Fabricantes de equipamentos reclamam da falta de informação aos
consumidores e da ausência de um financiamento específico.
Em tempos de crise no setor elétrico e ameaças de falta de
abastecimento, a microgeração de energia poderia ser um alento para milhares de
consumidores do País. A possibilidade de abastecer o consumo doméstico com o
uso de painéis solares ou microtorres eólicas e, além disso, repassar sobras dessa
energia para a linha da distribuidora, teve suas regras definidas em abril de
2012. Até hoje porém, essa alternativa ainda é tratada como tema para
excêntricos.
Os dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontam que,
passados mais de dois anos da regulamentação da microgeração, apenas 290 casas
em todo o País tiveram seus painéis solares oficialmente plugados na rede de
energia. Quanto à microgeração eólica, o número de residências registrado na
agência não chega a 20.
O resultado pífio está ligado, basicamente, a dois problemas: preço
caro e burocracia. Os fabricantes de equipamentos de microgeração reclamam
ainda da falta de informação dos consumidores sobre os benefícios da tecnologia
e da ausência de financiamento específico para estimular o interesse nos
projetos.
Hoje a instalação de um projeto solar desenhado para atender a uma
família de cinco pessoas, por exemplo, não sai por menos de R$ 15 mil. Se a
opção for pela geração eólica, a conta sobe em pelo menos 40%. A instalação desses
projetos, que poderia ser feita em poucos dias, tem levado em média seis meses,
por causa de desentendimentos com as distribuidoras de energia.
"Quem instala um projeto de microgeração fica feliz com o
resultado. É algo que gera satisfação pessoal, além da economia na conta de
luz. Mas realmente ainda enfrentamos algumas dificuldades", diz Hans
Rauschmayer, diretor da Solarize, empresa especializada em consultoria para
projetos de microgeração.
Com sede no Rio de Janeiro, Rauschmayer experimentou a tecnologia na
própria veia. Em um ano conectado à rede da Light, conseguiu reduzir sua conta
de luz em mais da metade do valor, com economia de R$ 1.266. "Em dez anos,
o projeto paga o investimento", diz o especialista. Os ganhos ecológicos
também são representativos: mais de 1,5 tonelada de gás carbônico deixou de ser
lançada na atmosfera.
Chegar a esse resultado, no entanto, às vezes não é tão simples. Quatro
meses atrás, o administrador aposentado Aresio Teixeira Peixoto conclui a
instalação de um projeto solar para sua casa, em Brasília. Gastou R$ 25 mil.
Com uma conta de luz mensal de cerca de R$ 350, Peixoto espera que seu custo
caia para R$ 60 por mês.
O problema é que seu sistema de geração ainda não foi reconhecido pela
CEB, distribuidora de energia de Brasília. "Hoje já consigo gerar a maior
parte da energia consumida pela casa, mas a CEB não reconhece isso e continua a
fazer a cobrança integral da conta. Já reclamei várias vezes. Na última vez
ouvi que o setor tributário da distribuidora não consegue reconhecer a minha
geração", diz Peixoto.
Erro
Procurada pela reportagem, a CEB informou que "reconhece que houve
erro de procedimento na leitura da unidade consumidora" e que "as
faturas de setembro, outubro e novembro serão revistas e as diferenças compensadas
nas faturas posteriores".
Não se trata de uma queixa isolada. Uma das principais reclamações de
usuários do sistema e até mesmo dos fabricantes e instaladores de equipamentos
é a indiferença com que as concessionárias têm tratado o assunto. "Algumas
distribuidoras demonstram uma atitude mais aberta e amigável à geração
distribuída, enquanto outras ainda enfrentam dificuldades para adaptar seus
procedimentos e o atendimento ao cliente, seja antes ou após a
instalação", conclui um estudo feito pelo Instituto Ideal, especializado
em energias alternativas.
Pelas regras da Aneel, as distribuidoras tinham até dezembro de 2012
para adaptarem seus sistemas e a rede elétrica à microgeração. "Esse prazo
foi claramente desrespeitado. Projetos que poderiam ser concluídos em dois
meses levam, em média, seis meses", diz Hans Rauschmayer, da Solarize.
Com forte incidência de sol e vento, o Brasil é um dos países mais
privilegiados para expansão da microgeração. Estudos feitos pela Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) apontam que poderiam ser gerados 287 terawatts-hora
por ano no País, somente no ambiente residencial. Isso significa 2,3 vezes o
consumo residencial de energia verificado hoje.
Para entender
Em fevereiro de 2012, a Aneel regulamentou a microgeração de energia
elétrica no País. Em dezembro daquele ano, a agência publicou as normas para as
distribuidoras de energia conectarem seus consumidores à rede elétrica.
O modelo de microgeração que começa a ser difundido no Brasil baseia-se
na chamada “geração distribuída”, em que o consumidor pode enviar para a
distribuidora a energia que não consumir. Essa deve ser devolvida em créditos
na conta de luz e abatida de seu consumo.
A microgeração já é adotada há muitos anos em países da Europa, como
Itália e Espanha. Na Alemanha, onde está mais consolidada, cerca de 1,5 milhão
de residências já possuem sistema de microgeração elétrica. (OESP)
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