quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Visão a partir de aplicações industriais

O papel dos pequenos reatores nucleares na transição energética: Uma visão a partir de aplicações industriais.

EPE estuda inserção de reatores modulares no Brasil.

Os SMRs são reatores pequenos e conhecidos por operarem em uma faixa de geração entre 10 e 300 MWe, com faixas inferiores de geração atendendo basicamente a aplicações industriais.

No ano de 2015, foi realizada a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP21), com a participação de 195 países, culminando no Acordo de Paris, tratado mundial com foco em conter, através da redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), o aquecimento global em um nível abaixo de 2°C (REI, GONÇALVES, SOUZA, 2017).

Para atingir esse objetivo, as nações participantes estabeleceram metas com a finalidade de alcançar a neutralidade de emissões líquidas de GEE. Anos depois, em 2021, segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPPC), o feedback relacionado à redução de emissões foi negativo, prevendo que o aquecimento de 1,5ºC a 2ºC será ultrapassado ainda nas próximas décadas. No mesmo ano, aconteceu a COP26, em Glasgow, na Escócia, que teve como resultado o maior comprometimento com a agenda de neutralidade, principalmente através de parcerias entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Neste contexto, a transição energética para fontes não emissoras de GEE emerge como uma ação essencial e captadora de investimentos. Deste modo, na COP26, o destaque foi atribuído ao “renascimento” da energia nuclear, à medida que um argumento central foi colocado na mesa de debates: a energia nuclear é capaz de proporcionar confiabilidade para um sistema com expansão de fontes intermitentes de energia (PRESENTATION RIO ALEX GREENWAY NUCLEAR, 2022).

Pequenos reatores nucleares podem ser chave para descarbonização.

Em paralelo a estes movimentos, em junho de 2020, o Parlamento Europeu, buscando o combate ao greenwashing – prática de criar uma falsa aparência de sustentabilidade para produtos e serviços – e o incentivo à transição energética, criou novas regras para determinar se uma atividade econômica é ambientalmente sustentável, o chamado “selo verde”. Inicialmente, diferentemente das fontes renováveis, a energia nuclear recebeu um rótulo de “facilitadoras”, sendo incompatível com o cenário de neutralidade. Todavia, com a crise energética na Europa, a discussão sobre o fornecimento do selo verde para a energia nuclear emergiu com apoiadores e opositores (FOLHA DE S. PAULO, 2020).

Além disso, no cenário da guerra russa contra a Ucrânia, a ameaça de corte de fornecimento de gás e petróleo pela Rússia gerou a necessidade de uma maior ênfase no planejamento energético da segurança de suprimento, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Esta emergência resulta na busca por alternativas de diversificação de fontes de energia sem abandonar as metas de neutralidade de emissões, reforçando o debate acerca da nuclear como uma opção para a transição energética.

Dentro deste panorama, a grande discussão em torno da energia nuclear parte do duelo entre seus benefícios e malefícios. Sendo assim, com intuito de observar os pontos de argumentação dos grupos tanto de oposição quanto de apoio à geração nuclear, apresentam-se, na Tabela I, as vantagens e desvantagens enfrentadas por esta fonte de energia.

A partir desta contextualização, o objetivo deste artigo é analisar uma nova tecnologia para uso da energia nuclear, os pequenos reatores nucleares modulares (SMRs, na sigla em inglês), perpassando por sua definição, suas melhorias fornecidas frente às termelétricas nucleares de grande porte e suas aplicações, com ênfase no ramo industrial.

Por suas características de confiabilidade e continuidade da geração, a tecnologia nuclear vem sendo reconsiderada no mundo todo, com destaque, diante do cenário atual, aos SMRs. Trata-se de uma opção que agrega novas características, se mostrando compatível em um contexto de transição energética e descarbonização, especialmente em razão da sua flexibilidade de geração, ao contrário do observado nas grandes centrais nucleares.

Os SMRs são reatores pequenos e conhecidos por operarem em uma faixa de geração entre 10 e 300 MWe, com faixas inferiores de geração atendendo basicamente a aplicações industriais. Já a faixa superior indica um sistema de porte de geração significativa, com vantagens de produção modular, padronizada e serial. Os reatores, em geral, podem ser utilizados na produção de energia elétrica, no aquecimento, na cogeração, na dessalinização da água e na produção de vapor de alta qualidade para aplicações industriais, bem como na produção de hidrogênio.

Estados Unidos investem forte em mini reatores nucleares para o setor de defesa e para viagens espaciais.

Os reatores são construídos em fábrica, ou seja, são portáteis e escaláveis.

Ademais, ao fazer o desligamento automático, a segurança passiva permite que os SMRs permaneçam frios mesmo na ausência de energia externa e intervenção do operador, por um período muito mais longo do que um reator nuclear convencional, procedimento que muitas vezes nem se torna necessário. Já o sistema passivo de remoção de calor permite que o resfriamento seja efetuado por ação da gravidade, da convecção e da evaporação, sem o uso de bombas para a circulação dos fluidos (IEA, 2018).

Destaca-se que os SMRs surgem como uma fonte de energia limpa, segura e acessível, abrindo oportunidades para um futuro resiliente e de baixo carbono, de modo a possibilitar a captura de benefícios para o Brasil e para o resto do mundo. Por isso, várias unidades pilotos devem ser instaladas no mundo inteiro até 2030 (IEA, 2018).

Atualmente, existem mais 70 projetos em andamento no mundo, para serem utilizados em aplicações elétricas e não elétricas (por exemplo, geração de calor).

Mais recentemente, em 2021, se intensificaram atividades associadas a um subconjunto de SMRs denominados de micro reatores, em países como Canadá, República Tcheca, Japão, Rússia, Reino Unido e EUA (IAEA, 2021). O objetivo comum dos desenvolvimentos é demonstrar que o uso de sistemas de produção de quantidade reduzida de energia, com soluções modulares, padronizadas e de produção em série, implicará em um investimento menor de capital, com tempo reduzido de implantação e esquemas favoráveis de financiamento.

Mapeando os desafios e as oportunidades tecnológicas e financeiras, deve-se frisar que os SMRs conseguem competir com usinas de grande porte em termos de custo, se efetivamente tiverem uma economia de escopo que compense uma economia de escala. Os SMRs também apresentam um menor volume de investimentos relacionados às variáveis de potência, flexibilidade de geração, geografia da instalação e mecanismos de segurança.

Contudo, uma análise mais aprofundada da tecnologia dos SMRs, de seu licenciamento, de sua certificação e segurança se mostra fundamental e condicionante da atratividade do negócio, além do desenvolvimento de estudos de protocolos conjuntos, com diversos países cooperando neste sentido. No tópico dos protocolos conjuntos da tecnologia, destaca-se a necessidade de uma padronização entre os diferentes países no que diz respeito às normas de atuação, às regulações de incentivo, à certificação de segurança, ao descarte de resíduos, ao transporte, dentre outras questões. Além disso, observa-se também como pré- requisito de atratividade, que a tecnologia deve ser competitiva dentro do cenário nacional.

“O uso de pequenos reatores modulares para defesa nacional e exploração espacial permitirá que os Estados Unidos mantenham e promovam nossa liderança e domínio nos domínios do espaço e terrestre”.

Os SMRs possibilitam uma série de aplicações não cobertas por sistemas tradicionais de energia nuclear, desde a integração com a geração intermitente renovável até o uso em áreas isoladas em substituição de fontes mais poluentes.

Também é possível observar os SMRs em aplicações não elétricas, nas quais se vislumbra uma série de aproveitamentos integrados, que podem variar de acordo com a tecnologia adotada. Neste sentido, destaca-se que as diversas tecnologias cobrem um vasto espectro de temperaturas de operação, variando de 80°C, em aplicações de aquecimento distrital, por exemplo, até cerca de 1.000°C.

Assim, é possível a viabilizar a aplicação dos SMRs em inúmeros processos industriais, com destaque para a cogeração, e em outros processos, como a gaseificação do carvão e produção de hidrogênio em altas temperaturas.

Diante desta perspectiva de múltiplas aplicações integradas, estima-se que a competitividade dos SMRs cresça e, consequentemente, soluções sustentáveis para as indústrias e o setor elétrico sejam viabilizadas. Deste modo, no longo prazo, além das demandas industriais por energia e aquecimento limpos, destacam-se soluções para processos industriais nascentes, como a produção de hidrogênio e a dessalinização da água, cujas perspectivas de crescimento no mundo são elevadas.

Em relação ao hidrogênio, duas rotas de produção merecem destaque, a partir da eletrólise da água com energia elétrica e de elevadas temperaturas – esta última com um nível menor de maturidade tecnológica. No que diz respeito à dessalinização, além de ser uma preocupação para países cuja disponibilidade de água doce é limitada, processos de produção de hidrogênio verde em larga escala acendem alerta para o uso extensivo da água, tornando esta rota interessante.

Observa-se, assim, que a crescente expectativa de retomada de construções de usinas nucleares impõe desafios relacionados à viabilização desses empreendimentos. Porém, mesmo que tecnicamente ainda em fase de testes pilotos, os SMRs apresentam múltiplas soluções em direção a um futuro de zero emissão líquidas de GEE. Neste sentido, o potencial de aplicação desta tecnologia para a cogeração é uma forma de aumentar a competitividade e as perspectivas de sua instalação, cujo investimento é elevado e os riscos associados ainda geram preocupação. Portanto, a título de conclusão, destaca-se que a energia nuclear ainda possui o potencial para contribuir a um futuro sustentável, especialmente na forma de pequenos reatores modulares.

Pequenos reatores modulares: o futuro do setor energético nuclear? (gesel)

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