Jornalista do New York Times descreve a devastação da usina nuclear japonesa de Fukushima
Funcionários Da Companhia de Energia Elétrica de Tóquio e repórteres visitam usina nuclear danificada pelo último terremoto no Japão, no dia 12 de novembro.
A característica mais impressionante na Usina Nuclear de Fukushima, no Japão, não eram os prédios dos reatores explodidos ou as paredes improvisadas contra o tsunami, mas a bagunça caótica.
O terreno em torno dos prédios dos quatro reatores estava cheio de caminhões destruídos, vigas de metal torcidas e estruturas de prédios quebradas. Todos quase da mesma forma como estavam logo depois que um dos maiores terremotos registrados deu início a uma reação em cadeia que devastou a região e, em certa medida, o Japão. Os danos atingiram o segundo andar, num testemunho do tamanho aterrador do tsunami que atingiu os prédios dos reatores, mesmo eles estando há dez metros do nível do mar.
Num país compulsivamente organizado como o Japão, o fato de o cenário ter mudado tão pouco desde o desastre de oito meses atrás é um sinal que demonstra a intimidadora tarefa que os trabalhadores enfrentaram para controlar os três reatores danificados da usina.
A visita da imprensa ao local, a primeira desde que o desastre aconteceu em 11 de março, pareceu uma forma de a Tokyo Electric Power Co. declarar que está confiante de que está quase estabilizando a usina.
A mensagem foi transmitida pelo ministro que supervisiona a resposta do governo ao acidente nuclear, Goshi Hosono, que visitou a usina junto com os jornalistas. Dirigindo-se a centenas de funcionários espremidos no centro de resposta a crises da usina, Hosono elogiou seu trabalho duro em condições difíceis e perigosas.
“Vocês conseguiram colocar um fim à situação extremamente excruciante que enfrentamos em março e abril”, disse Hosono, que usava o uniforme azul dos trabalhadores. “É por isso que conseguimos chegar onde estamos agora.”
A conversa esperançosa tratou superficialmente algumas verdades mais inquietantes. Há apenas duas semanas, a Tepco anunciou que havia encontrado sinais de que um dos núcleos dos reatores pode ter tido uma nova explosão de fissão, um sinal temeroso de que a companhia pode não estar tão perto de estabilizar a usina como diz. E mesmo quando este estágio for alcançado, o país enfrentará décadas de limpeza cara antes que a região em torno da usina possa se tornar habitável novamente.
Embora ninguém tenha morrido no acidente nuclear, os custos ambientais e humanos ficaram claros durante o trajeto de 20 quilômetros pela zona de evacuação até a usina.
As plantas descuidadas do lado de fora de uma floricultura abandonada estavam secas, e mortas. Corvos tomaram conta de um posto de gasolina. Os dosímetros dos jornalistas no ônibus apitavam constantemente, registrando níveis de radiação que aumentavam a cada quilômetro: 0,7 microsieverts em Naraha, na borda da zona de evacuação; 1,5 em Tomioka, onde casas em estilo da Bavária serviam como centro de recepção para Fukushima Daiichi. Era lá que os visitantes japoneses recebiam a informação de que a energia nuclear era segura.
Atualmente o nível é cerca de 13 vezes maior que a dose máxima anual recomendada para civis.
Na usina, os jornalistas, vestidos com macacões anticontaminação, foram mantidos no ônibus por causa dos níveis muito mais altos de radiação que havia ali.
Os funcionários da companhia que estavam no ônibus estavam ansiosos para mostrar uma das principais realizações da companhia até agora: a conclusão de uma imensa superestrutura construída sobre o reator 1, destinada a limitar ou impedir o vazamento. A companhia disse que uma tampa semelhante logo será construída sobre o reator 3, severamente danificado.
Os guias da visita também apontaram para um complexo de grandes tendas brancas reforçadas na base com sacos pretos de areia para proteger os funcionários da radiação, com bandeiras norte-americanas, francesas e japonesas sobre a entrada. As tendas abrigavam um massivo sistema construído por um grupo de companhias multinacionais para descontaminar a água.
A água faz parte de um novo sistema de resfriamento que a Tepco disse que finalmente conseguiu reduzir as temperaturas no núcleo dos reatores danificados abaixo dos 100ºC, um passo necessário para atingir o que é conhecido como “fechamento a frio”. O sistema substitui as medidas desesperadas de resfriamento tomadas depois que o sistema ordinário foi destruído pelo tsunami, quando caminhões de bombeiro jogaram água nos reatores em tentativas desesperadas de evitar o superaquecimento e um derretimento ainda maior.
Dezenas de caminhões de incêndio ainda estavam na usina, bem como um campo de tanques prateados de quatro andares recém-construídos para abrigar a maior parte das 90 mil toneladas de água contaminada que foi jogada nos reatores.
Esse número ajuda a explicar a magnitude do que aconteceu em Fukushima e os desafios pela frente. Outro número que conta a história: até agora, a Tepco guardou 480 mil conjuntos de roupas de proteção, descartadas a cada vez que eram usadas pelos trabalhadores.
A estrela da coletiva de imprensa foi Masao Yoshida, gerente da usina e um homem hoje reverenciado por sua resistência depois de meses de trabalho cansativo e com frequência desanimadora.
Durante a coletiva, ele, sobretudo, ateu-se à mensagem que a Tepco queria transmitir: “Não tenho dúvidas de que os reatores foram estabilizados”, disse ele. Mas num eco de sinceridade que ganhou a admiração do então-primeiro-ministro, Naoto Kan, no ápice da crise, ele acrescentou uma nota de precaução: “ainda há perigo”.
Esta visão é compartilhada por muitos especialistas nucleares, que dizem que ainda existem desafios sérios.
O maior é o fato de que a companhia não sabe a condição exata do combustível dentro dos reatores 1 e 3, cujos núcleos parecem ter derretido além dos recipientes internos de contenção.
“O fechamento a frio é uma indicação de que a fase de acidente terminou”, disse Akira Tokuhiro, professor de engenharia nuclear na Universidade de Idaho, “mas a próxima fase de limpeza levará mais de 20 anos.”
Outro desafio será limpar o prédio que abriga o reator 4, onde a piscina altamente radioativa para os tubos de combustível usados ficou muito danificada. Do ônibus, o guindaste verde sobre a piscina estava totalmente visível uma vez que todo o lado sul do prédio parece ter sido destruído por uma explosão de hidrogênio em março.
O prédio do reator 3 estava ainda mais danificado, reduzido a uma estrutura que desabou numa pilha de escombros.
O ônibus continuou andando até as áreas mais contaminadas na base dos reatores para limitar o tempo lá e, assim, a exposição à radiação. Quando ele se aproximou, um detector de radiação no ônibus saltou para 300 microsieverts por hora – alto o suficiente para atingir a dose máxima recomendada anualmente em apenas três horas.
Os únicos seres humanos visíveis na usina eram grupos de trabalhadores com roupas de proteção e capacetes amarelos ou vermelhos. Eles pareciam fora do lugar entre as florestas tranquilas de pinheiros que se espalham pela maior parte do terreno da usina, ainda povoadas por libélulas.
Um dia antes da visita, os jornalistas receberam instruções sobre como colocar suas roupas de proteção e fizeram uma visita às máquinas avançadas de detecção que monitoram a exposição dos trabalhadores à radiação. A detecção acontece no J-Village, um centro de treinamento da seleção nacional de futebol no limite da zona de evacuação que foi transformado em ponto de encontro para os funcionários da usina.
Um funcionário, Hiroyuki Shida, 57, disse que as condições na usina melhoraram muito com os novos confortos como uma sala para os funcionários e um refeitório. Mas ele disse que a batalha para estabilizar a usina ainda não terminou.
“O humor dentro de Fukushima Daiichi está bem diferente agora”, disse Shida, que monitora o lixo contaminado. “Agora, os níveis de radiação não estão tão altos do lado de fora dos prédios. Mas eles ainda estão altos dentro dos prédios dos reatores. E há lugares quentes, então precisamos ter cuidado.”
Essa precaução pode ser observada no único prédio dentro da fábrica onde as roupas de proteção não são necessárias. Os jornalistas visitantes passaram por uma série de salas onde equipes de trabalhadores cortavam sistematicamente as camadas de roupas protetoras com tesouras. O descarte é feito em estágios para limitar a contaminação; as botas ficavam numa sala, o macacão em outra.
Dentro do centro, as paredes estão cobertas de origamis de garça, o símbolo da realização dos desejos, nesse caso do desejo pela segurança dos corajosos funcionários e pela resolução da crise. Também há pôsteres cobertos com autógrafos e palavras de encorajamento.
“Fiquem firmes”, diz um. “Por Fukushima, pelo Japão e pelo mundo.” (EcoDebate)
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