sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Redes elétricas começam a ser modernizadas no Brasil

Contudo, transformação para o conceito de smart grids ainda precisa superar desafios regulatórios e políticos.
Aos poucos, o Brasil avança no processo de transformação das redes elétricas. As distribuidoras estão instalando relés eletrônicos, substituindo medidores de energia, implantando sistemas de telecomunicações, automatizando subestações, testando tecnologias e monitorando os resultados dos projetos pilotos. Trata-se de uma mudança inevitável e necessária para se adequar as cidades do futuro, onde os consumidores estarão no centro das transformações.
De acordo com Sidney Simonaggio, vice-presidente de Operações da Distribuição da AES Eletropaulo (SP), uma rede elétrica inteligente é aquela que pode ser supervisionada e telecomandada pelos centros de operações das concessionárias; possui equipamentos que dão automação para que o sistema seja reestabelecido remotamente; permite que os defeitos sejam localizados sem a necessidade de uma equipe percorrendo os cabos elétricos.
O executivo informou que a Eletropaulo instalou 3 mil religadores eletrônicos e acabou de concluir a licitação para instalar mais 3 mil. A empresa também substituiu os relês eletromecânicos por relês digitais e instalou 10 mil seccionadores eletrônicos. Atualmente, todas as subestações da Eletropaulo são telecomandadas. "Isso é o preparo de uma rede inteligente. A Eletropaulo tem uma rede inteligente, que está repleta de telecomando", disse durante reunião com investidores em São Paulo. 
A distribuidora paulista executa um dos maiores projeto de smart grid do país. Mais de R$ 70 milhões estão sendo investidos para transformar Barueri no primeiro município em região metropolitana do Brasil a ter rede inteligente de distribuição de energia até 2017. O projeto prevê inicialmente a regularização e a instalação de medidores inteligentes que contemplará 60 mil clientes, beneficiando cerca de 250 mil habitantes.
"As coisas no Brasil no tocante a redes inteligentes estão avançando. É um avanço silencioso, não organizado, mas todas as empresas estão estudando projetos nessa área, em maior ou em menor grau", disse Cyro Vicente Bocuzzi, presidente do Fórum Latino Americano de Smart Grid. Segundo Bocuzzi, os investimentos em redes inteligentes no Brasil somam mais de R$ 4 bilhões entre 1998 e 2013.
"Muitas empresas estão fazendo esses investimentos - não só em projetos de P&D, mas também preparando plataformas de tecnologias da informação para que esses novos sistemas possam ser integrados de uma forma melhor", completou o especialista, que também é diretor da Divisão de Energia do Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias de São Paulo.
Uma substituição em massa das redes elétricas ainda não é possível devido aos elevados custos de investimento. Porém, as distribuidoras estão começando por onde terão algum retorno no curto prazo. Por exemplo, instalando medidores inteligentes em grandes consumidores para reduzir perdas comerciais e custos operacionais. A Light, concessionária carioca, também tem utilizado a medição inteligente em áreas de risco no Rio de Janeiro com o objetivo de amenizar as perdas financeiras causadas pelos furtos de energia.
As regulamentações de medidores inteligentes e da geração distribuída, entre outras ações em andamento, contribuem para o avanço da agenda. A expectativa agora gira em torno das licitações para modernização e gestão da iluminação pública de algumas capitais do país, como São Paulo (SP), Vitória (ES) e Belo Horizonte (MG). Estão previstos projetos que contemplam luminárias a LED, que utilizam 50% menos energia, além de soluções de tele gestão: uma combinação de software e hardware que possibilita o controle das luminárias, a coleta e o processamento de dados remotamente e em tempo real por meio de redes sem fio.
"O mercado de smart grids deverá se aquecer com a iluminação pública. Essa conectividade que a gestão da iluminação proporcionará as cidades também poderá agregar vários outros serviços para a sociedade", disse Álvaro Dias Jr, diretor presidente da SmartGreen.
Com mais de 700 mil pontos de iluminação, o projeto da capital paulista é considerado o maior do mundo. A licitação deve ser concluída no início de 2016. O vencedor leva um contrato de 20 anos, estimado em mais de R$ 7 bilhões. "Em um projeto de iluminação pública dessa magnitude, a única forma de ter ganhado de escala e ter capacidade operacional, gerencial e de expansão de uma rede como São Paulo é com smart grid. É muito difícil falar em projetos de iluminação pública que não utilizem fortemente conceitos de smart grids", comentou Antônio de Arimateia, gerente de desenvolvimento de negócios da Sonda Utilities, divisão de soluções para os setores de energia, saneamento e gás.
Cálculos da General Electric apontam que a substituição de todo o sistema de iluminação pública do Brasil por LED resultaria na economia de 98 TWh por ano, o equivalente ao consumo anual de duas cidades como Belo Horizonte. De olho nesse mercado, a GE já anunciou que vai instalar uma fábrica de luminárias no Brasil para atender a demanda que será gerada pela modernização da iluminação pública no país.
A Resolução Normativa nº 414/2010 da Aneel, de 09/09/2010, dispôs que as distribuidoras que ainda estivessem operando e mantendo ativos de iluminação pública deveriam transferir estes ativos (luminárias, lâmpadas, relés e reatores) às prefeituras. Após duas prorrogações, em 31/1/2014 e 31/12/2014, o prazo limite para a transferência encerrou-se no fim de 2014.
Segundo o último balanço da agência, dos 5.564 municípios brasileiros, 91,7% já assumiram os ativos de iluminação pública (IP), restando, portanto, 457 (8,3%). Com a transferência dos ativos de iluminação pública, a agência busca atender a Constituição Federal (CF) de 1988. A Constituição definiu que a iluminação pública é de responsabilidade do município, possibilitando a instituição da Contribuição de Iluminação Pública (CIP), que por sua vez, pode ser arrecadada por meio da fatura de energia elétrica. Porém, como muitos municípios não tem condições de administrar esse serviço, essas prefeituras estão terceirizando essa operação por meio de licitações públicas.
Geração distribuída
A geração de energia pelo consumidor é outro fenômeno que exigirá uma grande mudança nas redes elétricas. As concessionárias precisarão acompanhar e gerenciar milhares de pequenos pontos de produção de energia espalhados por várias regiões. Para que tudo isso seja possível, só lançando mão de tecnologias capazes de coletar e transferir dados em tempo real. A Resolução Normativa nº 482/2012 é a regra que estabelece as condições gerais para o acesso de micro e minigeração aos sistemas de distribuição de energia elétrica e cria o sistema de compensação de energia elétrica, onde o consumidor instala pequenos geradores e troca energia com a distribuidora local.
Hoje no Brasil existem mais de 1.200 consumidores gerando sua própria energia, sendo 96% com a fonte solar fotovoltaica. A Aneel estima que até 2024 cerca de 1,2 milhão de unidades consumidoras passarão a produzir sua própria energia, totalizando 4,5 GW de potência instalada. O governo lançou este ano um programa de incentivo a geração distribuída, que deve impulsionar ainda mais a modalidade.
"Essas tecnologias estão avançando a passos largos e estão ganhando uma escala mundial fabulosa. Os preços estão ficando competitivos. Nos Estados Unidos, há uma projeção de que vai ser tão barato produzir energia solar em pequena escala que qualquer outra fonte de combustível", disse Bocuzzi. "Diferentemente das outras transformações que aconteceram das empresas para o mercado, essas tecnologias de redes inteligentes vêm de baixo para cima. Os clientes começam a instalar as placas fotovoltaicas porque a tarifa está cara ou porque o serviço não está bom. O consumidor acaba pressionando as mudanças nas empresas e nos reguladores."
Segundo Bocuzzi, há um debate mundial em relação a mudança do modelo de negócios do setor de energia. Toda a indústria foi criada dentro de uma lógica de escala, consumo, investimentos e tarifas crescentes. Contudo, com as tecnologias de microgeração e de eficiência energética, as empresas começam a ver riscos de redução de seus mercados em termos de volume de energia consumido na rede. "As empresas começam a ver um mercado estagnado e até mesmo decrescente. Esse modelo está mudando e o novo papel das empresas tem sido discutido mundialmente", disse.
O maior benefício que o conceito de smart grid pode trazer para o segmento de distribuição é a redução dos custos operacionais. Porém, para que as empresas possam investir pesado nessas novas tecnologias, é preciso que haja uma regulação clara, que permita o reconhecimento desses investimentos na tarifa. "A dificuldade que se tem é custo. Porque quando você olha qualquer outro impacto é positivo. O governo precisa discutir isso com mais afinco. Tem que ter um apoio do governo senão a conta não fecha. A gente já tem aumentos consideráveis na tarifa, se implantarmos projetos dessa monta e tiver que repassar para a tarifa, ela ficará muito salgada", ponderou Antônio Arimatéia, gerente da Sonda Utilities.
Indústria
Levantamento feito pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) concluiu que a indústria nacional já demonstra interesse e capacidade para o desenvolvimento de novos produtos de tecnologia da informação e de redes inteligentes, sendo que as principais iniciativas e investimentos no país são ainda realizadas pelas concessionárias de energia elétrica, por meio dos projetos pilotos financiados com recursos do programa de P&D da Aneel e de iniciativas próprias.
A ABDI identificou que 62 distribuidoras no país estão investindo em smart grid. Desde 2008 até 2013, foram identificados 273 projetos de pequeno, médios e grande porte, sempre financiado com recursos do programa de P&D da Aneel. No total, são R$ 1,09 bilhão estão sendo investidos. Destaque para os projetos da Eletrobras Amazonas Energia (AM), Coelce (CE), Celpe (PE), Cemig (MG), Ampla (RJ), Light (RJ), EDP (SP), AES Eletropaulo (SP), Copel (PR), CPFL Energia (SP) e Elektro (SP). Além disso, por meio de programa "Inova Energia", outros R$ 3 bilhões estão sendo destinados a pesquisas de tecnologias para redes inteligentes.
A ABDI identificou também 300 fornecedores de tecnológicas de informação e comunicação para smart grid no Brasil, sendo que 67% das empresas estão localizadas na região Sudeste. Há também 126 centros pesquisando tecnologias para redes inteligentes. Os dados fazem parte de um mapeado da indústria nacional de smart grid.
De acordo com Maria Luisa Campos Machado Leal, diretora de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da ABDI, há dois anos a associação está mapeando a indústria fornecedora de tecnologia e de telecomunicação para redes elétricas inteligentes. Foram consideradas de domínio tecnológico as áreas de Infraestrutura de Medição Avançada e Medição Inteligente, Automação da Distribuição e Automação da Subestação, Despacho de Serviço Móvel e Gestão da Operação/Comercial (software), onde há indicadores de produção nacional superiores a 60%.
No entanto, alguns entraves foram encontrados no mapeamento: a regulação atual não reconhece investimentos em ativos de tecnologias de informação e comunicação, impossibilitando investimentos expressivos em redes inteligentes. "Esse reconhecimento de ativo, principalmente os ativos de telecomunicações e TI, são essenciais para o desenvolvimento de um mercado interno de redes elétricas inteligentes no Brasil", destacou o estudo.
Há ainda gargalos de mão de obra. Os entrevistados também apontaram que o período de certificação dos equipamentos pelo Inmetro retarda o lançamento de novos produtos, principalmente de medidores inteligentes. Há necessidade de maiores investimentos na área de segurança cibernética, bem como há dificuldades com os serviços de Telecom, pois são muito caros e não atendem aos requisitos de disponibilidade e segurança exigidos. Por fim, foi identificada a necessidade da criação de uma política permanente de incentivo ao investimento em redes inteligentes pelo governo federal, que represente um cenário de maior segurança para as empresas.
A ABDI sugeriu a criação urgente de um Catálogo Nacional da Indústria Fornecedora apara Redes Inteligentes e Cidades Inteligentes. Entre as ações prioritárias, está a criação de uma política industrial, impostos diferenciados para incentivar a implantação das redes inteligentes; revisão do modelo regulatório, de modo a permitir que as empresas concessionárias de energia possam ter seus investimentos em ativos de Telecom e TI reconhecidos; investimentos em adaptação das instituições de ensino; bem como investir na capacitação de laboratórios de homologação e certificação de produtos.
“Temos que identificar as oportunidades e criar condições para que nossa indústria se desenvolva sem atrasar as mudanças que ocorrerão com os smart grids”, declarou Maria Leal. "Você pode avançar nas redes inteligentes no Brasil e ser tudo importado, e é isso que a gente não quer. A gente quer que a nossa indústria esteja preparada para isso", completou.
“Os smart grids terão grande repercussão nas cidades. Iremos tratar de cidades inteligentes e temos que estar atentos às novas demandas de fornecimento de serviços básicos, energia, água, mobilidade urbana. Essa discussão vai além das redes inteligentes, elas também envolvem as cidades inteligentes”, disse o diretor de Desenvolvimento Produtivo da ABDI, Miguel Nery.
Bocuzzi informou que está sendo discutida uma política pública com o objetivo de realizar uma ação organizada, planejada, para que o Brasil seja um provedor de tecnologias de redes inteligentes. "Existe toda uma articulação e um interesse de se criar um ambiente de regulação favorável para que as empresas de energia comecem a implantar projetos não mais de demonstração, mas de implantação efetiva. E também que a indústria tenha capacidade para ser fornecedora. Existem grupos do governo e da iniciativa privada discutindo esse ambiente", garantiu. (especial2015.canalenergia)

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