Comunidades no Ceará e Rio Grande do Norte denunciam: instalação de
usinas eólicas virou salvo-conduto para destruição de dunas, lagoas e
vegetação.
Energia do vento
Parque eólico Aracati, em Aracati, Ceará, visto da Vila do Estevão em
Canoa Quebrada.
Localidade de Diogo Lopes, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Ponta do Tubarão, no Rio Grande do Norte.
Parque eólico Aracati, em Aracati, Ceará, visto da Vila do Estevão em
Canoa Quebrada.
Parque eólico na Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Ponta do
Tubarão, em Macau (RN).
O pescador Luiz Luna, da comunidade Diogo Lopes, na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável da Ponta do Tubarão, em Macau (RN). Ele protesta
contra a dificuldade de acesso a áreas de pesca imposta pelos parques eólicos.
Parque Eólico na Reserva de Desenvolvimento Sustentável da Ponta do
Tubarão, em Macau (RN).
Aerogeradores em Canoa Quebrada, Aracati, Ceará.
Moradores da comunidade Mangue Seco 2, na Reserva de
Desenvolvimento Sustentável da Ponta do Tubarão em Macau-RN, afirmam que a
chegada das eólicas dificultou a circulação dos animais de criação.
Usinas eólicas no litoral do Ceará.
Parque eólico Aracati, em Aracati, no Ceará.
O pescador Luiz Luna, da comunidade Diogo Lopes, na Reserva
de Desenvolvimento Sustentável da Ponta do Tubarão em Macau, Rio Grande do
Norte.
Parque eólico Aracati, em Aracati, no Ceará.
Casa pobre, sem eletricidade, o pescador José Nazário da
Silva, de 49 anos, vê os cata-ventos gigantes, cravados nas dunas de Canoa
Quebrada, em Aracati (CE). Os geradores de energia eólica estão a 300 metros
para lembrar o pescador do desmatamento que marcou a chegada da usina e dos
empregos que a empresa não trouxe para a região.
Do outro lado da cidade, no Cumbe, o catador de caranguejos
Ronaldo Gonzaga, de 32 anos, aponta para os cabos de energia expostos no Parque
Eólico Aracati, com 67 torres, e mostra dunas destruídas por estradas e lugares
de onde sítios arqueológicos foram removidos para dar lugar à geração de
energia.
A 250 km dali, conselheiros da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) Ponta do Tubarão (RN) exibem uma lagoa seca. A água foi
retirada para a construção das eólicas Alegria II e Miassaba II, plantada sobre
um talude construído em uma restinga, que dificultou o acesso ao mar.
Considerada ambientalmente limpa, por não emitir
gases-estufa em sua produção, a energia eólica virou alvo de protestos de
moradores de pequenas comunidades, sobretudo no litoral do Ceará e do Rio
Grande do Norte. Eles acusam as novas usinas de usar a alegação de produzir
energia ecologicamente correta como pretexto para aterrar dunas, derrubar matas,
fechar praias, secar lagoas.
Os empregos prometidos, segundo eles, até hoje não
apareceram. E, como anfitriões das usinas, os moradores dizem nunca ter
recebido compensações significativas e compatíveis com os danos que elas causam
ao seu redor.
Estudioso dos conflitos socioambientais ao longo da zona
costeira, o professor Jeovah Meireles, da Universidade Federal do Ceará,
questiona até que ponto a energia eólica pode ser considerada ecologicamente
correta, pelo menos da forma como tem sido implantada em alguns pontos do
Brasil.
"Que energia limpa é essa?", pergunta.
"Primeiro, não estamos pagando menos. Toda a energia está saindo daqui e
não temos o menor benefício com isso", diz o professor. "É a
monocultura eólica", diz, em referência às plantações de cana-de-açúcar
que dominaram a região por séculos.
Um giro pelas estradas da região do litoral cearense e
potiguar mostra que a declaração de Meireles vai além da força de expressão. As
torres de eólicas tomaram conta da paisagem do litoral nordestino.
É assim, por exemplo, na RDS Ponta do Tubarão, uma zona de
exploração sustentável criada em 2003 após quase uma década de mobilização de
ativistas e moradores - inicialmente, contra uma tentativa de estabelecer um
resort, depois contra a criação de camarões em cativeiro em manguezais. Quem
avança pelo Rio Tubarão vê as torres girando dos dois lados. São as usinas de
Miassaba II e Alegria II. Há outras perto.
Os problemas relatados por moradores na Ponta do Tubarão são
muitos. A Lagoa do Carnaubal, por exemplo, resistiu à seca, mas não à
construção das eólicas. "Aqui era uma lagoa. Para fazer a estrada, tiraram
muita água dela, com carros-pipa.
“O resultado é que a lagoa secou”, diz Luiz Ribeiro,
conselheiro da RDS. Ele conta que, diariamente, tiravam mais de 20 carros-pipa
dali. A queixa não é isolada. Em outros pontos do Nordeste, há denúncias de
aterramento de lagoas e uso predatório da água pelas construtoras que montam as
eólicas.
Em um relatório de 2009, o Conselho Gestor da RDS potiguar,
traz uma lista de pontos que deveriam ser considerados para concessão de
licença prévia. Entre eles, está o impacto "ambiental no que diz respeito
ao movimento de terra e aterramento das lagoas e das dunas".
Outro ponto que chama a atenção na Ponta do Tubarão é o
talude de dois metros, erigido na restinga, onde o areal entre o
"rio" e o mar foi estabilizado e recebeu a fila de torres. A
"muralha" dificulta o trabalho dos pescadores. Eles dizem que ficou
muito difícil voltar do mar com o balaio de peixes nas costas e escalar o
"muro". Recentemente, fizeram acessos para facilitar a subida,
considerados insuficientes pelos pescadores.
Pescaria. Ao leme do barco que avança pelo Rio Tubarão, Luiz
Luna Filho, pescador há 25 anos, reclama das mudanças na restinga. "Isso
aqui era cheio de dunas. Mexeram tanto que, em alguns lugares, o pescador não
consegue mais puxar a rede", afirma, referindo-se à rede com três malhas
diferentes, típica da região. "Fica difícil a pescaria assim."
Segundo ele, alguns animais e pássaros sumiram. A causa
provável é o barulho dos aerogeradores, um zumbido surdo e constante. O
relatório do Conselho Gestor já alertava em 2009 que parte do projeto do Parque
Eólico Miassaba estava dentro de uma área de desova de tartarugas marinhas e de
circulação de pescadores.
Outra pesquisa anterior à instalação de eólicas falava dos
sítios arqueológicos na região das usinas. O local começou a ser ocupado com a
chegada dos primeiros pescadores marisqueiros entre 5 mil e 6 mil anos atrás.
Arqueólogos da região recomendaram "a não execução de empreendimentos de
qualquer natureza nesse trecho".
A Bons Ventos, porém, contratou outros arqueólogos, que
retiraram mais de 40 mil peças, encaminhadas ao Museu Câmara Cascudo, no Rio
Grande do Norte, e pôs de pé as usinas.
O professor João Luiz do Nascimento, o João do Cumbe, é um
dos principais líderes dos protestos contra os danos causados pelas usinas. Ele
já liderou três bloqueios na região, um deles por 19 dias. Uma das principais
queixas são os empregos prometidos.
"Chegaram dizendo que iam gerar 1,5 mil empregos. Não
tem 600 pessoas lá." O professor diz ter sofrido uma tentativa de
sequestro por estar à frente dessa causa. Ele foi incluído no Programa de
Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos do governo federal e se
afastou da comunidade.
A percepção de que a chegada das eólicas é negativa,
contudo, não é unânime. Em algumas comunidades, um número maior de pequenos
proprietários passou a alugar terrenos para a instalação das torres, o que
mexeu com a economia local, que passou a receber o que antes quase não tinha:
dinheiro.
"A terra não produzia nada. Hoje eles alugam. Melhorou
a situação", diz a comerciante Maria do Socorro Miranda, vestida com uma
camisa da eólica de Alegria. (OESP)
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