Projetos e impactos de hidrelétricas, em livro e
documentário, servem de reflexão em Mato Grosso e no Pará.
Dois momentos importantes
marcaram os lançamentos itinerantes do livro
Ocekadi: Hidrelétricas, Conflitos Socioambientais e Resistência na Bacia do
Tapajós, e do documentário audiovisual O Complexo (sobre o Teles Pires,
Mato Grosso), no mês de agosto. O primeiro aconteceu no dia 19, em Sinop,
durante o Encontro dos Atingidos do Fórum Teles Pires, e o segundo, durante a
2ª Caravana em Defesa dos Povos do Rio Tapajós, em Itaituba, Pará, no dia 27,
que reuniu mais de mil participantes nas mobilizações. Representantes de Mato
Grosso, do Fórum Teles Pires e da Rede Juruena Vivo, ambas as mobilizações da
sociedade civil de bacias hidrográficas que integram o Tapajós, estiveram
presentes nos eventos.
Os
movimentos ganham um impulso com a divulgação de que o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) arquivou, no dia 4 de agosto, o licenciamento da Usina Hidrelétrica
(UHE) São Luiz do Tapajós, no Pará. “Se não fossem essas estratégias de
mobilização, o processo não seria arquivado. O argumento jurídico, apesar de
consistente, não seria suficiente”, diz Felício Pontes, procurador regional da
República, em entrevista ao Instituto Centro de Vida (ICV). “O resultado foi
uma vitória dos movimentos sociais, algo significativo junto aos fatores
políticos e econômicos. Inegavelmente, essa pressão atrasou o processo de
implementação e isto mostra que é possível fazer isso com os demais
empreendimentos (que violem os direitos e não sejam necessários do ponto de
vista técnico)”, afirma Mauricio Torres, cientista social e um dos
organizadores da obra.
Segundo
Pontes, que assina um dos artigos do livro, a obra representa o início de uma
luta. “Temos ainda a previsão de dezenas de hidrelétricas na bacia. Os impactos
atingirão vários povos indígenas, que precisam ter mais visibilidade nesta
agenda (no sentido dos direitos), além de trabalhadores rurais e outras comunidades
atingidas”, explica.
Renato
Felito, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), em Mato
Grosso, considera que é importante que haja materiais como o livro, que
evidenciem a violação de direitos humanos, muitas vezes, praticados no processo
de aprovação de grandes empreendimentos. “Ocekadi possui boas referências que
podem embasar melhor a luta e a resistência de populações atingidas. São
ferramentas que podemos usar para empoderar as comunidades”.
“O
livro tende a fortalecer o nosso movimento indígena, pelas características de
expressão das nossas contestações, que as hidrelétricas não nos favorecem. Ao
contrário, só nos prejudicam e violam nossos direitos indígenas. Com essa
realidade expressa na obra, creio que pode mostrar com propriedade nossas lutas
contrárias à construção das usinas em nossos territórios tradicionais”, diz
Romildo Tukumã Santana Apiaká, da aldeia Mayorwi, no norte mato-grossense, que
participou da Caravana do Tapajós. O indígena expõe que seu povo vive esta
realidade na região da bacia do Teles Pires e no rio Juruena. “Hoje temos um
rio muito seco, os igarapés e lagoas estão com níveis abaixo do normal e já
vivenciamos dificuldade de pesca e caça. Essa situação também prejudica nossa
cultura”, destaca.
Para
Lourdes Duarte, coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em
Mato Grosso, o livro é uma constatação da situação da bacia. “Traz uma
possibilidade de diálogo dos povos indígenas e (outros atingidos) com os
cientistas e simpatizantes da causa. Vem somar e dar condições de fazer com que
a luta se torne mais abrangente e haja a autonomia local para essa realidade,
como a dos povos do Juruena”, afirma ela, que também participa da Rede Juruena
Vivo.
Torres
explica que uma das propostas da obra é tratar das lacunas de dados sobre este
tema. “Há poucos estudos sobre os impactos das hidrelétricas na Bacia do Teles
Pires-Tapajós. É fundamental que os atingidos sejam melhor informados. O livro
colabora (em seus 25 artigos) com as mais diversas áreas do conhecimento sobre
os impactos de grandes projetos”, diz. João Andrade, coordenador do
Núcleo de Redes Socioambientais, que assina um dos artigos com outros autores
no livro, reforça que os processos de licenciamento são obrigados a ter a
escuta e trazer elementos concretos aos atingidos. “Os artigos trazem elementos
críticos a respeito”.
Videodocumentário O Complexo sensibiliza participantes de eventos
Videodocumentário O Complexo sensibiliza participantes de eventos
Na
programação dos dois eventos, em sessões fechadas, os participantes puderam
assistir as primeiras exibições do documentário O Complexo, que trata de
depoimentos de especialistas, autoridades e atingidos pelo Complexo
Hidrelétrico do rio Teles Pires, em Mato Grosso. São 30 minutos que trazem o
aspecto de sensibilização pela ótica destes atores no processo. A iniciativa
visa trazer mais um recurso para a discussão da agenda à sociedade civil. A
obra tem direção de Thiago Foresti e Fórum Teles Pires, com roteiro de Foresti
e João Andrade (ICV), com apoio do International Rivers Brasil (IR- Brasil), do
ICV e da Charles Stewart – Mott Foundation.
“O
documentário para mim, fortalece a mensagem de nosso real sofrimento e dor.
Porém, é muito triste, pois numa parte, eu estava lá, quando o nosso parente
Munduruku foi morto (em 7 de novembro de 2012, em uma operação da Polícia
Federal, na região do Teles Pires, ocorrência denunciada como crime de
homicídio pelo Ministério Público Federal). Mas não vamos desistir de lutar”,
diz Romildo Tukumã Santana Apiaká.
A
organização do Ocekadi é de Daniela Fernandes Alarcon, Brent Millikan e
Maurício Torres. O livro é uma iniciativa do IR- Brasil e do Programa de
Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) em
parceria com o ICV, a Operação Amazônia Nativa (OPAN) e o Instituto
Socioambiental (ISA) e tem o apoio da Charles Stewart – Mott Foundation e do
Fundo Socioambiental Casa. (ecodebate)
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