“Assim
como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras, a Era do Petróleo chegará
ao fim, não por falta de óleo”. - Ahmed-Zaki Yamani.
As energias renováveis
decuplicaram nos anos 2000 e são a grande novidade da matriz energética global
do século XXI e, de certa forma, já antecipam o fim do mundo dos combustíveis
fósseis, embora ainda exista um longo caminho pela frente.
A capacidade de geração de
energia renovável quadruplicou somente nos últimos 10 anos (2008-2018) a partir
de um investimento estimado em US$ 2,6 trilhões, como mostra o relatório
“Global Trends In Renewable Energy Investment 2019”, do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), elaborado em parceria com a Frankfurt
School of Finance & Management e a BloombergNEF.
Todavia, a velocidade desse
crescimento ainda está muito aquém do que os pesquisadores dizem ser necessário
para descarbonizar a economia e manter o aquecimento global sob controle. Para
cumprir o objetivo do acordo climático de Paris de manter o aquecimento global
abaixo de 1,5 graus Celsius, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC) considera que o mundo precisaria investir uma média de cerca de US $ 3
trilhões a US $ 3,5 trilhões todos os anos entre 2016 e 2050.
De todos os setores de energia
renovável considerados, a energia solar liderou o salto do começo da mudança da
matriz energética, com US $ 1,3 trilhões investidos ao longo da década. Segundo
o relatório, a capacidade de energia solar deve atingir 638 gigawatts até o
final de 2019, em comparação com apenas 25 gigawatts em 2010. É capacidade
suficiente para produzir toda a eletricidade necessária a cada ano para
abastecer 100 milhões de residências.
Os avanços tecnológicos
tornaram os painéis solares menores, mais baratos de fabricar e mais
eficientes. Além disso, o custo de financiamento e de instalação de energia
solar caiu, levando a uma grande expansão das instalações solares em todo o
mundo.
O gráfico abaixo mostra que a
China liderou a corrida no valor investido em capacidade de energia renovável
no mundo, com investimento de US$ 758 bilhões (31% do total), entre 2010 e o
final do primeiro semestre de 2019. A china lidera com destaque os
investimentos em energia renovável, mas também lidera com grande margem as
emissões globais de gases de efeito estufa. Os EUA aparecem em segundo lugar
nos investimentos, com US$ 356 bilhões (14% do total) e o Brasil aparece em 8º
lugar, com investimentos de US$ 55 bilhões.
A energia renovável
descentralizada tem a vantagem de ser mais democrática, mais limpa e até mais
pacífica. Num mundo futuro com ampla oferta de energia solar e eólica as
guerras pelo petróleo serão apenas assuntos para as exposições dos museus e os
cursos de história. Depois de tantas guerras pelo controle dos combustíveis
fósseis – como a Guerra do Iraque que matou milhares de pessoas e teve um custo
de trilhões de dólares – agora foi a vez da Arábia Saudita, maior exportadora
mundial, de sofrer ataques em seu território. No dia 14 de setembro, duas
instalações da principal companhia petrolífera da Arábia Saudita teve que
suspender a produção de cerca de 5,6 milhões de barris de petróleo dia (5% da
produção global). Um grande incêndio ocorreu em Abqaiq, onde fica a maior
fábrica de processamento de petróleo do mundo, e outro no campo de petróleo de
Khurais. Ambos operados pela gigante estatal saudita Aramco. A fumaça pôde ser
vista do espaço.
Os rebeldes iemenitas houthis –
que são apoiados pelo Irã no conflito que acontece no Iêmen – disseram ter
enviado dez drones para atacar as instalações da Aramco. É a primeira vez que
são usados, nesta proporção, os “robôs assassinos” para fins militares, como eu
já havia previsto há algum tempo (Alves, 16/08/2017). A monarquia saudita e o
governo dos EUA acusam o Irã pelos ataques. O clima de insegurança aumentou e
não está descartada uma guerra envolvendo os dois maiores países islâmicos do
Oriente Médio que vivem de energias fósseis. O fato é que o preço do petróleo
já subiu e pode ser o estopim que faltava para catalisar o início de uma
recessão econômica internacional.
Como mostrou Steve Hanley
(Cleantechica, 16/09/2019), o mundo poderia ser mais seguro e pacífico se cada
país fosse capaz de atender internamente suas necessidades energéticas, usando
apenas a abundância natural de luz do sol, vento, geotérmica, hidrelétrica ou
maré. A governança global mudaria se a Europa não tivesse que depender da
Rússia para o gás natural aquecer suas casas no inverno. Se os EUA não
precisassem degradar suas reservas de vida selvagem e parques nacionais para
poder se orgulhar de ser o maior exportador de energia do mundo. Se não
tivéssemos que aspirar a governos totalitários como a Arábia Saudita, que corta
seus oponentes com serras de osso e descarta as peças em cubas de ácido?
Hanley considera que é um erro
os líderes mundiais torceram as mãos e lamentaram que o custo da transição para
a energia renovável seja alto demais. Pode custar trilhões, eles choram. No
entanto, o projeto “Costs of War”, do Instituto Watson de Assuntos Públicos e
Internacionais da Universidade Brown, constata que os EUA já gastaram mais de
US$ 5,6 trilhões em operações militares na era pós-11 de setembro. Além disso,
desde 2001, os militares dos EUA adicionaram 1,2 bilhão de toneladas de dióxido
de carbono à atmosfera. Isso é mais do que muitas nações. Todo esse dinheiro e
todas essas emissões não levam em consideração o número de mortos nos militares
que morreram ou foram feridos durante as guerras ou o ônus colocado sobre
milhões de civis que foram deslocados como resultado deles.
Desta forma, mudar das fontes
fósseis para a energia renovável é mais do que reduzir as emissões de carbono.
Trata-se de desmantelar as atuais construções geopolíticas que apoiam a noção
de que o acesso ao petróleo deve ser mantido a todo custo. O petróleo distorce
grosseiramente as relações internacionais. A energia renovável pode
reequilibrar a estrutura econômica do mundo. As nações não mais olhariam para os
recursos naturais de seus vizinhos e planejariam capturá-los por si mesmas. Os
déspotas nunca mais governariam seus países como feudos feudais sustentados por
fortunas surpreendentes à base de petróleo. A energia renovável não apenas pode
reduzir as emissões de carbono, mas também potencialmente eliminar uma das
principais causas de conflito entre as nações.
Voltando ao relatório da UNEP,
o documento estima que as emissões globais de gases de efeito estufa do setor
de energia teriam sido 15% maiores em 2018, não fosse o aumento da capacidade
de energia renovável. No entanto, também observa que as emissões ainda
aumentaram 10% de 2009 a 2019 em função do crescimento populacional e econômico
global.
A concentração de CO2
estava em 404 ppm em maio de 2015, saltou para 407,7 ppm em maio de 2016,
atingiu 409,7 em maio de 2017, alcançou 411,2 ppm em maio de 2018. O recorde
foi atingido em maio de 2019 com 414,7 ppm. A variação de maio a maio, no
último ano, foi de 3,5 ppm, um recorde preocupante que acontece mesmo com o
avanço das energias renováveis.
Embora o aumento da
concentração de CO2 na atmosfera não apresente uma tendência
monotônica, a subida acontece de forma consistente ao longo das décadas. Na
última década do século XX (1991-00) o aumento da concentração de CO2
na atmosfera foi de 1,5 ppm. Na primeira década do século XXI o aumento foi de
2,0 ppm. Em 2015 e 2016 o aumento anual de CO2 foi de 3,0 ppm, caiu
para 2,39 ppm em 2018 e deve bater o recorde em 2019 com algo em torno de 3,4
ppm.
Embora o avanço das energias
renováveis seja uma grata surpresa e esteja ocorrendo num ritmo mais rápido do
que o previsto no início do atual século, a humanidade continua aumentando as
emissões de gases de efeito estufa a uma taxa alarmante.
De fato, o mundo baseado na
energia renovável é não só desejável com é inevitável. Por isto se diz: “O
futuro será renovável ou não haverá futuro”. Contudo, mesmo que o mundo consiga
chegar a 100% de energia renovável em 2050, a concentração de CO2 na
atmosfera (que já está em torno de 415 ppm) pode ultrapassar 500 ppm até 2050 e
tornar o aquecimento global incontrolável nos limites necessários para evitar
uma tragédia ambiental e civilizacional.
Além do mais, existem muitas
dúvidas se o aumento da capacidade instalada de energias renováveis será capaz
de funcionar em uma rede inteligente global. Gail Tverberg (30/01/2017)
considera que existe muita ilusão sendo vendida em nome das energias “limpas”.
Embora, sem dúvida, o avanço da transição energética é melhor do que a
dependência dos combustíveis fósseis. O sol e o vento são recursos naturais
abundantes e renováveis, mas, certamente, não podem fazer milagres e nem evitar
o imperativo do metabolismo entrópico, como ensina a escola da Economia
Ecológica.
A humanidade já ultrapassou a
capacidade de carga do Planeta. Como alertou o ambientalista Ted Trainer
(2007), as energias renováveis não são suficientes para manter o crescimento
exponencial da expectativa das pessoas por um alto padrão de consumo conspícuo.
Trainer prega um mundo mais frugal, com decrescimento demoeconômico, onde as
pessoas adotem um estilo de vida com base nos princípios da Simplicidade
Voluntária.
O mundo precisa urgentemente
descarbonizar a economia e recuperar os ecossistemas, além de ampliar as áreas
anecúmenas e promover o bem-estar de todas as espécies vivas do Planeta. Zerar
o desmatamento e as queimadas, plantar árvores e recuperar as florestas é uma
necessidade urgente.
A mudança da matriz energética
é uma condição necessária, mas não suficiente para enfrentar a crise climática
e ecológica. É também uma condição necessária, mas não suficiente para evitar
as guerras pelo petróleo. Evidentemente, a revolução econômica e comportamental
para salvar a vida no Planeta vai muito além do simples crescimento das
energias renováveis. Mas não haverá um mundo pacífico e sustentável se não for
planejado o fim do mundo dos combustíveis fósseis e dos privilégios sociais que
o petróleo sustenta.
Sem dúvida, o Planeta precisa
de energia renovável para descarbonizar a economia e mitigar o aquecimento
global, mas também para renovar as estruturas do poder econômico e político que
se encontra nas mãos de uma elite social que se assenta numa hierarquia
privilegiada, excludente, não renovável e fóssil. (ecodebate)
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