Concessões de distribuição de
energia devem priorizar serviços aos usuários e garantir acesso à rede
inteligente.
Eventos climáticos extremos
reacendem o debate sobre o atual modelo de atuação das distribuidoras de
energia elétrica e a forma de renovação das concessões deste serviço. Neste
artigo para a pv magazine, Christian Cecchini e Marina de Santana Souza, da
Absolar, defendem que os serviços de rede para o usuário final e o
desenvolvimento das chamadas redes inteligentes, estáveis e multidirecionais,
devem ser as bases para guiar a renovação.
Os eventos climáticos
extremos no País, que têm assolado de forma recorrente várias cidades
brasileiras e causado inúmeros prejuízos econômicos, sociais e ambientais, a
exemplo da ocorrência na capital paulista em 11/10, que deixou mais de 1,4
milhão de consumidores no escuro por mais de 72 horas, reacendem de forma
crítica o debate sobre o atual modelo de atuação das distribuidoras de energia
elétrica e a consequente forma de renovação das concessões deste serviço.
Atualmente em análise pelas
autoridades brasileiras, a renovação dessas concessões deve endereçar dois
pontos basilares para o serviço de distribuição de energia elétrica. O primeiro
é deixar claro que o papel das distribuidoras não é a compra e venda de
energia, mas sim a distribuição propriamente dita, com foco em serviços de rede
para o usuário.
O segundo, não menos
importante, é praticamente um desdobramento do primeiro, que seria a
necessidade de direcionar os investimentos e os esforços para a consolidação
das chamadas redes inteligentes, estáveis e multidirecionais.
O correto direcionamento
desses recursos deve, portanto, caminhar para a atualização necessária da rede,
a fim de que possa absorver os serviços de redes 4.0 e, com isso, ser
devidamente remunerada, criando assim mais formas de utilização e novos
mercados de serviços no setor de energia elétrica.
Fato é que, com a abertura
prevista de todo o mercado para o ambiente livre de contratação nos próximos
anos, o avanço da geração própria solar e a maior inserção dos sistemas de
armazenamento energético nas unidades consumidoras, deverá ficar claro para as
distribuidoras que o foco será a prestação adequada de serviços aos usuários da
rede.
A atualização da rede para
oferecer os serviços da próxima geração, ou seja, a rede 4.0, já é uma
necessidade real dos consumidores brasileiros e deve agregar diversas
tecnologias, como inteligência artificial, internet das coisas, monitoramento e
controle eficientes, entre outros. Tudo isso demandará uso de microrredes, de
sistemas de armazenamento e de outras soluções em pontos onde os estudos se
mostrarem necessários.
Além de apontar as falhas e
desafios, o caminho para a renovação das concessões de distribuição de energia
elétrica deve ser pautado em soluções práticas e eficazes. Nesse sentido, é
imperativo que a regulação avance na criação de mecanismos que incentivem a
modernização da infraestrutura de rede. Exemplos bem-sucedidos de países que já
implementaram redes inteligentes, como os Estados Unidos e a Alemanha, podem
servir de inspiração. Em ambos os casos, foram implementados programas de
incentivo à digitalização das redes, com o uso de tecnologias como medidores
inteligentes, que permitem maior controle e gestão do consumo por parte dos
usuários.
Outro ponto fundamental no
processo de renovação das concessões é a garantia de que que todos possam
acessar a rede e ter seus serviços e direitos preservados, incluindo os
consumidores que possuem sistemas de geração própria ou distribuída. Vale
ressaltar que já existem muitos indicadores de qualidade na prestação de
serviço, porém esses indicadores são apurados pelas próprias distribuidoras e
não sofrem a adequada fiscalização do regulador. Assim, acreditamos que uma
fiscalização e publicidade independente e eficiente por parte da ANEEL possa
endereçar esses desafios.
Ainda sobre o acesso à rede,
a renovação das concessões deve contemplar uma solução definitiva para as
recorrentes negativas de conexão de usuários que, no pleno exercício do seu
direito, buscam instalar sistemas solares em seus imóveis, bem como equacionar
as alegações de inversão de fluxo de potência pelas distribuidoras, sem a
apresentação prévia de estudos técnico comprobatórios.
Tais alegações são
tecnicamente insustentáveis. Os componentes elétricos são fabricados para o
fluxo em qualquer sentido, desde que respeitados os limites térmicos. O que
pode necessitar é apenas uma parametrização para uma resposta mais adequada dos
equipamentos locais. Não se pode permitir que as concessionárias usem brechas
regulatórias para exercer o poder de monopólio e restringir o direito do
consumidor de gerar a própria energia.
Há também a necessidade de
coibir eventuais práticas anticompetitivas na geração distribuída. Quando foi
feita a alteração do modelo estatal verticalmente integrado para o modelo
privatizado desverticalizado, tomou-se o cuidado de estabelecer que empresas de
distribuição não poderiam ter atividades de geração e comercialização, além da
atribuição da responsabilidade pela fiscalização ao órgão regulador. Tal
fiscalização deve monitorar casos de desvios de conduta, como possíveis
compartilhamentos de informações concorrencialmente sensíveis entre as
distribuidoras que compartilham o mesmo ambiente corporativo com outras
empresas do seu grupo econômico que atuam com geração distribuída, promovendo
um ambiente justo de competição entre todos.
Diante dos desafios e
oportunidades identificados, é imprescindível que o processo de renovação das
concessões de distribuição de energia elétrica seja conduzido com foco na
transparência, eficiência e inovação. O futuro do setor eletroenergético
brasileiro depende da adoção de redes inteligentes, capazes de integrar novas
tecnologias e acomodar o crescimento da geração própria ou distribuída,
garantindo que todos os usuários tenham acesso a um sistema moderno, confiável
e competitivo.
A modernização da rede não é
apenas uma necessidade tecnológica, mas também uma oportunidade de reestruturar
o setor, promover a inclusão de novos atores e corrigir distorções históricas,
como a falta de clareza na formação das tarifas. Com uma regulamentação mais
robusta, que promova a fiscalização independente e o livre acesso à rede, o
Brasil poderá alcançar um equilíbrio justo entre a geração de energia a baixo
custo e tarifas mais acessíveis para o consumidor.
Somente com uma abordagem
proativa e colaborativa, envolvendo o governo, empresas e a sociedade civil,
será possível responder à pergunta que paira sobre o setor elétrico: como
garantir que a transição energética seja, de fato, benéfica para todos os
brasileiros?
Autores:
Christian Cecchini –
especialista técnico-regulatório da ABSOLAR.
Marina de Santana Souza –
vice coordenadora do grupo de trabalho de geração distribuída da ABSOLAR.
(pv-magazine-brasil)