Carros elétricos devem mudar o mundo: impactos dessa
revolução sobre diversos setores
A mudança iminente para veículos elétricos e digitalmente
conectados terá implicações dramáticas para o setor de transporte. Mas este é
só uma parte da revolução que afetará diversos segmentos.
Uma das principais características de sistemas
complexos, como os setores mundiais de energia e transporte, é que o processo
de transformação vivenciado por eles tende a não ser linear. Eles alternam de
um estado para o outro em um modo que tem forte analogia à mudança de fase das
substâncias, conforme estudamos nas aulas de ciências.
Uma segunda característica importante desse tipo de
mudança de fase econômica é que, quando um grande setor se transforma, o
resultado pode trazer consequências para toda a economia, gerando impactos em
escala social.
Estamos vendo esse efeito no setor elétrico neste
momento. A rápida aceitação das energias renováveis pelo sistema energético não
pode mais ser freada devido à redução de custos proporcionada pelas fontes
eólicas e solares. Elas transformaram a forma como o mercado de energia
funciona, tornando investimentos em outras fontes praticamente impossíveis;
elas alteraram o paradigma do controle da rede baseado em cargas e picos para
um de previsão e equilíbrio; elas mudaram o fluxo de investimentos, que passou
dos sistemas de energia para os fornecedores de tecnologia; elas forçaram uma
digitalização acelerada de todos os equipamentos. E elas também estão mudando a
maneira como os prédios são projetados, os funcionários do setor de construção
são treinados e as infraestruturas são financiadas.
Nós já vimos esse efeito antes – e não foi em um
passado distante. Quando os primeiros celulares apareceram, a suposição era de
que eles iriam funcionar como telefones normais, mas móveis. Entretanto, com a
redução dos custos, os usos desses aparelhos foram ampliados e eles demandaram
a digitalização da rede de telefonia, exatamente como a energia renovável está
fazendo a rede elétrica.
Três décadas depois, os celulares empurraram os
telefones fixos para as margens. O que é mais importante, no entanto, é que eles
levaram a profundas transformações no setor e, depois disso, em toda a economia
— o tipo de férias que vamos tirar, como fazemos as reservas, a presença de
lojas nas principais ruas e centros comerciais, o modo como nos movemos pela
cidade. Telefones celulares engoliram indústrias inteiras (câmeras
fotográficas, despertadores, mapas) e devem fazer o mesmo com outras (jornais
impressos, pagamentos, músicas). Nenhum setor está imune, desde o design de
móveis e o tamanho dos bolsos costurado nas peças de vestuário até a quantidade
de jantares que um restaurante planeja servir em uma única noite.
Nos últimos anos, a equipe da Bloomberg New Energy
Finance (BNEF) tem dedicado mais e mais atenção ao setor de transporte. Como
aconteceu em 2004, quando sentimos que a indústria energética e seus principais
analistas haviam falhado para entender a escala, a iminência e as implicações
da revolução da energia renovável, em 2010 começamos a sentir o mesmo com
relação aos veículos elétricos. Uma das sete tendências de longo prazo que
citamos em nosso evento daquele ano foi “A Transformação do Transporte”, a qual
ilustramos com fotografias dos veículos elétricos daquele momento – carrinhos
britânicos para transporte de leite, o Sinclair C5 e vários carros pequenos e
de aparência estranha, como o G-Wiz – seguidas por imagens dos veículos
elétricos do futuro, que se pareciam com carros normais.
Este ano, a BNEF foi a primeira grande empresa de
pesquisas do setor energético a publicar uma previsão compreensiva sobre a
penetração dos veículos elétricos no mercado de carros. O cenário principal
mostrava que, até 2040, 35% das novas vendas seriam de elétricos, com a
possibilidade desse número chegar até a 47% dentro de certas condições (preços
altos do petróleo e ampliação do uso de automóveis compartilhados).
Se algo mudou desde a publicação daquela previsão,
é que nós agora acreditamos em uma entrada ainda mais rápida nesse mercado,
mesmo com os persistentes preços baixos do petróleo. Na primeira metade deste
ano, as vendas mundiais de veículos elétricos foram de 285 mil unidades, uma
alta de 57% na comparação com 2015.
A razão do nosso otimismo com relação aos veículos
elétricos não se deve somente ao fato de que o custo das baterias está caindo
em taxas similares ao que vimos acontecer com a indústria de energia solar, com
uma redução de 65% nos últimos cinco anos. O que acontece é que os veículos
elétricos estão ultrapassando seus concorrentes a combustão interna em muitas
dimensões importantes: com uma direção mais macia e com melhor aceleração, eles
podem ser carregados em casa ou no trabalho, requerem menos manutenção, ajudam
a solucionar os problemas da qualidade do ar e aumentam a autonomia energética
de países importadores de petróleo.
Claro, eles têm um alcance limitado e demoram para
carregar, mas isso é, na prática, irrelevante para a grande maioria das
situações de uso. Mais de 40% dos carros nos Estados Unidos são de segunda mão.
Alguém pode pensar em uma boa razão para comprar um carro usado a diesel ou a
gasolina daqui a 15 anos?
Outro poderoso motivador para a ascensão dos
veículos elétricos é que eles são uma plataforma muito superior para a direção
autônoma, sistema de informação ou entretenimento para os passageiros e para
tecnologias que transformam o transporte em um serviço. De forma simples, é
possível dizer que o sistema de transporte está se digitalizando, assim como
aconteceu com os telefones e com a rede energética, e que isso trará benefícios
drásticos em termos de utilização de recursos (em outras palavras: custos),
flexibilidade, níveis de serviço e limpeza. E simplesmente não faz sentido ter
uma unidade de geração de energia análoga – que vibra, queima combustíveis
líquidos e é altamente poluidora – no coração de um veículo totalmente
digitalizado, repleto de sensores e controlado por um sólido sistema
eletrônico.
A mudança iminente para veículos elétricos e
digitalmente conectados terá implicações dramáticas para o setor de transporte.
Boa parte da atenção da mídia está focada na Tesla Motors, o novo participante
dessa corrida e que estacionou os carros elétricos de modo firme no gramado da
indústria automobilística.
A habilidade da Tesla em manter sua liderança
inicial dependerá de seu contínuo acesso a capital barato, particularmente
durante os próximos três anos, enquanto lida com a produção em escala de seu
primeiro modelo para um mercado de massa ao mesmo tempo em que enfrenta as
críticas rigorosas a respeito da tecnologia de direção autônoma. Pode ser que,
por enquanto, os principais investidores não estejam se importando muito com
quanto dinheiro a companhia está perdendo ou quão longe a empresa está de suas
metas de produção. Mas isso deve mudar com o tempo, o que explica (para quem
enxerga pela lente de confiança dos investidores) porque a aquisição da
SolarCity se parece com um risco desnecessário.
Enquanto a Tesla se aquece com a atenção, houve
pouca ou nenhuma crítica robusta com relação às estratégias de outras empresas
para os veículos elétricos. Há muita admiração para os carros-conceito, os
lançamentos de modelos elétricos e os anúncios de plantas industriais
ambiciosas. Mas quais companhias estão realmente comprometidas com os carros
elétricos e quais estão simplesmente seguindo a onda? Quais estão apostando em
veículos exclusivamente à bateria e quais estão buscando opções híbridas? Quais
ainda estão esperando que as células de combustível a hidrogênio caiam do céu?
Não dá para saber apenas acompanhando as notícias de grandes veículos.
Ao invés disso, estamos recebendo uma cobertura
ampla sobre o potencial de novos competidores no mercado de carros. A Dyson faz
um bom aspirador de pó e tem um conhecimento mundialmente reconhecido sobre
baterias e motores. Mas isso será suficiente para bater a GM, a Ford e a
Toyota? A Faraday Future apresentou um batmóvel elétrico e a imprensa
internacional adorou.
E tem a Apple. Em Abu Dhabi, fiquei na ilha Al
Maryah, recuperada do mar em 2007, mas o Apple Maps ainda mostra uma rede de
estradas no meio do mar. Se a Apple não consegue mostrar onde fica o
estacionamento do meu hotel, alguém acredita seriamente que ela pode me vender
um carro com direção autônoma? Até mesmo o Google – embora ele pareça ter
estabelecido uma posição forte nas tecnologias de inteligência artificial que
irão definir as funcionalidades dos carros – dificilmente se descobrirá
suficiente para assumir a liderança da indústria automobilística do futuro.
A notícia mais importante deste ano não é qual
executivo deixou o Google ou se juntou à Apple; talvez não seja o lançamento do
Model 3, da Tesla. Ao invés disso, podem ser os processos judiciais de US$ 15
bilhões contra a Volkswagen por conta do dieselgate, que incluíram um
comprometimento de US$ 2 bilhões para a promoção de veículos de emissão zero
nos Estados Unidos. Isso é apenas uma parcela dos US$ 11,2 bilhões que a
Volkswagen pretende gastar na próxima década com veículos elétricos – um
compromisso que, segundo as expectativas da empresa, deve resultar em um
aumento de 25% nas vendas de unidades de carros elétricos até 2025. Colocando
em contexto: isso significaria chegar a 2,5 milhões de veículos vendidos por
ano em menos de uma década; 30 vezes mais que a atual marca de 85 mil unidades
da Tesla.
É difícil prever quando uma
mudança de fase em um sistema complexo vai começar e é ainda mais difícil
estimar quando ela vai terminar. Nenhuma lista de potenciais impactos da
transformação nos transportes está completa. No entanto, uma coisa é certa:
nossas previsões sobre a ascensão dos veículos elétricos estão corretas. E
nenhum segmento da economia global deixará de ser afetado, de uma maneira ou de
outra.
A seguir, confira alguns setores que podem ser
atingidos já nos primeiros impactos:
Cadeia de fornecimentos automotivos
As empresas de carros representam a principal
espécie em um ecossistema de fornecedores de serviços e tecnologia. Todos eles
devem vivenciar uma ruptura com a mudança para os veículos elétricos e
digitais.
Os maiores beneficiários provavelmente serão os grandes
fornecedores de baterias, como Panasonic, LG Chem e Samsung, mas também haverá
muitos outros novos provedores de softwares e de sensores para rastreamento e
cyber-proteção, sem mencionar aqueles que irão fornecer a tecnologia para a
direção autônoma. Mas, à medida que o mercado para motores a combustão
encolher, aparecerão perdedores em toda essa enorme cadeia de suprimento,
incluindo fabricantes de marchas, montadores de sistemas de combustível,
fornecedores de sistemas de exaustão e catalisação e toda uma indústria
associada de suprimentos e componentes.
Traçando um paralelo: em 1904, havia 61.306 pessoas
empregadas na fabricação de vagões e carruagens nos Estados Unidos. Em 1921,
esse número havia caído para 8.025.
A indústria de químicos também será profundamente
impactada. A demanda por químicos de baterias – em particular lítio, no futuro
próximo – irá aumentar, assim como a demanda por outros metais de terras raras,
necessários para muitos motores e outros componentes elétricos modernos. O uso de
aço nos veículos elétricos irá cair, com os fabricantes buscando pela redução
do peso para contrabalancear o efeito inevitável da solidez das baterias,
motivando um uso maior de resinas, materiais compostos e aerogéis.
Redes de concessionárias e mecânicas
Não são apenas os fabricantes e os preços do
petróleo que serão afetados. A expectativa é que o número de concessionárias,
revendas e mecânicas também caiam ao longo das próximas décadas.
Os veículos elétricos terão uma menor necessidades
de manutenção, pois eles terão menos partes móveis, com apenas algumas vedações
no motor elétrico, na direção e na suspenção. As estatísticas ainda são
esparsas nesse estágio da indústria, mas parece razoável esperar que a bateria
principal dure por pelo menos 110 mil quilômetros – e ainda mais no futuro.
Muitos ajustes no sistema podem ser feitos remotamente por meio de atualizações
no software ao invés de nas mãos de um mecânico e as revisões anuais passariam
a ser principalmente sobre a troca de pneus, a substituição ocasional do pedal
de freio e a reposição do fluído para limpar o para-brisas.
Ao mesmo tempo, softwares de suporte ao motorista –
prevenção de colisões, estado de manutenção de pista, alerta de cansaço,
estacionamento sem motorista, acompanhamentos em geral e outros – também devem
reduzir o número de acidentes. Ainda que veículos completamente autômatos ainda
pareçam muito distantes, o que reduziria o número de empregos de motorista em
todo o mundo, a redução da manutenção e dos trabalhos de reparo já está acontecendo
e deve apenas ganhar velocidade.
Em relação ao varejo, a ameaça econômica do quase
fim das manutenções e reparos deve quebrar a atual racionalidade do clássico
vendedor de carros suburbano. A expectativa é que passem a existir mais
showrooms em localizações convenientes (como o centro das cidades e áreas de
grande fluxo) e lojas de usados fora das cidades.
Sistema de eletricidade
Em nossas previsões para o futuro do setor de
energia, publicadas em junho, nós estimamos que os veículos elétricos devem
acrescentar 2,7 TWh à demanda global anual por eletricidade até 2040 – ou 8% do
total – ou ainda mais, caso o segmento cresça de forma mais acelerada. Essa é
uma boa notícia para as usinas, especialmente em um período onde produtos mais
eficientes energeticamente trabalharão no sentido contrário, para reduzir a
demanda.
Mas não se trata apenas do consumo de energia: uma
grande frota ativa de veículos elétricos implica em um enorme potencial para a
relação entre demanda e capacidade de resposta. Os veículos elétricos podem ser
carregados quando o preço da energia está baixo ou quando a geração de energia
solar ou eólica está em alta. E eles também podem – assumindo que esteja em
vigor uma regulação própria para isso – descarregar a energia de volta à rede
quando a geração de eletricidade estiver baixa. Isso cria novas oportunidades
para quem oferece serviços auxiliares.
Além disso, embora o benefício para a rede
proporcionado pelas baterias de segunda mão dos veículos elétricos ainda não
seja uma realidade, ele pode ser substancial. Quando a performance da bateria
diminuir em torno de 30%, ela pode ser disponibilizada para armazenagem
estacionária. Pesquisas em andamento feitas pela equipe de transporte avançado
da BNEF sugerem que, até 2018, essas segundas vidas das baterias podem custar
aproximadamente US$ 49 por kWh redirecionado, um valor bem menor que os atuais
US$ 300 por kWh das opções disponíveis atualmente. Se isso acontecer, as
baterias irão dar um suporte adicional à economia tanto por meio de veículos
elétricos quanto de energias renováveis, acelerando a vantagem de ambos.
Para completar, também existem os mercados que não
fazem parte da rede elétrica, onde uma melhora na tecnologia das baterias
proporcionada pelos veículos elétricos poderia trazer grandes benefícios. Uma
possibilidade é a substituição dos geradores a diesel, que seriam trocados por
uma mini rede, uma opção mais limpa, silenciosa e de baixa manutenção.
Empresas produtoras e exportadoras de petróleo
O outro lado da demanda adicional por eletricidade
por causa dos veículos elétricos é, obviamente, a redução na demanda por
petróleo em uma frota que, até o momento, é totalmente dependente de
combustíveis líquidos. Em nosso cenário-base, a redução diária será de 13
milhões de barris de petróleo até 2040. Contudo, existem outras questões quando
se trata dos níveis absolutos da demanda por gasolina, incluindo o impacto do
crescimento do PIB em mercados emergentes na compra de carros, melhoras na
eficiência interna dos motores à combustão, mudanças nos modelos de transporte
e a penetração de gás natural comprimido, biocombustíveis e outros combustíveis
alternativos. Mas o que está claro é que uma rápida mudança para os veículos
elétricos, na escala em que estamos esperando, seria cruel para a demanda por
gasolina.
No mês passado, a consultoria Wood Mackenzie
relatou que a previsão de investimentos na indústria do petróleo entre 2015 e
2020 sofreu um corte de US$ 1 trilhão como consequência da queda nos preços
observada em 2014. A visão ortodoxa – certamente compartilhada pelo ministro do
petróleo da Arábia Saudita, Ali Al Naimi, no momento em que seu país decidiu
‘abrir as comportas’ – é que o preço do petróleo inevitavelmente voltará a
subir em seu próprio tempo, especialmente à medida em que o crescimento da
demanda absorva a capacidade excedente sem que surjam novos fornecimentos. Mas
um rápido crescimento dos veículos elétricos, como o previsto pela BNEF, faz
com que esse quadro se torne bem menos provável.
O fato é que, agora, existe uma nova tecnologia em
escala competitiva para concorrer com os veículos a combustão interna. Isso
significa que há uma limitação para os preços do petróleo no longo prazo – que
atualmente está em torno de US$ 80 por barril, mas que deve cair rapidamente.
Esqueça a ideia de “preços baixos por mais tempo”, pois existe a possibilidade
de que eles se tornem “preços baixos para sempre”. Isso levaria a muitos
prejuízos para as companhias internacionais de petróleo e os fornecedores de
serviços no setor. A Venezuela dificilmente será a última nação produtora de
petróleo a pedir por um resgate internacional.
Infraestrutura de estradas e pontos de carregamento
O aumento no número de veículos elétricos deve ser,
obviamente, acompanhado por uma melhora na infraestrutura para carregamento.
Será algo similar ao surgimento de empresas provedoras de internet nos
primeiros anos da popularização da tecnologia. Boa parte do foco de atenção
está atualmente no carregamento nas ruas, mas o fato é que o dono médio do
carro elétrico irá esperar que seja possível carregar seu carro na rua, em
casa, no trabalho, no centro comercial ou em grandes rodovias durante viagens
mais longas. Isso representa uma grande quantidade de pontos de carregamento que
precisarão ser construídos.
A indústria da construção será uma das maiores
beneficiadas, assim como os fornecedores de equipamentos elétricos e de
softwares associados. Em um primeiro momento, haverá muito trabalho com
escavação de estradas e pavimentação para a instalação de pontos de carregamento
e dos cabeamentos para residências, estacionamentos e grandes varejistas. No
médio e longo prazo, as construções serão adaptadas com designs que já
apresentam pontos de carregamento em garagens e residências, sendo que também
haverá a necessidade de trocas de equipamentos para alguns dos pontos já
existentes.
Em relação a estradas, nos Estados Unidos, a
infraestrutura da era da gasolina conta com postos de abastecimento localizados
fora das cidades em intervalos de aproximadamente 15 a 30 km de distância em
eixos rodoviários e a cada 30 a 50 km de distância em autoestradas. O destino
disso tudo ainda está em aberto. É muito cedo para dizer como será a formatação
final da rede de distribuição: em um primeiro momento, muitos potenciais
compradores de veículos elétricos podem mudar de ideia se não perceberem que
existe um maciço número de estações de carregamento. Com o tempo, os números
serão alterados ao sabor do nível real de demanda, assim como acontece com os
postos atuais.
Ao final, muitos motoristas de veículos elétricos
podem tentar evitar usar estações de carregamento nas principais estradas e
rodovias por motivos de tempo e custo. Aqueles que tiverem que fazê-lo – talvez
por estarem em viagens mais longas – terão que passar um longo tempo no local,
criando novas oportunidades para serviços de alimentação e compras. Enquanto
isso, os postos de gasolina e diesel irão continuar em sua tendência de
diminuição ao passo em que os veículos elétricos engolem suas demandas.
Cidades e mobilidade urbana
Há uma literatura ampla sobre como a invenção do
carro moldou a cidade moderna, levando à criação dos subúrbios. A mudança para
a eletrificação e digitalização do transporte não irá mudar essa tendência –
inclusive, veículos autônomos provavelmente devem tornar possível deslocamentos
maiores, uma vez que os motoristas poderão usar seu tempo de modo mais
produtivo.
Além disso, a alteração para a frota elétrica deve
trazer mudanças em nosso ambiente físico. A mais óbvia delas será a construção
dos pontos para carregamento. Cidade após cidade verá serem retirados seus
parquímetros, que serão substituídos nas ruas por estações de carregamento.
De forma ainda mais perceptível, os pontos para
carregar os carros estarão presentes em vagas de estacionamento, sejam públicas
ou privadas, na frente de supermercados e em centros comerciais, hotéis e
restaurantes. Como a maior parte dos proprietários não será dona de garagens
adaptadas, o varejo deve liderar o carregamento, percebendo que cargas
gratuitas será uma boa forma de assegurar clientes regulares.
A eletrificação do transporte urbano também terá
consequências inesperadas. Muitas áreas comerciais famosas em cidades mais
antigas estão atualmente sendo afetadas por uma conjuntura que envolve alto
tráfego de veículos, barulhos nas ruas e poluição. Ao mesmo tempo, a
digitalização dos serviços de ônibus pode reduzir a concentração em um pequeno
número de rotas superlotadas. Será que os veículos elétricos e o transporte
digitalizado poderão, sem querer, motivar a retomada de nossas principais
avenidas e criar um novo valor de mercado para diversas propriedades?
Outros setores de transporte
A eletrificação do transporte não ficará restrita
ao mercado de carros. Na verdade, já existem 200 milhões de bicicletas
elétricas apenas na China e seu uso está se espalhando pelo mundo todo.
Melhores baterias, motores e tecnologias de controle de energia irão desafiar o
domínio de pequenos veículos movidos a combustíveis fósseis em cada setor:
barcos a motor, cortadores de grama, veículos para neve e motocicletas.
Com a redução dos custos das baterias, a
eletrificação irá se espalhar também para os veículos pesados. Vans de entrega
serão um mercado inicial natural, pois circulam por distâncias relativamente
pequenas e há uma vantagem comercial na eliminação de barulhos e poluição
atmosférica. Balsas elétricas também estão começando a aparecer. E Tesla,
Mercedes e outras estão trabalhando duro para produzir caminhões para cargas
pesadas.
No mês passado, dois aventureiros suíços, Bertrand
Piccard e André Borschberg, completaram a primeira volta ao mundo realizada a
bordo de uma aeronave solar, a Solar Impulse II. Em 2009, na primeira vez que
ouvi Piccard falar sobre esse desafio, questionaram se algum dia teríamos
aviões para passageiros movidos a energia solar e a resposta foi um simples
“não”. Afinal, o projeto havia sido visionado como um gigantesco desafio de
engenharia. Contudo, este ano, depois de completar a circum-navegação, ele
disse: “Estou certo de que, em 10 anos, nós veremos aviões elétricos
transportando 50 passageiros em voos curtos e médios”. Essa é uma boa analogia
para mostrar a velocidade com que a tecnologia de eletrificação está
progredindo, com uma variedade de aplicabilidades que podem encontrar usos
práticos.
Economia mundial
Se estivermos certos sobre a escala e a rapidez das
transformações nos transportes, a área final que será transformada serão os
ministérios da economia pelo mundo.
Embora seja óbvio que qualquer coisa que reduza a
demanda por petróleo pode ser vista como negativa pelos governos das nações
produtoras do óleo, o fato é que, até mesmo em países consumidores, a mudança
para veículos elétricos e conectados deve gerar dores de cabeça consideráveis.
Em primeiro lugar, na Europa, o petróleo e o diesel
estão sujeitos a altas taxações e representam até 7% das receitas
governamentais. Reduzir a demanda e, talvez, o preço fará com que caiam também
as arrecadações dos países. Embora haja estímulos econômicos, ainda existe a
questão de onde os governantes irão encontrar substitutos para essa repor essa
perda na receita.
Ao mesmo tempo, como descrito anteriormente, é
provável que ocorra uma grande redução na quantidade de trabalhadores
envolvidos com manutenção, reparo e, eventualmente, direção. Por mais que seja
esperada uma eventual recuperação econômica, à medida que essas pessoas
estiverem livres para ocuparem outros papeis na força de trabalho, é
questionável se elas conseguirão formações relevantes. Assim, o debate sobre
projetos de renda garantida deve crescer se o setor de transporte começar a
gerar milhões de desempregados pelo mundo mesmo em um contexto de crescimento
econômico.
Por fim, energias limpas e tecnologias de
transporte, quase que por definição, requerem investimentos iniciais muito
maiores, com menos gastos ao longo da produção. Dessa forma, qualquer mudança
significativa nessa direção precisará da criação de novos investimentos de
capital em longo prazo, gerando impactos macroeconômicos com relação à
produtividade e às taxas de juros. (biodieselbr)