Segundo a coordenadora do Programa de Pesquisa
“Finanças Sustentáveis” no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV,
Annelise Vendramini, não se trata de uma nova moda criada pelo mundo
corporativo. Esse reconhecimento está apoiado na ciência; de que há limites que
precisam ser respeitados para garantir a sobrevivência do planeta.
Annelise disse que há uma tendência de aumento dos
investimentos em fontes renováveis e negócios sustentáveis, beneficiando
tecnologias de produção de energia eólica, fotovoltaica, hídrica, em detrimento
de fontes fósseis. Essa transição não será o fim dos combustíveis fósseis, mas
indica que essa é uma indústria que está em declínio.
O Poder Público terá o papel de criar um arcabouço
regulatório que garanta segurança jurídica e um ambiente propício para atração
de investimento privado. O capital privado será responsável por financiar essa
transformação econômica. Esse capital virá por três vias: fluxo de caixa das
próprias empresas, mercado de capitais e financiamento bancário.
Segundo a professora da FGV, o mercado de capitais
passou a considerar cada vez mais em suas análises de investimentos riscos
“extra financeiros”, como questões ligadas à governança corporativa e às
contribuições ao meio ambiente e ao desenvolvimento social.
Por isso o interesse crescente de investidores por
títulos de dívidas e ações de empresas que tenham alguma pegada socioambiental.
É nesse contexto que surgem os chamados Green Bonds
ou títulos verdes. Nada mais são que um título de dívida atribuído a uma
empresa que tenha um impacto socioambiental positivo, como são os casos das
indústrias eólica e solar. O mercado de energia renovável é responsável por 50%
das emissões de green bonds no mundo.
Recentemente, a Faro Energy captou R$ 15 milhões no
mercado doméstico combinando benefício ambiental com social. Do total
arrecadado, parte foi utilizado para pagar dívidas da empresa contraídas
durante o desenvolvimento de projeto de energia solar e R$ 100 mil foi
investido em projetos sociais. Outro exemplo foi a captação do Banco
Votorantim, que levantou US$ 50 milhões no mercado internacional para financiar
energia renovável.
“Quando a gente vai para renda variável se aplica a
mesma lógica, com mercado preocupado com ambiental, social e a governança”,
disse Annelise Vendramini. Há US$ 32 trilhões de ativos no mercado de renda
variável sob o guarda chuva de preocupações socioambientais.
“No Brasil, nas últimas semanas, no meio da
pandemia, a gente tem visto anúncio de investidores se comprometendo com esse
tema ASG (Ambiental, Social e Governamental). Parece-me que a pandemia está
cada vez mais mostrando a importância desses temas para gestão de risco e para
geração de valor econômico”, observou a coordenadora da FGV.
Segundo Annelise, a carteira de pessoa jurídica dos
bancos soma R$ 1,5 trilhão, sendo que 20% (R$ 314 bilhões) estão alocados na
chamada “carteira verde”, onde as energias renováveis correspondem por 40% ou
R$ 121,5 bilhões. Outros R$ 111 bilhões estão alocados no setor de transporte.
“Os setores de energia renovável e transporte são os setores que mais receberão
recursos do mercado financeiro nessa transição energética”, reforçou.
“Observamos uma tendência que veio para ficar, não é
modismo, está muito calcado na ciência e no entendimento das pessoas de que o
modo de produção e de consumo humano precisa mudar”, finalizou a especialista.
Precificação das externalidades
Precificar essas externalidades e criar métricas de
tal forma que essas condições adicionem valor ao negócio será o grande desafio
para diversos mercados, inclusive para o setor de energia elétrica.
As externalidades se referem a elementos satélites
ao negócio, que podem ser positivos ou negativos, mas para o qual não existe
mercado. Se não existe mercado, é preciso criar métricas que permitam de alguma
forma tangibilizar essas externalidades.
O Instituto Escolhas, em parceria com a consultoria
internacional PSR, promoveu um estudo para qualificar e precificar as
externalidades das fontes de geração de energia no Brasil. Porém, até pelo
nível de subjetividade, o estudo não foi 100% endossado pelo mercado,
levantando alguns questionamentos e discussões.
A presidente executiva da ABEEólica, Elbia Gannoum,
lembrou que esse é um tema que estava em discussão no início do processo de
modernização do setor elétrico, mas que o assunto foi sendo deixado de lado
pela equipe do Ministério de Minas e Energia “justamente pela dificuldade de
trazer essa valoração dos atributos”.
Para as duas especialistas, o próprio mercado deverá
trazer essa resposta, criando métricas que permitam mensurar e inserir esse
valor adicional aos balanços das empresas.
Questionada sobre a capacidade das fontes renováveis
sustentar o funcionamento do sistema elétrico, Elbia disse que essa
substituição de matriz não será imediata, até para não descomissionar capital
investido, e que a tecnologia deverá equacionar o problema da variabilidade de
geração.
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