Pesquisadores
trabalham para que a macaúba se torne uma cultura agrícola comercial, capaz de
fornecer matéria-prima para a produção de biocombustíveis. Estudos realizados
pela Embrapa Cerrados (DF) indicam que a palmeira tem potencial para produzir
até oito toneladas de óleo por hectare, além de gerar tortas alimentícias para
animais e biomassa para carvão vegetal. Além da pesquisa, indústria
processadora e agricultores atuam para alavancar a produção, capaz de ampliar a
renda e empregos para agricultores familiares. Eles poderão atender à demanda
das indústrias compradoras de óleo por matéria-prima de qualidade. A oferta
hoje é pequena, mas pode crescer com a disposição de toda cadeia produtiva.
"Estamos
trabalhando para viabilizar as tecnologias de produção em escala", explica
o pesquisador Marcelo Fideles, um dos coordenadores dos programas de
agroenergia da Unidade. O desafio é superar limitações tecnológicas para
estabelecer um sistema de cultivo racional, com a oferta de cultivares e
recomendações para adubação, plantio, irrigação e condução da lavoura.
Desde
2006, os pesquisadores da Embrapa Cerrados têm realizado estudos de
melhoramento genético da macaúba, de desenvolvimento de sistemas de produção,
de qualidade da matéria-prima e de processamento do óleo, estando também
prevista a análise socioeconômica e de impactos ambientais. Os trabalhos não
apenas buscam caracterizar espécies e selecionar genótipos mais produtivos, mas
principalmente a adequação de sistemas de cultivo que tornem a palmeira uma
fonte viável de matéria-prima para a produção de biocombustíveis como o
biodiesel. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)
pretende iniciar o zoneamento de risco climático para permitir o financiamento
público.
Abundante
no Cerrado brasileiro e encontrada nas Américas desde o México até a Argentina,
numa área de ocorrência estimada em 12 milhões de hectares, a macaúba tem se
destacado como uma das espécies mais promissoras como fonte de óleo para o
biodiesel e bioquerosene, cuja produção é crescente no Brasil. As principais
fontes de matéria-prima para a produção dos biocombustíveis no País são o óleo
de soja e a gordura bovina – no caso do biodiesel, representavam 74% e 20% em setembro,
de acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis
(ANP).
Sancionada
em setembro, a Lei 13.033/2014, que dispõe sobre a adição obrigatória de
biodiesel ao óleo diesel comercializado com o consumidor final, tornou
obrigatória a mistura de 7% de biodiesel ao diesel, a partir de 1º de novembro.
Assim, a produção nacional de biodiesel, que deve fechar 2014 em 3,4 bilhões de
litros, deverá ser de 4,2 bilhões de litros em 2015, tornando o Brasil o
segundo maior produtor mundial do biocombustível, atrás apenas dos Estados
Unidos, com 4,5 bilhões de litros. Além disso, o aumento no percentual de
biodiesel adicionado ao diesel comum vai eliminar a importação de 1,2 bilhão de
litros de diesel, uma economia de cerca de U$ 1 bilhão aos cofres públicos.
Potencial
A
macaúba é uma planta rústica, com folhas perenes e espinhosas, podendo atingir
20 metros de altura com troncos de 20 a 30 cm de diâmetro. Dispersa no
território brasileiro, é encontrada com maior frequência em Minas Gerais, São
Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Ceará, de
forma isolada ou formando povoamentos naturais chamados de "maciços".
É
uma palmeira com grande potencial de uso, sendo empregada para fins
alimentares, cosméticos e energéticos, praticamente não deixando resíduos
inaproveitáveis. Os frutos ou cocos são a parte economicamente mais importante
da planta, podendo ainda ser consumidos como alimento. A macaúba começa a dar
frutos por volta de cinco anos do plantio, podendo produzi-los até os 100 anos.
O auge da produção, de acordo com pesquisadores da Embrapa Cerrados, se dá
entre os meses de novembro e março. A madeira é usada na confecção de ripas e
calhas de água. As folhas são utilizadas como forragem e fibras têxteis.
O
potencial produtivo da macaúba já foi comprovado pela pesquisa em populações
naturais (maciços), alguns já explorados de forma extrativista, meio
tradicional de obtenção dos frutos. Em maciços da espécieAcrocomia aculeata
observados na região do Alto Paranaíba, em Minas Gerais, as melhores plantas
alcançaram 6,9 toneladas/hectare de óleo de polpa, utilizado na produção de
biocombustíveis; 1,2 toneladas/hectare de óleo de amêndoa, destinado à
fabricação de cosméticos e farelo para alimentação humana; 19,3 toneladas/hectare
de endocarpo, matéria-prima para a produção de carvões vegetal e ativado; e
24,5 toneladas/hectare de resíduo de polpa e da amêndoa, que constituem a torta
que serve para a produção de ração ou farelo para os animais.
Com
uma produtividade média geral de 114,1 kg/planta/ano, considerando as regiões
avaliadas, a produtividade esperada é de pelo menos 45,6 toneladas/hectare de
cachos para uma densidade de cultivo de 400 plantas/hectare. Se for considerada
uma eficiência de 70% da extração, o rendimento bruto de óleo por prensagem do
fruto fresco poderá atingir 4 toneladas de óleo/hectare/ano da polpa e 0,8
tonelada de óleo/hectare/ano da amêndoa.
Pesquisas
Populações
de macaúbas de Minas Gerais (Norte, Alto Paranaíba e Sul), de Goiás, de
Tocantins e do Distrito Federal foram avaliadas quanto à produção de óleo e
produtividade dos cachos. "Estratificamos o potencial de óleo nos maciços
dessas regiões e selecionamos as populações com os melhores índices para o
banco de germoplasma (coleção de material genético) da Embrapa Cerrados, que
constitui a base do melhoramento genético", explica o pesquisador Nilton
Junqueira. O banco de germoplasma de macaúba conserva mais de 100 acessos
originários de Minas Gerais, Goiás, Pará, São Paulo e Distrito Federal.
Em
paralelo, está sendo intensificado o estudo de caracterização da qualidade do
óleo extraído, em parceria com a pesquisadora Rosemar Antoniassi, da Embrapa
Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro, RJ). Os pesquisadores analisaram o
perfil de ácidos graxos de macaubeiras de diferentes regiões e realizaram
estudos de divergência genética relacionados à composição dos ácidos graxos,
trabalhos que ajudam a direcionar as estratégias de melhoramento genético para
atender às necessidades do mercado de óleos.
Os
pesquisadores também estão avaliando os tratos culturais, como os possíveis
efeitos da adubação e da irrigação e a relação custo/benefício, sistemas de
colheita, bem como o comportamento da planta em sistemas de integração com lavoura
e com pecuária e agroflorestais, que poderiam ser utilizados por agricultores
familiares e empresariais. "Já sabemos que é preciso manter as plantas de
macaúba livres de animais adultos até os três anos do plantio. Depois dessa
fase, eles não conseguem danificá-las", aponta Junqueira, acrescentando
que ainda estão em estudo os efeitos da interação da palmeira com a pastagem e
com culturas agrícolas anuais.
O
pesquisador Leo Carson, também da Embrapa Cerrados, aponta alguns avanços já
proporcionados pelas pesquisas: "Não tínhamos muita informação sobre a
espécie. As informações de potencial, por exemplo, vinham de estudos realizados
na década de 1980. Nem 10% das sementes plantadas germinavam. As mudas eram
coletadas do maciço e levadas para o campo experimental. Hoje, conseguimos
atingir um nível de germinação de 74%, utilizando um protocolo desenvolvido
pela Universidade Federal de Viçosa, sendo possível produzir as mudas em larga
escala. Isso tem permitido a ampliação do banco de germoplasma e a instalação
de novos experimentos com boa uniformidade e maior segurança da origem da muda
utilizada".
Uma
questão importante ainda em estudo é o ponto ideal de colheita. No
extrativismo, os frutos são colhidos ao caírem no chão, o que traz prejuízos
para a qualidade da matéria-prima. "Não sabemos ainda qual o ponto ideal
de colher o fruto ainda no cacho, nem se o teor de óleo é alterado
significativamente caso o fruto seja colhido poucos dias antes de cair no
chão", explica o pesquisador, salientando a necessidade da continuidade
dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
Políticas
O
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) têm atuado para estimular o desenvolvimento da
cadeia produtiva da macaúba tanto do ponto de vista extrativista como para
viabilizar futuramente a cultura em larga escala, e com isso retroalimentar as
ações de pesquisa.
O
Mapa planeja iniciar em 2015 um estudo de zoneamento de risco climático da
cultura da macaúba para permitir o financiamento público, que ainda não é
concedido. "É uma forma de impulsionar a cultura a partir de crédito
oficial", explica João Abreu, coordenador-geral de Agroenergia do Mapa,
acrescentando que esse é o primeiro passo. "Ainda não foi iniciado o
plantio numa escala maior - aí sim, teremos outras políticas públicas, como a
carência", acredita.
Também
está previsto para o ano que vem o II Congresso Brasileiro de Macaúba, ainda
sem data e local definidos. Em 2013, a primeira edição do congresso foi
realizada pelo Mapa, com apoio da Embrapa Cerrados, em Patos de Minas (MG), e
contou com mais de 100 pesquisadores, técnicos, produtores, autoridades,
investidores e estudantes que se reuniram para buscar mais avanços na pesquisa
científica e discutir políticas públicas que viabilizem a consolidação da
cadeia produtiva da macaúba.
Em
julho, foi publicada pelo governo federal a Portaria 747, que inclui o fruto da
macaúba na relação de 16 produtos extrativos da safra 2014/2015 com preço
mínimo definido. Com a medida, os agricultores familiares poderão acessar a
Política de Garantia de Preço Mínimo para os Produtos da Sociobiodiversidade
(PGPM-Bio), comprovar a venda com a nota fiscal e receber a diferença entre o
preço de mercado e o preço mínimo. A PGPM-Bio é desenvolvida pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab), com apoio do MDA.
Os
extrativistas recebem atualmente entre R$ 0,13 e R$ 0,25 por quilo de fruto de
macaúba, de acordo com o MDA. Com a inclusão na PGPM-Bio, o valor mínimo passou
para R$ 0,45 por quilo de fruto. Para os frutos da macaúba, o valor da
subvenção é de até R$ 2 mil por Declaração Anual do Produtor Rural (DAP)
cadastrada. A regra vale para o Ceará, Minas Gerais e o Mato Grosso do Sul,
estados onde até então foi verificada a comercialização do produto pela Conab.
Os primeiros extrativistas contemplados foram produtores da região de Dores do
Indaiá (MG), em evento realizado em 21 e 22 de novembro no município.
"A
política de preço mínimo é um ganho para o extrativista, e dá referência ao
mercado sobre o quanto o produtor pode ganhar", observa Abreu. "No
futuro, quando a macaúba for plantada em larga escala, teremos que fazer uma
política de preço mínimo para a macaúba cultivada", aposta Haroldo
Oliveira, da coordenação de Biocombustíveis do MDA.
Outra
iniciativa é o manual "Diretrizes e recomendações técnicas para adoção de
boas práticas de manejo para o extrativismo do fruto da macaúba/bocaiúva",
lançado como cartilha pelo MDA em novembro. O documento foi elaborado por pesquisadores
e extrativistas, que opinaram sobre as práticas possíveis e estabeleceram
critérios e procedimentos sustentáveis de manejo da macaúba. O trabalho recebeu
contribuições dos pesquisadores Nilton Junqueira, Leo Carson, Marcelo Fideles e
Marina Vilela, da Embrapa Cerrados.
Com
essas medidas, a expectativa do MDA é de que os agricultores
familiares aumentem a colheita da macaúba e que a atividade extrativista se
firme com sustentabilidade. "Esperamos também que as empresas, não só as
ligadas à produção de biodiesel e bioquerosene, possam se interessar pela
macaúba, e não apenas pelo óleo, mas para outros produtos, como o carvão e a
torta", diz Oliveira. "Há um enfoque na questão ambiental e social.
Isso pode evitar que muitas macaúbas que não são aproveitadas sejam
destruídas", completa.
Abreu
ressalta que as políticas públicas para a macaúba estão sendo elaboradas com
cautela. "A cultura tem potencial, mas não podemos queimá-la. É uma
palmácea, e mesmo com melhoramento genético, são cinco anos até que comece a
produzir. Por isso a pesquisa é mais demorada", diz.
Cadeia
em formação
Enquanto
a macaúba não se torna uma cultura agrícola de larga escala, agricultores que
realizam a coleta dos frutos nos maciços começam a se organizar. Sediada em
Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, a Cooperativa de Agricultores
Familiares e Ambiental do Vale do Riachão (CooperRiachão) conta com uma unidade
de beneficiamento do coco da macaúba (UBCM) desde 2003. Formada por 46 sócios,
a cooperativa compra os frutos coletados por cerca de 350 famílias em maciços
localizados num raio de 50 quilômetros da UBCM. Segundo o presidente Agnaldo
Costa, já existem extrativistas buscando a adesão ao PGPM-Bio.
Após
uma safra ruim em 2013 devido à falta de chuvas na região, a CooperRiachão
espera receber, nesta safra, 200 toneladas de frutos de macaúba, o que renderá
entre 70 toneladas a 80 toneladas de óleo. O principal produto fabricado com o
óleo é o sabão em barra. A cooperativa produz até 200 caixas com 50 barras de
200 gramas a cada safra. Outro produto é a ração animal, obtida da torta. Ambos
são comercializados no varejo de Montes Claros, e nos municípios vizinhos
Mirabela e Coração de Jesus.
O
óleo excedente é vendido para a Fertibom, uma empresa de Catanduva (SP) que
produz biodiesel. "Temos um contrato para a venda de pelo menos 3 mil
litros até 12 mil litros por ano", diz Costa. "Enquanto não tiver
plantio, dependemos da natureza", acrescenta.
O
presidente da cooperativa revela que na região há produtores interessados em
iniciar o plantio da macaúba, mas que ainda aguardam incentivos para investir
na produção. "Queremos produzir 100 mil litros (de óleo) anualmente quando
tiver o plantio. Muitas vezes, o agricultor não tem como armazenar os frutos e
tem muita perda. A macaúba lava cinco anos para produzir, então temos que
começar (a plantar) já", afirma, observando que a coleta dos frutos é uma
atividade que muitas famílias realizam de forma complementar à produção
agrícola nas propriedades.
Compradora
do óleo de macaúba processado pela CooperRiachão e por empresas, a Fertibom tem
capacidade para produzir anualmente cerca de 120 milhões de litros de
biodiesel, utilizando 20 matérias-primas diferentes. Atualmente, a empresa
trabalha com menos de 50% da capacidade devido à falta de oferta de
matéria-prima viável economicamente. "No momento, o preço do óleo de soja
está superior ao do biodiesel, por isso inviabiliza (a produção)", afirma
o gerente de negócios Lídio Pereira Jr.
Ele
reconhece o potencial da macaúba como fonte de óleo e o valor dos coprodutos,
mas analisa a cultura com cautela. "A escala de oferta desse óleo é muito
pequena ainda", aponta, acrescentando que a participação do óleo da
palmeira no volume total de matérias-primas utilizadas pela empresa ainda é insignificante.
Pereira
lembra que antes da aceitação da macaúba pelo Selo Combustível Social do MDA
(conjunto de medidas para estimular a inclusão social na agricultura, nas quais
empresas produtoras de biodiesel incluem a agricultura familiar em sua cadeia
produtiva ou garantem a compra de matéria-prima oriunda desse tipo de
agricultura) e da inserção da cultura ao Programa Nacional de Produção de
Biodiesel, muitos frutos chegavam à Fertibom com acidez alta – principal
gargalo quanto à qualidade do óleo. Ele explica que o ponto mais crítico, nesse
sentido, é o tempo entre a coleta e o armazenamento dos frutos. "Acredito
que isso se ajuste com assistência técnica, colheita mais eficiente e melhor
armazenamento", diz.
Por
outro lado, ele vê vantagens no cultivo comercial de macaúba: "Com a
lavoura, você pode programar a colheita. Hoje, o extrativista tem que caminhar
muito para colher nos maciços. Quando houver plantio, com as plantas mais
próximas umas das outras, a fecundação será melhor e os cachos serão mais produtivos.
Mas é preciso um trabalho de base, pois as comunidades extrativistas não estão
organizadas".
Para
o representante da Fertibom, políticas como a PGPM-Bio são fundamentais.
"O produtor tem que sentir o ganho econômico e ser incentivado a fazer a
coleta dos frutos. Vai ajudar as cooperativas a entregar os volumes
contratados. Mas os coprodutos também têm que estar agregados à venda",
pondera.
O
plantio da macaúba pode também ser uma alternativa para a recomposição de Áreas
de Preservação Permanente (APPs) já transformadas pelo homem. Em Minas Gerais,
a alteração da lei 14309/2002, que dispõe sobre as políticas florestais e de
proteção da biodiversidade no Estado, aprovada em 2009, concede prazo de 20
anos para a recomposição dessas áreas por meio de plantas nativas e sistemas
agroflorestais.
Os
pesquisadores da Embrapa Cerrados planejam ações nesse sentido. "Em 2015,
queremos montar uma unidade de observação sobre o uso da macaúba na recuperação
de uma Área de Reserva Legal (ARL)", afirma o pesquisador Nilton
Junqueira. (biodieselbr)
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