A
mineração produz grande quantidade de rejeito nuclear, termo técnico para
designar lixo nuclear ou lixo atômico. As usinas nucleares também produzem
grande quantidade de lixo. Sem dúvida, este é o grande problema. O que fazer
com os rejeitos radioativos?
Países
que operam ou que operaram usinas nucleares não encontraram locais seguros e
definitivos para armazenar os rejeitos produzidos após o uso do combustível
nuclear. Atualmente o lixo produzido está armazenado em locais provisórios,
pois o armazenamento permanente é uma questão não resolvida. Restando assim uma
herança maldita para as gerações futuras.
No
Brasil, existem municípios/territórios onde os riscos a impactos relacionados à
exposição à radiação são maiores que outros, pois abrigam atividades nucleares.
Caso o material radioativo seja exposto ao meio ambiente (vazamento de água
radioativa, de gases extremamente tóxicos, …) afetará a saúde das populações
próximas e os ecossistemas.
Os
conflitos, neste caso, estarão relacionados ao vazamento de materiais tóxicos e
radioativos, à contaminação (água, ar e solo), ao aumento do câncer em
populações diretamente atingidas, aos depósitos de rejeitos em locais
inadequados e inseguros, além da necessária remoção forçada das pessoas de suas
habitações. A disputa pelo uso da água entre a mineração do urânio e para o
consumo humano/animal/produção é outro elemento importante. Por exemplo, no
sertão cearense esta disputa poderá ocorrer em breve, caso a mina de Santa
Quitéria inicie seu funcionamento.
Verifica-se
que 11 municípios em 6 Estados estão nesta situação de ter atividades
nucleares, ou mesmo receber rejeitos. Tudo sob a responsabilidade das
Indústrias Nucleares do Brasil (INB).
Em
São Paulo, Minas Gerais e Bahia a mineração de urânio deixou um rastro de
contaminação, sofrimento, abandono, irresponsabilidade e morte. Os mais
atingidos foram os que estavam na linha de frente, os trabalhadores e
trabalhadoras, e suas famílias. Moradores mais próximos das minas, e aqueles
que tiveram contato direto com material radioativo, sofrem as consequências da
contaminação.
No Ceará, a resistência da sociedade é que não se repita a triste e trágica realidade encontrada, onde a mineração já foi explorada. No Rio de Janeiro, vazamentos de material radioativo das usinas nucleares são denunciados, e movimentos sociais de Angra dos Reis lutam pela desativação das 2 usinas em funcionamento, e de uma terceira em construção.
Em Goiás, o desastre com o césio 137, considerado o “maior desastre radiológico do mundo”, produziu uma grande quantidade de resíduos. Este episódio acabou desnudando a dificuldade de responder rápido a uma situação de vazamento de material radioativo em área urbana, a fragilidade dos órgãos de fiscalização, e a falta de planejamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Na
identificação das “cidades nucleares”, três grandes fontes de rejeitos
radioativos foram levadas em conta: os rejeitos produzidos pela exploração de
minerais radioativos no país que remonta aos anos 40 do século passado, a
extração e concentração de urânio na mineração, e o “lixo” produzido pelas
centrais nucleares em funcionamento.
A
exploração mais antiga de minerais radioativos foi realizada por uma empresa
privada, responsável pela prospecção de jazidas, e tratamento físico-químico da
areia monazítica. Única fonte de urânio no país na época, antes do
funcionamento da mina de Poços de Caldas (MG); a Usina de Santo Amaro-USAM,
funcionou por mais de 50 anos no bairro do Brooklin, na zona sul da cidade de
São Paulo, e teve suas atividades absorvidas pela atual INB.
Utilizava
um processo de extração de minerais pesados e terras raras, a partir de areia
monazítica. O subproduto deste processo, conhecido como “Torta II”, é um
fosfato contendo metais pesados de terras raras. Este rejeito – herança
radioativa da Nuclemon (empresa absorvida pela INB), com a desativação da usina
– acabou sendo enviado para outras unidades da INB.
O
rejeito da USAM está armazenado, ao menos 20%, na Unidade de Estocagem de
Botuxim (UEB), no Sítio São Bento, em Itu (SP), em uma área de proteção
ambiental. Outra parte, em torno de 5%, está na zona sul de São Paulo, bairro
de Interlagos, na Unidade de Descomissionamento de SP (UDSP). Os 75% restantes
na Unidade de Descomissionamento de Caldas (UDC).
Considerado como o primeiro complexo minero-industrial no Brasil, para a produção de concentrado de urânio, a mina de Caldas (MG), vizinha a Poços de Caldas (MG), funcionou até 1995, quando ocorreu a paralisação definitiva da lavra e tratamento do minério. Seu passivo ambiental consiste de grandes quantidades de rejeitos e resíduos radioativos oriundos, principalmente, da mineração e das atividades industriais. Além do rejeito da USAM, ambos municípios abrigam o lixo da usina local desativada, armazenado em galpões e em barragem de rejeito.
No município de Caetité (BA), está a Unidade de Concentração de Urânio (URA), administrada pela INB. Também é um local de mineração, desde 1999, ocupando uma área de 1.700 hectares. Desde o início da mineração deste campo uranífero várias manifestações da sociedade civil, sindicatos, ONGs, Igrejas têm questionado a atuação da INB, com denúncias comprovadas de irregularidades administrativas, acidentes de trabalho, indícios de contaminação ambiental das águas subterrâneas, aumento de doenças cancerígenas. Ilegalidades e irregularidades nunca devidamente apuradas e esclarecidas.
No
Rio de Janeiro, município de São Francisco de Itabapoana, na praia de Buena,
fica a Unidade de Descomissionamento de Buena (UDB). Atualmente suas atividades
se restringem a recuperação e comercialização do que sobrou do processo de
separação dos minerais pesados (ilmenita, zirconita, rutilo e monazita) da
usina de beneficiamento de areia monazítica, cujas reservas estão esgotadas.
Neste território existe um aumento da radiação pela concentração das terras
raras, o que leva os moradores e trabalhadores a um convívio maior com risco de
contaminação tóxica e radioativa.
Em Resende/RJ está a Fábrica de Combustível Nuclear (FCN),
onde se processa o enriquecimento isotópico de urânio, a reconversão
(gás-sólido), a produção de pastilhas e a montagem do combustível que abastece
os reatores das usinas nucleares. Nesta unidade da INB circula material
altamente radioativo e perigoso à vida humana e ao meio ambiente. E,
logicamente, os moradores deste município estão sujeitos aos perigos
decorrentes do vazamento de material radioativo ao meio ambiente. Conhecidos já
ocorreram quatro vazamentos dentro da FCN, em julho/2009, em janeiro/2010, em julho/2011, e em março/2023.
No
município de Goiânia (GO) aconteceu o que ficou conhecido como o “maior
desastre radiológico do mundo”, em 13/09/987. Foi rompido o lacre
de um aparelho abandonado de uma clínica de radioterapia, que continha uma
pequena quantidade (19 mg) em pó do elemento radioativo césio 137. Após a
descontaminação, foi necessário construir um depósito para abrigar estes
resíduos (grande quantidade de terra extraída dos locais onde circulou o
material radioativo, objetos pessoais das vítimas, etc). O local escolhido, a
cerca de 20 km do centro de Goiânia, foi o município de Abadia de Goiás (GO) no
Parque Telma Ortegal. O denominado Depósito Definitivo está sob o controle
institucional da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) representado pelo
Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste (CRCN-CO/CNEN).
E no município de Santa Quitéria (CE), a 270 km de Fortaleza, poderá ser a maior mina de exploração de urânio no país, em pleno semiárido cearense. Em 2004 foi feita a primeira tentativa para explorar esta mina. Depois de 10 anos novamente a tentativa de obter o licenciamento ambiental. E agora em 2023, o IBAMA, entre outros órgãos públicos sucumbiram às pressões e concederam as licenças. A proposta do consórcio Santa Quitéria é retirar fosfato (reservas de 8,9 milhões de toneladas) e urânio (80 mil toneladas) da fazenda Itatiaia, por duas décadas. Pode-se neste caso prever que os níveis de radiação no local e arredores aumentarão. Crescerá substancialmente a probabilidade de contaminação do solo, do ar, dos lençóis freáticos, aumentando os problemas de saúde da população.
Outra atividade nuclear, importante geradora de grandes quantidades de rejeitos, são as usinas nucleares que se prestam a produzir energia elétrica. Duas usinas, Angra I e Angra II, localizadas em Angra dos Reis (RJ) produzem grande quantidade de subprodutos do combustível irradiado nos reatores nucleares em funcionamento. Os resíduos estão armazenados em locais provisórios, ambos dentro da central nuclear de Angra: a Unidade de Armazenamento Complementar a Seco (UAS), e no interior das Piscinas de Armazenamento.
Como
relatado em inúmeras audiências públicas, encontros, estudos e manifestações
independentes, o lixo atômico produzido está hoje armazenado em situação
provisória, precária, e, em alguns casos, com vazamentos de material tóxico,
radioativo para o meio ambiente. Situação que coloca em risco de morte pessoas
e o meio ambiente.
Verifica-se
também, que muitos dos municípios que abrigam empresas da INB têm uma relação
conflituosa com a estatal. Uma relação marcada pelo desrespeito, e pela falta
de transparência quando os assuntos são de interesse da comunidade. Mentiras e
promessas não cumpridas, geraram desconfiança entre as partes ao longo do
tempo.
Diante
das situações mostradas nas “cidades nucleares” a discussão, e mesmo a tomada
de decisão sobre a nuclearização do país (https://www.ecodebate.com.br/2023/04/19/usinas-nucleares-exigem-um-debate-serio-e-necessario/),
com o aumento das atividades de mineração do urânio, e com a implantação de
novas usinas nucleoelétricas, gerando mais e mais rejeitos, não deve ficar
restrita a um pequeno grupo de interessados e interesseiros em simplesmente
fazer negócios. Deve, sim, estar embasada nos interesses maiores da população.
É inconcebível que em um país democrático, cujo atual presidente afirma a importância da participação popular nas grandes decisões, nos destinos do país, somente um pequeno (mas poderoso) grupo de lobistas, os “nucleopatas”, imponham a nação uma tecnologia cara, suja e perigosa.
Heitor Scalambrini Costa é físico pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mestre em Ciências e Tecnologia Nuclear pelo Departamento de Energia Nuclear da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), doutor pela Universidade de Aix-Marselha-Laboratório de Fotoeletricidade/Comissariado de Energia Atômica da França, professor aposentado da UFPE. Ativista Ambiental e Membro da Articulação Antinuclear Brasileira. (ecodebate)
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