Os mais de 5 mil indígenas
das aldeias Kumenê e Kumarumã, no Amapá, sofrem com um fornecimento
intermitente de energia. A eletricidade, que fica disponível apenas durante
períodos específicos do dia e da noite, vem de geradores alimentados por cerca
de 22 mil litros de óleo diesel que a Companhia de Eletricidade do Amapá/CEA
envia mensalmente para as duas aldeias.
Mas, segundo a antropóloga
Ana Moreira, da Unicamp, nem sempre esse combustível chega às comunidades e, às
vezes, os geradores quebram, trazendo ainda mais instabilidade - especialmente
no atendimento de saúde. Além disso, ela lembra que o modelo de geração
elétrica a diesel gera impactos negativos ao meio ambiente, com o aumento da
poluição atmosférica por gases como óxidos de enxofre, dióxido e monóxido de
carbono, entre outros.
Para amenizar esses
problemas, as duas aldeias receberam, em março deste ano, instalações solares
fotovoltaicas para fornecer energia elétrica renovável aos seus Polos Base de
saúde. Os dias nublados e chuvosos, comuns por ali, não são um empecilho: a
energia gerada pelos painéis fotovoltaicos fica armazenada em baterias capazes
de dar subsídio por até três dias caso a intensidade solar esteja menor.
Realizado por meio de uma
parceria entre a Unicamp, o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e
a empresa francesa Easy Watt, o projeto é financiado pela Embaixada da França e
faz parte de uma iniciativa de segurança energética que deve durar cerca de
seis anos na região. Ana participou desse trabalho, assim como o engenheiro
eletricista e pesquisador da Unicamp Rafael Kotchetkoff Carneiro. "Agora
as geladeiras para manter vacinas e medicamentos, além dos microscópios para
exame de malária, nebulizadores, iluminação e internet podem finalmente ficar
ligados o tempo todo nos hospitais", explica ele.
As vacinas que precisam ser
refrigeradas não são as de covid, já que os indígenas estavam no grupo
prioritário e já tinham sido vacinados quando a equipe chegou. "O problema
maior estava sendo com as vacinas infantis. Os pais precisavam levar as
crianças até a cidade mais próxima, o que significa várias horas de viagem de
barco", completa.
Dias de viagem e muita lama
A execução desse trabalho
levou 14 dias: oito e meio nas comunidades indígenas e cinco e meio de
deslocamento. Saindo de Campinas, o primeiro passo foi pegar um voo de 5 horas
e meia de duração até Macapá/AP. A equipe passou a noite ali para, no dia
seguinte, viajar até o município de Oiapoque por terra.
Ao chegar à cidade, a
primeira parada foi a aldeia de Manga, após uma viagem de uma hora de carro. De
lá, a equipe iria viajar de barco por cerca de 5 horas até Kumenê, mas teve que
esperar: "Não havia combustível para os barcos irem até às aldeias, porque
o caminhão que faz esse transporte estava atolado", lembra Rafael.
"Tivemos que esperá-lo por um dia".
Depois, para chegar à aldeia
Kumarumã, foi necessário mais 3 horas navegando. A Voadeira, o barco usado em
ambos os trajetos, é uma embarcação pequena, que pode ou não ter cobertura
contra a chuva. Nas viagens da equipe, não tinha - e choveu bastante. Em alguns
trechos, a mata avança pelo rio e é preciso descer do barco e empurrá-lo
adiante.
Instalando painéis solares
Os barcos que levam até as aldeias indígenas Kumenê e Kumarumã, no Amapá.
Nas aldeias, a equipe
trabalhou lado a lado com os indígenas. "Nós fizemos uma oficina para
capacitá-los a fazer a instalação, a operação e a manutenção desses
equipamentos", conta o engenheiro. "Eles fizeram tudo com a gente,
desde bater o concreto até a instalação elétrica".
Ter esse conhecimento não
apenas dá autonomia para que os próprios moradores resolvam eventuais
problemas, mas também deve facilitar instalações futuras de painéis que
servirão às casas e outras construções locais. "Nossa ideia é futuramente
substituir ou pelo menos complementar a energia dos geradores a diesel para que
dependam o mínimo possível deles. Quando chegamos, uma das aldeias estava com
metade das casas sem força porque o transformador antigo queimou e seria
preciso buscá-lo de barco na cidade, afirma.
A viagem também serviu para que os pesquisadores da Unicamp fizessem um levantamento da demanda energética dessas comunidades. Assim, poderão planejar melhor os próximos passos. "Descobrimos que a maior parte das casas consome pouca energia. Os equipamentos que mais consomem, além das bombas de água, são teclados, guitarra e caixa de som por causa das igrejas locais", explica Rafael.
Sol leva energia a bases de fronteira e grupos vulneráveis. (uol)
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