem atrasar as mudanças que
ocorrerão com os smart grids”, declarou Maria Leal. "Você pode avançar nas
redes inteligentes no Brasil e ser tudo importado, e é isso que a gente não quer.
A gente quer que a nossa indústria esteja preparada para isso", completou.
“Os smart grids terão grande repercussão nas cidades.
Iremos tratar de cidades inteligentes e temos que estar atentos às novas
demandas de fornecimento de serviços básicos, energia, água, mobilidade urbana.
Essa discussão vai além das redes inteligentes, elas também envolvem as cidades
inteligentes”, disse o diretor de Desenvolvimento Produtivo da ABDI, Miguel
Nery.
Bocuzzi informou que está sendo discutida uma política
pública com o objetivo de realizar uma ação organizada, planejada, para que o
Brasil seja um provedor de tecnologias de redes inteligentes. "Existe toda
uma articulação e um interesse de se criar um ambiente de regulação favorável
para que as empresas de energia comecem a implantar projetos não mais de
demonstração, mas de implantação efetiva. E também que a indústria tenha
capacidade para ser fornecedora. Existem grupos do governo e da iniciativa
privada discutindo esse ambiente", garantiu. (especial2015.canalenergia)
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