domingo, 18 de junho de 2023

Hidrelétrico: um setor consolidado, que ainda guarda desafios em aberto

O hidrelétrico é um setor maduro, mas as novas tecnologias e a digitalização podem tornar as usinas mais eficientes, flexíveis, duradouras e sustentáveis. É por isso que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento estão crescendo, especialmente na Europa.
O setor da energia hidrelétrica abrange uma potência instalada de 1300 GW a nível mundial, e 150 GW na escala da UE. É um setor da vanguarda e maduro, cuja eficiência global das suas usinas ultrapassa 80%. Graças a sua flexibilidade na regularização da energia produzida, representa uma fonte de notável interesse no suporte ao desenvolvimento de outras fontes de energia renovável. Nos últimos anos houve muitos avanços tecnológicos, inovações, patentes e projetos de pesquisa no contexto europeu, demonstrando que se trata de um setor em constante evolução.
O crescimento de patentes e projetos de pesquisa

Embora a hidrelétrica esteja em operação há séculos, novos projetos e abordagens operacionais estão sendo desenvolvidos, visando melhorar a flexibilidade, aumentar a vida útil, reduzir impactos e custos. De fato, se examinamos os dados de 2000 a 2016 em relação aos investimentos públicos em pesquisa e desenvolvimento (Research & Development - R&D) do setor hidrelétrico, 2016 foi o ano com maiores investimentos, cerca de 27 milhões de euros, com a Finlândia em primeiro lugar.

Entre 2000 e 2016, na União Europeia foram gastos 167 milhões em dinheiro público para a R&D, apenas os Estados Unidos e o Canadá gastaram mais. Porém, é com os investimentos privados que a UE ocupa o primeiro lugar, com 1000 milhões de euros, valor 5 vezes superior aos EUA (período 2003-2016). Isso é devido ao fato que na Europa existem grandes empresas com departamentos de R&D na vanguarda, produtoras de turbinas e de usinas hidrelétricas. Na verdade, o número de patentes registradas na Europa no setor hidrelétrico aumentou constantemente de 2004 até hoje, com um número de patentes 5 vezes superior aos EUA, Canadá e Rússia, mas 4 vezes inferior em relação à China (que totalizou cerca de 220 patentes em 2014). Estão aumentando também os projetos de pesquisa financiados pela Comissão Europeia no setor hidrelétrico, em geral voltados ao incremento da flexibilidade das usinas e ao melhoramento da sustentabilidade ambiental. Entre estes, FitHydro (Fish Friendly Innovative Technologies in Hydropower – Tecnologias Inovadoras e Amigas dos Peixes na Energia Hidrelétrica) e X-Flex Hydro (Hydropower Extending Power System Flexibility - Flexibilidade da Extensão do Sistema de Energia Hidrelétrica ) de pouco mais de 7 milhões de euros cada um.

As tecnologias mais inovadoras

Entre as tecnologias inovadoras recentemente introduzidas, que visam aumentar a flexibilidade das usinas existentes, citam-se os mecanismos de controle do fluxo nas turbinas quando operam com rendimento reduzido, a velocidade de rotação variável e novos sistemas de turbinas, que consentem também o funcionamento da turbina em modalidade de bombagem.

A primeira grande usina à velocidade variável encomendada na Europa foi a Goldisthal em 2004, equipada com quatro unidades de bombagem de 265-MW. Além disso, estima-se que a energia produzida por usinas hidrelétricas poderia aumentar em 42TWh anuais através da implementação da digitalização (cerca de 1% a mais por usina) a nível mundial. Neste âmbito, Enel Green Power está trabalhando para desenvolver o algoritmo HydEA per maximizar a energia para usinas multi-grupo e com plano de produção definido.

Para reduzir o risco de mortalidade dos peixes que, infelizmente, poderiam ser arrastados para dentro da turbina, estão em fase de desenvolvimento e realização, novas turbinas ecolόgicas, como as turbinas Alden, Dive e la Minimum Gap Runner. Mesmo tecnologias de baixa queda, como rodas d'água e turbinas VLH, mostram taxas de mortalidade muito baixas em configurações ideais.

Novos potenciais de marés e ondas, recuperação de barreiras e solar flutuante

Estima-se que o potencial das marés e das ondas seja, respectivamente, de 800 e 750 TWh/anuais a nível mundial, em particular 250 e 210 TWh/anuais para os EUA, 94 e 105 TWh/anuais no Reino Unido e 110 TWh/anuais no Canadá (da maré) (Yuce e Muratoglu, 2015), cerca de 1/5 do potencial energético hidrelétrico desenvolvido a nível global.

Um estudo levado ao JRC da Comissão Europeia estima que o potencial de armazenamento de energia mediante usinas de bombagem possa alcançar 29 TWh (conectando entre si barreiras e reservatórios existentes a uma distância de 20 km).

Novas oportunidades estão surgindo também com o retrofitting (readaptação) de usinas existentes, dado que na Europa a idade média delas é de pouco mais de 40 anos, incrementando a energia que pode ser produzida.

A instalação de usinas solares flutuantes nas bacias geradas pelas barragens poderia gerar 4400 GW (6270 TWh) assumindo uma cobertura com fotovoltaica flutuante de 25% dos 265,7 mil km2 das bacias hidroelétricas existentes.

Existe, ainda, a instalação de turbinas hidráulicas em aqueduto, para fins de fornecimentos elétricos locais, ou para a recuperação de barragens existentes. O repowering (repotenciamento) de instalações histόricas com baixos saltos, barragens e moinhos, poderia produzir um potencial máximo dia 8.7 TWh/anual, e 6.8 TWh/anual de eletricidade e poderia ser adicionado melhorando as infraestruturas.

O hidrelétrico continua a ser um setor chave para o abastecimento de eletricidade, bem como uma fonte de inspiração para inúmeros avanços tecnológicos que se encontram para atuar num contexto multidisciplinar. Apesar da construção de grandes usinas na UE estar agora na fase de esgotamento, enquanto em outras áreas continua crescendo (China, América do Sul, Balcãs), as oportunidades de desenvolvimento de novas tipologias de usinas fazem com que o setor hidrelétrico continue vivo, principalmente na otimização e na recuperação de barragens e usinas existentes.

Emanuele Quaranta

Responsável Científico no Joint Research Centre (Centro Comum de Investigação) da Comissão Europeia

Engenheiro hidráulico, trabalha como Responsável Científico no Joint Research Centre (Centro Comum de Investigação) da Comissão Europeia, com a qual já havia colaborado em tecnologias emergentes no setor hidrelétrico.

De 2014 a 2019 foi pesquisador do Politécnico de Turim, onde obteve o doutorado, ganhando, em 2017, o prêmio de melhor tese italiana em engenharia hidráulica. Seu campo de pesquisa está relacionado à energia hidrelétrica, ao nexo entre água e energia e às soluções baseadas na natureza. Colabora também com a International Energy Agency e com o SINTEF Energy Research sobre a interação entre energia hidrelétrico e peixes.

É refere científico de periódicos e congressos internacionais, divulgador científico em publicações de empresas e associações internacionais, como a International Hydropower Associaton, Prescouter, Qual Energia e Solar Power World, e curador de uma edição especial sobre o futuro do setor hidrelétrico para a revista internacional Sustainability MDPI. (enelgreenpower)

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