Mesmo após oito meses da parada, reação de fissão na usina nuclear de Fukushima continua
O combustível da usina nuclear de Fukushima, no Japão, continua com sua reação de fissão. Pelo menos foi o que informou ontem a companhia elétrica que opera a central, Tepco, depois de detectar xenônio, um gás produto da reação atômica, no reator 2. Isso quer dizer que quase oito meses depois que o tsunami deixou a usina em ruínas, e apesar do anunciado, os reatores ainda não estão em parada fria. Como nos primeiros dias do acidente, ontem a Tepco derramou ácido bórico, que absorve nêutrons, para frear a reação no núcleo.
“Devido à presença de xenônio, podemos ter certeza de que alguma criticidade isolada aconteceu durante um período curto de tempo”, declarou Junichi Matsumoto numa coletiva de imprensa. A criticidade é o estado de uma central quando uma reação nuclear controlada está em andamento. “Acreditamos que isso não terá impacto no ambiente em torno da central, já que não há mudanças nos parâmetros da usina”, declarou um responsável da Agência Nuclear japonesa, NISA.
A Tepco já cobriu o reator número 1 e as temperaturas dos três reatores mais afetados estavam abaixo dos 100 graus, o que fazia supor que a usina estava controlada porque a água que refrigera o núcleo não ferve e garante o resfriamento. O professor de engenharia nuclear da Escola Politécnica de Madri Eduardo Gallego explica que, “se há xenônio é porque houve uma fissão recente. Não é possível que seja antiga, porque a vida do xenônio é relativamente curta”.
Os ecologistas viram o anúncio de forma crítica. Carlos Bravo, da campanha nuclear do Greenpeace, declarou: “implica que estão muito longe de alcançar a parada fria e que ainda resta muito trabalho. Seria imprudente deixar as pessoas voltarem a morar perto da usina”.
Embora Fukushima tenha desaparecido da imprensa em boa parte do mundo, isso não significa que o que acontece ali não tenha importância. No Japão, proliferam informações do surgimento de “pontos quentes” de radiação inclusive longe da usina. Os colégios de cidades como Koriyama (90 quilômetros a oeste) estão retirando uma camada de terra porque detectaram césio. A controvérsia chegou a tal ponto que na terça-feira o deputado e porta-voz do Executivo, Yasuhiro Sonoda, bebeu água descontaminada de Fukushima. Ele o fez diante da insistência dos jornalistas que o escutavam com ceticismo defender a descontaminação. A mão de Sonoda tremeu ligeiramente quando colocou água no copo.
O acidente de Fukushima continua e continuará durante muito tempo envolto em incertezas. Uma pergunta evidente é a de quanta radiação foi emitida, quanta radioatividade saiu dos quatro reatores danificados pelo tsunami. A resposta começa a ser vislumbrada agora. Um estudo internacional, do qual participaram dois especialistas da Universidade Politécnica da Catalunha, estimou que a emissão radioativa é de 42% do dispersado no acidente de Tchernobil. A pesquisa ainda precisa ser revisada, e tem incertezas, mas eleva significativamente o dado fornecido pelo Japão, que estimava a emissão em cerca de 10% do acidente na Ucrânia, em 1986.
A equipe, liderada pelo alemão Andreas Sothl, do Instituto Norueguês para a Investigação do Ar, realizou a primeira análise com dados da radiação registrada em todo o hemisfério norte. Não só utilizaram os do Japão, mas também acrescentaram dados das estações disseminadas por todo o mundo, de um tratado internacional contra os testes atômicos não autorizados. Entre os nove pesquisadores que assinam o estudo estão Carlos Tapia e Arturo Vargas, da Universidade Politécnica da Catalunha. O estudo ainda não foi publicado, apenas numa revisão online para a revista “Atmospheric chemistry and physics” e gerou debate entre os cientistas.
Seu resultado é que a emissão de césio-137 radioativo esteve entre 23.300 e 50.100 terabequeréis, quando os números dados pelo Japão falavam de 15 mil terabequeréis. “Pode parecer uma incerteza muito alta, mas neste tipo de estudo não é muito”, explicou Stohl por telefone, e admitiu que seu cálculo “é maior do que o do Japão”. O especialista adverte que demorarão “uns cinco anos” para que a comunidade científica concorde sobre qual foi a emissão de Fukushima: “de tempos em tempos ainda saem estudos sobre Tchernobil”.
Stohl explica que o Japão teve sorte que nos dois primeiros dias do acidente o vento estava soprando em direção ao oceano, embora alguns dias depois tenha voltado para o interior e a chuva tenha depositado quantidades relevantes de contaminação no país. Os cientistas reconstruíram como os picos de emissão coincidem com as explosões de hidrogênio dos reatores e apontaram que deve ter havido uma emissão da piscina de combustível do reator 4. “A emissão começou a baixar quando começaram a lançar água dos helicópteros, assim parece que fez efeito”, explica Stohl.
O normal é calcular qual pode ser a dispersão de um material quando se conhece o quanto foi emitido. Como neste caso não havia medição no local, utilizaram o modelo inverso: tomaram a radiação registrada e reconstituíram o foco pelo computador. A equipe tinha tudo em andamento porque estava preparada para estudar as cinzas do vulcão islandês Eyjafjallajökull.
Roberto San José, que dirige o Grupo de Modelos e Software para o Meio Ambiente da Universidade Politécnica de Madri, valoriza o trabalho mas insiste que há incertezas. “Ao aplicar o modelo o resultado é de mais do dobro do que o Japão disse e eu veria isso com cuidado, mas é maior, e não menor”.
O responsável de energia nuclear dos Ecologistas em Ação e físico nuclear, Francisco Castejón, destaca que todos esses estudos “não procedem do Japão, nem sequer de órgãos oficiais, que atuam sem transparência”. Castejón opina que já não faz sentido mudar a escala internacional de acidentes nucleares para diferenciar Fukushima e Tchernobil, porque ambos os vazamentos “estão na mesma ordem de magnitude”.
Não é a primeira vez que os dados da emissão de Fukushima vêm do estrangeiro. O IRSN (Instituto de Radioproteção e Segurança Nuclear), organismo público francês, acaba de calcular que se trata da maior emissão radioativa para o mar da história. Até metade de julho, a descarga no oceano havia sido de 27.1015 bequeréis, embora acrescente que “a localização de Fukushima permitiu uma dispersão excepcional dos radionúclidos”. O estudo afirma que pode ter césio depositado no fundo do mar o que levaria a ter de controlar a situação durante muito tempo. Gallego considera que o estudo é “tremendamente sério e é lógica a recomendação de que se vigie o ambiente marinho”. (EcoDebate)
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