Há 33 anos, parte da Europa
ficou ameaçada de se tornar inabitável após o acidente nuclear na Usina de
Chernobyl. O episódio de 25 de abril de 1986, na região onde hoje fica a
Ucrânia, foi retratado recentemente na série “Chernobyl e o preço da mentira.”.
A série mostra o que acontece
em um sistema hierarquizado quando opiniões técnicas contrariam interesses
políticos.
De um lado, os membros do
Partido Comunista, representados por Boris Scherbina, então Vice-Primeiro
Ministro da União Soviética. Do outro lado, os técnicos liderados por Valery
Legasov, o físico nuclear responsável por avaliar os danos do acidente.
Segundo Scherbina, o acidente
havia provocado apenas uma radiação de 3,6 Roentgen (o equivalente a um
raio-X). Não havia, portanto, motivos para se preocupar: a situação era estável
e estava sob controle. Ouvindo a narrativa política, Legasov não se conteve:
“Não! Isso não é verdade. A
verdade é que a leitura máxima do dosador é de 3,6 Roentge. Pelo que vi, este
número deve ser muito maior...”.
Diante do impasse, o que
fizeram os membros do Partido Comunista – aqueles responsáveis por tomar as
decisões? Confiaram nos especialistas da reunião? Buscaram mais informações?
Tentaram compreender mais o ocorrido? Não! Pelo contrário, acreditaram na versão
que era conveniente ao Partido.
O tempo mostrou a verdade. A
radioatividade não era 3,6, mas 15.000 Roentgen, o equivalente a 400 bombas de
Hiroshima e Nagasaki juntas. Uma fumaça de Iodo-131 e Césio-137 se espalhou
pelo vento. Menos de dois dias depois do acidente, a fumaça radioativa havia
chegado à Suécia, a 1.100 quilômetros do local da explosão, na cidade em
Pripyat.
Chernobyl foi o maior
acidente nuclear da história, classificado como um evento de grau 7 (a
classificação máxima). Segundo as estatísticas da velha URSS, apenas 31 pessoas
morreram no acidente, mas a ONU estimou em 2005 que mais de 4 mil pessoas
morreram pela exposição à radiação. A decisão das autoridades de minimizar o
acontecido e não avisar a população para se auto proteger maximizou a
contaminação.
Apesar de Chernobyl ter se
passado em 1986, a mentalidade está presente até hoje. Inclusive na USP, a
principal universidade do país.
A Universidade de Leiden, na
Holanda, produz anualmente um ranking com as instituições que mais produzem
pesquisa acadêmica. Segundo esse ranking, de 973 universidades analisadas, a
USP foi a 8ª que mais produziu artigos. Foram 16.846 artigos entre 2014 e 2017.
Em meio a críticas recentes,
a notícia era boa o suficiente para o alto escalão da USP comemorar. O próprio
Jornal da USP fez uma matéria com o título: “Ranking que avalia produção
científica classifica a USP como a 8ª melhor do mundo.”.
Como recentemente passei a
compor o conselho consultivo da USP – como representante do Poder Legislativo
Paulista – senti-me como Legasov e os técnicos vendo os camaradas soviéticos
comemorando o fato de a radiação ser supostamente 3,6 Roentgen. Trata-se de um
autoengano.
Assim como ele, infelizmente
tenho que dizer que não há praticamente motivo algum para se comemorar.
O Ranking Leiden classifica
as universidades em todo mundo pelo volume de publicações acadêmicas. Como a
USP está entre as maiores universidades do mundo em número de professores e
alunos, é natural que tenha mais quantidade de pesquisas do que as outras.
Seria a mesma coisa que dizer
que somos quatro vezes mais prósperos que a Suécia, já que temos um PIB de 2
trilhões de dólares, enquanto eles possuem um PIB de US$ 500 bilhões. Quem
utiliza essa lógica ignora que o fato de que temos 210 milhões de pessoas e
eles, apenas 10 milhões.
Não podemos comparar a USP,
que tem 98 mil alunos, com Stanford, que possui 16 mil.
Temos que avaliar a qualidade
da pesquisa, e não apenas a quantidade.
Vendo o ranking Leiden, me
perguntei: qual a porcentagem das pesquisas está entre as mais relevantes? E
quando se faz análise essa análise, dos mais de 16 mil artigos, apenas 6,2%
está entre os 10% melhores em suas áreas. Utilizando esse critério, a USP cai
para 775ª colocada. Conclusão: a USP produz muitos artigos, mas com pouco
impacto no cenário internacional.
Claro que – assim como
Legasov – tentei contra argumentar com aqueles que me repassaram a notícia de
que a USP era a 8ª melhor do mundo em pesquisa. Mas o que membros do alto
escalão fizeram quando viram o Ranking Leiden? Questionaram? Não. Fizeram
críticas à metodologia? Não! Pelo contrário, fizeram como os soviéticos em
Chernobyl: aplaudiram a verdade que lhes convinha e fizeram questão de divulgar
a informação que lhes favorecia.
Não me entendam mal. Não
quero diminuir a USP, que é uma universidade respeitada, faz parte da história
do país e já fez muitas contribuições relevantes. Pelo contrário, o objetivo é
fazê-la melhorar cada vez mais.
Como deputado cuja principal
bandeira é a educação, trabalho diariamente para melhorá-la em todo o país,
sobretudo no ensino superior. Mais que isso, como membro do conselho consultivo
da universidade, quero ver a USP lado a lado com as melhores do mundo.
Porém, como vamos melhorar se
aqueles que deveriam reavaliar constantemente os rumos da universidade
simplesmente distorcem a realidade?
Como vamos melhorar se
buscamos apenas mentiras confortantes e escondemos as verdades inconvenientes?
Com certeza não é isso que se faz em Harvard, Oxford, Yale e tantas outras
instituições de excelência.
No auge de Guerra Fria, os
soviéticos negavam qualquer narrativa que fosse enfraquecê-los para não revelar
fraqueza ao Ocidente. Mas em Chernobyl e na vida real, a mentira tem seu preço,
e as coisas só pioram quando escondemos os fatos.
No último episódio da série,
Legasov pergunta aos presentes no julgamento final: “Qual o preço da mentira”?
Cada mentira que contamos gera uma dívida com a verdade. Um dia, esta conta
deverá ser paga.
A verdade não pode ser apenas
um mero detalhe. Uma cultura de mentiras deixa um rastro de destruição. A USP
precisa se livrar do seu complexo de Chernobyl.
Localização das cidades e do
complexo nuclear. (blogdopolibiobraga)
Nenhum comentário:
Postar um comentário