quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Regulação e investimentos na produção de etanol

A disponibilidade adequada de energia é um elemento estratégico para um país, por isso normalmente é objeto de regulação e de outras políticas públicas. As fontes de energia renováveis, por seu turno vêm recebendo atenção especial em muitas nações, uma vez que contribuem para a redução da dependência das fontes de energia fóssil, mitigando também a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE).
No caso dos biocombustíveis, é preciso enfrentar problemas intrínsecos à produção agrícola como: a possível competição pela terra; a sazonalidade da produção; efeitos das intempéries climáticas (que geralmente explicam as quebras de safra) e; as relações de trabalho no campo.
No setor sucroenergético, em particular, a interação interdependente dos mercados de etanol, açúcar e energia elétrica adiciona incerteza aos cenários sobre os quais os agentes têm de tomar decisões, uma vez que cada um desses mercados tem uma lógica própria. Se por um lado esses produtos podem ser hedges naturais entre si, por outro podem dificultar a coordenação setorial quando há maior flexibilidade na produção entre eles. A oferta de etanol reflete as decisões de produção de agentes independentes atuando em um mercado com um grau concentração relativamente baixo. Nesse contexto, as expectativas particulares dos produtores quanto ao preço e a demanda do etanol (e de açúcar) determinam a escolha do mix de produção mais rentável ao usineiro.
Diante de uma estrutura de mercado fragmentada e da forte expansão recente da indústria sucroenergética, a necessidade de um novo marco regulatório para os biocombustíveis ficou evidente. Ele atuaria no sentido de aumentar a estabilidade do setor no que se refere aos níveis de: preços, oferta e relação risco-retorno. Assim, haveria maiores incentivos aos investimentos greenfield, que começaram a se escassear recentemente após o ciclo econômico internacional, pois afetou muito a liquidez dos produtores e distorceu o mercado. O novo arcabouço jurídico-regulatório deveria conferir o nível adequado de segurança jurídica para estimular os investimentos em infraestrutura de transporte e ampliar a oferta de etanol.
É desejável que os diferentes instrumentos de regulação estejam centralizados na ANP – reduzindo as portarias e decretos ao número estritamente necessário à garantia da flexibilidade regulatória.
São necessárias regras que:
1) contribuam com o aprimoramento da infraestrutura logística – para a utilização de distintos modais, em especial, os álcooldutos –;
2) incentivem a manutenção de estoques reguladores no mercado;
3) garantam o melhor aproveitamento do potencial de bioeletricidade de cana na matriz energética. Os principais tópicos a serem tratados pelo marco regulatório referem-se à comercialização, à pesquisa e desenvolvimento tecnológico, aos álcooldutos, à geração de empregos, a aspectos tributários; aos mandatos de mistura – critérios de mudança em caso de quebras de safra. O objetivo é reduzir um pouco às incertezas e permitir que o mercado funcione melhor.
As modelagens recentes da demanda por combustíveis para veículos de ciclo Otto no Brasil apontam que o mecanismo de preço vem funcionando, pois a elasticidade-preço da demanda do etanol aumentou. A substitutibilidade entre os dois concorrentes impede o desabastecimento de etanol no mercado, à medida que o mecanismo de preço reorienta a demanda para a gasolina. Assim, a mudança nos preços relativos promove os ajustes no mercado, a despeito do efeito “hábito de consumo” de etanol e da baixa elasticidade-preço da demanda dos combustíveis para ciclo Otto analisados em conjunto.
O crescimento no consumo de etanol nos últimos anos potencializou os investimentos em nova capacidade produtiva. Todavia, tais inversões não constituíram uma bolha que teria se estourado. Os problemas de liquidez supracitados e a necessidade dos produtores de gerar caixa que engendraram uma espécie de sobreoferta que deprimiu os preços e fragilizou temporariamente o setor. Entretanto, esse momento também criou a oportunidade para a intensificação da consolidação do setor (ainda pouco concentrado). Este processo tem uma funcionalidade clara: melhorar a capacidade financeira do setor. Assim, os produtores podem ajustar melhor as quantidades e formar estoques, evitando grandes oscilações na oferta e nos preços, bem como promover a expansão dos canaviais no ritmo adequado.
A sucessão de períodos de sobreroferta de etanol no passado recente está relacionada com a dificuldade de coordenação do setor diante de uma estrutura de mercado desconcentrada e o lapso temporal existente entre as mudanças de preço na usina e alterações para o consumidor. Tais condições atrasam a transmissão de sinais de mercado necessários aos ajustes entre oferta e demanda. Em outros termos, os preços do etanol na bomba não variam no mesmo ritmo que as mudanças dos preços na usina, ocasionando em diversos momentos o excesso de oferta do combustível na origem.
A fragilidade institucional gera ineficiências na ponta da comercialização, expressando dificuldades na auto-coordenação do mercado. Não é fácil lograr a coordenação estritamente por meio de sinalizações de mercado com uma estrutura de mercado pouco concentrada. No entanto, após a experiência do último ciclo econômico o setor indica que não pretende investir para aumentar muito a oferta, bem como começa a corrigir suas margens de lucro após alguns períodos em que elas estiveram apertadas. Todavia, dentre outras coisas é preciso melhorar a institucionalidade para que o setor sucroenergético nacional eleve a produção e seus retornos a partir do vetor exportações.
A indústria sucroenergética brasileira se beneficia do uso da cana-de-açúcar como matéria-prima, pois ela tem o menor custo com baixo impacto ambiental. Na análise do ciclo de vida do produto o etanol brasileiro de cana de açúcar é produzido com pouca energia e baixa emissão de gases de efeito estufa. A capacidade de reduzir as emissões em mais de 60% levou os EUA a caracterizá-lo como combustível avançado. Se do ponto de vista ambiental o etanol de cana é superior ao concorrente originário do milho, do ponto de vista econômico sua posição de liderança precisa ser qualificada. A maioria dos estudos de competitividade ignora os custos de transporte do etanol de cana-de-açúcar. Na prática as vantagens do etanol de cana dependem do câmbio, do preço da matéria-prima, do transporte e da influência dos subprodutos de cada processo produtivo, os quais reduzem os custos operacionais. Isso sem considerar as barreiras tarifárias ao comércio internacional. Os custos operacionais na produção dos dois tipos de etanol são parecidos, enquanto o custo da matéria-prima no Brasil é bem inferior ao do milho americano.
Em janeiro de 2010, o etanol brasileiro esteve mais caro do que o etanol norte-americano. Depois da quebra da safra da cana de açúcar na Índia em 2009 os produtores nacionais passaram a exportar mais açúcar para aquele país e o preço do etanol brasileiro subiu. Naquele mês o metro cúbico do etanol nos EUA valia US$ 470, enquanto no Centro-Sul do Brasil ele estava em US$ 740. Essa diferença de quase US$300 era mais do que suficiente para bancar o frete, os impostos e as taxas. No entanto, a diferença nas especificações técnicas teria sido um grande obstáculo às importações de etanol americano. O etanol brasileiro pode, no máximo, ter 0,5% de água, enquanto o americano sai da usina com 0,9%. A importação dos EUA exigiria a desidratação do produto, o que onera o produto. Para exportar etanol de cana para os Estados Unidos o Brasil precisa apenas de acrescentar água ao combustível. Além de problemas conjunturais, os produtores brasileiros enfrentam obstáculos de natureza tarifária às exportações do produto. O mercado internacional do etanol ainda é incipiente, caracterizando-se por um elevado grau de concentração, o que dificulta o produto se tornar uma commodity global.
Enfim, as políticas públicas voltadas para o setor sucroenergético devem promover ganhos de eficiência e a estabilidade setorial capazes de criar as condições para um crescimento coordenado da oferta. Nossas projeções para produção futura de etanol, apresentadas no Rio Oil & Gás 2010, alertam para a possibilidade de insuficiência na oferta quando comparadas a algumas projeções de demanda conhecidas pelo mercado. Nessas condições é preciso haver um marco regulatório que contribua com a coordenação do mercado e com a promoção dos investimentos em nova capacidade produtiva no ritmo da evolução da demanda. (ambienteenergia)

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