Mais carros, caminhões e ônibus elétricos e menos
subsídio ao diesel
A
greve dos caminhoneiros parou o Brasil na segunda quinzena de maio de 2018 e
mostrou o poder de uma categoria que tem a capacidade de desabastecer o país,
sumir com os alimentos e provocar bilhões de reais de prejuízo em toda a cadeia
produtiva. O estopim da greve foram os aumentos diários do preço do diesel e
dos demais derivados do petróleo, mostrando que o Brasil, além de depender da
via única dos caminhões e das rodovias, é altamente viciado nos combustíveis
fósseis.
A
Petrobras, que poderia ser uma empresa eficiente na satisfação dos consumidores
e na busca de preços baixos para os combustíveis, tem sido utilizada como
joguete dos interesses das forças políticas que ocupam o Palácio do Planalto.
No passado recente, os preços dos combustíveis foram utilizados como mecanismo
de freio da inflação, o que contribuiu para o endividamento da empresa. No
presente, a política de preços visava repassar todos os custos da energia para
os consumidores, inclusive o custo de diminuir a dívida financeira da Petrobras
(a petroleira mais endividada do mundo).
Sem
dúvida, a economia brasileira estagnada e fragilizada demanda preços módicos
para a gasolina, o gás e o diesel. Mas o aumento do preço internacional do
petróleo e a desvalorização cambial torna distante o sonho da energia barata. O
acordo feito para frear a greve dos caminhoneiros favoreceu alguns poucos
setores e corporações em detrimento da maioria da população que vai pagar a
conta, via corte de gastos públicos nas áreas sociais ou via aumento de
impostos. A crise fiscal vai se agravar e a capacidade de investimento do
governo vai diminuir. Desta forma, a economia continuará sua trajetória de
baixo crescimento, com baixa geração de emprego e renda. Embora o “precariado”
do setor de transporte tenha razão e motivos para protestar, o subsídio ao
diesel foi uma rendição do atual governo que ficou refém dos caminhoneiros e
das empresas de transporte. O acordo feito não é a melhor solução para o futuro
do país, nem em termos econômicos e muito menos em termo ambiental.
Em
vez de soluções parciais e pontuais, o que o Brasil precisa é de um projeto de
nação reconfigurando todo o processo de desenvolvimento adotado até aqui. De
imediato, precisa estabelecer ousados objetivos estratégicos na área de energia
e de transporte. O país necessita soberania energética, democratização da
produção e acesso à energia moderna para romper com a dependência do petróleo e
não ficar sujeito à volatilidade dos preços internacionais dos combustíveis
fósseis, que além de caros, são poluidores e responsáveis pela aceleração do
aquecimento global. Na área de transporte, o país precisa investir em ferrovias
e hidrovias, diminuir a prevalência das rodovias, mas também revolucionar os
veículos rodoviários.
Existe
uma solução que já está sendo adotada em outras partes do mundo. Trata-se da
transição da energia fóssil e da indústria dos veículos movidos por motores de
combustão interna para a produção de energia renovável e a produção de veículos
elétricos. As condições técnicas existem. Países que possuem capacidade de
investimento já estão adiantados no caminho da “revolução elétrica”. Mas o
Brasil que possui baixas taxas de poupança e de formação de capital fixo está
muito atrasado neste processo. E o pior, um governo fraco e com baixa
legitimidade faz políticas emergenciais para atender interesses corporativos
ocasionais, em detrimento do interesse geral e da execução de um projeto de
conversão produtiva, holística e de longo prazo.
As
forças populistas e os representantes do nacionalismo retrógrado querem fazer
da Petrobras uma gigante monopolista do petróleo (especialmente do pré-sal)
capaz de centralizar todas as fontes de recursos energéticos para financiar e
subsidiar um idealizado desenvolvimento industrial, educacional e cultural do
país. Acontece que o desenvolvimento do século XXI não é mais aquele baseado na
produção fordista e fóssil. A 4ª Revolução Industrial tem como base a produção
flexível e descentralizada das empresas de tecnologia, a sociedade digital e do
conhecimento, os motores elétricos e as energias renováveis.
Apostar
todas as fichas nos hidrocarbonetos é repetir o fracasso da Venezuela que ficou
presa à “maldição do petróleo” e não conseguiu diversificar sua economia. O
Brasil já errou demais promovendo uma “especialização regressiva” e se rendendo
a uma desindustrialização precoce, apoiada no crescimento econômico fundado na
produção de commodities minerais, fósseis e do agronegócio.
A
revolução energética em curso no mundo, em sintonia com a 4ª Revolução
Industrial, tem como insumo básico o sol, o vento e a água, todos recursos
renováveis e de baixa emissão de carbono. O Brasil, no conjunto do seu
território, é o país mais rico nestas três fontes da matriz energética do
futuro. Mas em vez de olhar para a frente e para cima, a vanguarda do atraso do
patriotismo tacanho fica repetindo o chavão do “petróleo é nosso” e olhando
para as profundezas abissais do pré-sal, encantada com o canto da sereia do
“ouro negro”.
O
Brasil não precisa reinventar a roda. Basta seguir as experiências e as
tendências globais bem-sucedidas. Existe uma realidade que é totalmente
transparente: o mundo caminha para a transição energética (das energias fósseis
para a energia renovável) e para a transição dos veículos impulsionados pelo
motor a combustão interna para os veículos elétricos. A seguir alguns exemplos
da nova configuração global energética e de transporte.
O crescimento das energias renováveis
As
energias renováveis já estão crescendo em ritmo mais veloz do que as fontes
fósseis e os investimentos em usinas eólicas e solares já superam a quantidade
investida anualmente em petróleo, gás e carvão. Crescem os apoiadores das
energias que até pouco tempo eram chamadas de alternativas, mas que agora são
de baixo custo e são a opção preferencial do setor energético global. O gráfico
abaixo mostra que a capacidade instalada de energia solar global, em 2017, foi
maior do que a do conjunto dos combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo).
As estimativas para os próximos anos mostram o predomínio das energias renováveis.
O crescimento da produção de carros elétricos
O
número de carros elétricos (híbridos e plug-in) em circulação nas ruas do mundo
ultrapassou 3 milhões de unidades em 2017, um aumento de 54% em comparação com
2016, de acordo com a última edição do Panorama Global dos Carros Elétricos
(Global EV Outlook 2018) da Agência Internacional de Energia (IEA)
Nas
projeções da IEA, considerando o cenário que leva em conta as políticas atuais
e planejadas, o número de carros elétricos está projetado para atingir 125
milhões de unidades até 2030, conforme mostra o gráfico abaixo (New Policies
Scenario). Mas para atingir as metas climáticas do Acordo de Paris e outras
metas de sustentabilidade, como no cenário EV30@30, o número de carros
elétricos em circulação pode chegar a 220 milhões em 2030.
O
mais recente relatório de Monitoramento sobre o Progresso da Energia Limpa, da
AIE, mostra que os veículos elétricos são uma das 4 tecnologias, de um total de
38, que estão no caminho correto para atingir as metas de sustentabilidade de
longo prazo.
O crescimento da produção de ônibus elétricos
O
sucesso dos ônibus elétricos está apenas começando mas já tem futuro garantido,
segundo Marcacci (31/05/2018). A megalópole de Shenzen, no sudeste da China,
converteu toda a sua frota ônibus de diesel para o motor elétrico entre 2012 e
2017, construindo a primeira frota de ônibus 100% elétrica do mundo. Em 2012
havia 277 ônibus elétricos, passando para 1.277 em 2014 e alcançando 16.359 em
2017 (uma frota totalmente elétrica). Os quatro fatores que impulsionaram esta
transformação foram; 1) Fundos governamentais; 2) Financiamento criativo para
redução dos custos iniciais dos operadores de ônibus; 3) Colaboração entre
utilitários e operadores de ônibus para otimizar a cobrança; 4) Garantias de
vida útil da bateria dos fabricantes.
A
China tem cerca de 99% de todos os ônibus elétricos no mundo e produziu 90.000
ônibus elétricos em 2017. Os Estados Unidos possuem apenas 1% do mercado global
de ônibus elétrico, mas estão começando a deslanchar a produção e devem avançar
na transição da frota em função das políticas locais para atender a pressão das
comunidades para reduzir a poluição. O resto do mundo deve seguir a nova
tendência.
O crescimento da produção de caminhões elétricos
Várias
montadoras do mundo, entre as quais Mercedes-Benz, Tesla, Volvo e as chinesas
já possuem seus modelos comerciais de caminhões elétricos, sendo que a produção
global foi de 31 mil unidades em 2016 e estima-se mais de 100 mil unidades em
2018 e 332 mil em meados da próxima década. Ano passado, Elon Musk confirmou
que a Tesla pretende, na próxima década, fabricar até 100.000 caminhões
elétricos por ano.
A
líder na produção mundial de veículos elétricos é a empresa chinesa BYD, que
também planeja a liderança na produção de caminhões elétricos. Segundo Kyle
Field (01/06/2018) muitos dos caminhões da BYD concluíram o teste da Fase Um e
a empresa já tem veículos prontos para produção da Fase Dois já sendo
oferecidos por vendedores em todo o mundo. Recentemente vendeu 200 caminhões
elétricos de lixo no Brasil e 500 na China. Os chassis para todos os caminhões
vendidos nos mercados da América do Norte são fabricados na China e enviados
para a fábrica da BYD em Lancaster, Califórnia, para montagem final. Em
paralelo, as células de bateria da BYD são enviadas para a Lancaster, onde são
montadas em módulos de bateria prontos para o veículo. Ainda segundo Field, a
BYD está liderando claramente a revolução da energia limpa em todo o mundo,
ocupando o primeiro lugar em vendas globais de veículos plug-in e há muitas
evidências de que continuará a ocupar novos segmentos de mercado com seus
caminhões elétricos.
No
Brasil, a MAN – fabricante de caminhões e ônibus da Volkswagen –, mostrou no
ano passado um caminhão leve elétrico, o e-Delivery, desenvolvido na fábrica de
Resende (RJ). A previsão do grupo é iniciar operação em frotas piloto ainda
neste ano. A maioria das empresas depende do programa Rota 2030, para decidir
políticas locais para os caminhões elétricos e híbridos.
O crescimento da produção de bicicletas, motos e lambretas
elétricas
A
produção de bicicletas elétricas, também chamadas de e-bikes, tem se expandido
em todo o mundo e promete dominar o segmento de duas rodas, devido à busca por
maior mobilidade em grandes cidades, a procura por um transporte próprio mais
acessível e o lazer. O gráfico abaixo mostra que a produção de e-bikes está na
casa das dezenas de milhões.
A
produção de motocicletas e lambretas elétricas também avança com rapidez.
Segundo Ayre, em artigo da Cleantechnica, as vendas acumuladas em todo o mundo
de motocicletas e lambretas elétricas durante os anos de 2014e 2023 devem
superar 55 milhões de unidades, configurando um mercado global de bilhões de
dólares.
A liderança chinesa na produção de veículos elétricos
Segundo
Salvatore Babones (06/03/2018), em artigo da Forbes, as montadoras chinesas
produziram 680 mil carros, ônibus e caminhões totalmente elétricos em 2017,
mais do que o restante da produção global (sem contar a produção de motos e
bicicletas). E a produção da China está crescendo mais rapidamente que o resto
do mundo também. A China pretende ser a líder da produção de energia renovável
e da indústria automobilística elétrica, por interesses econômicos de liderar
uma indústria chave para o século XXI, mas também porque as grandes cidades da
China são notoriamente poluídas. A poluição do ar é responsável por até um
milhão de mortes por ano, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde.
O gráfico abaixo mostra como a China está deixando os EUA (e o resto do mundo)
para trás.
O
Brasil está muito atrasado na produção de energia solar e de veículos
elétricos. Se o país investisse na produção de energia solar descentralizada
poderia fortalecer a figura do PROSSUMIDOR (produtor + consumidor), garantido
soberania e independência energética para as pessoas, as localidades e as
regiões. A energia solar e eólica poderá viabilizar o desenvolvimento local e a
autonomia dos domicílios para que cada família possa gerar sua própria energia
para movimentar os aparelhos da casa e os veículos elétricos que garantam a
produção local e a mobilidade espacial. Os defensores do Ecossocialismo falam
em criar um “comunismo solar”. Sem dúvida, as energias renováveis poderão
contribuir para matriz energética democrática, com empoderamento popular.
Evidentemente,
a produção de motos, carros, caminhões e ônibus elétricos não será uma solução
para o curto prazo, mas o Brasil precisaria estar preparado para o novo cenário
de 2030, quando a transição para a energia renovável e a transição para os
veículos elétricos já estiver muito avançada em boa parte do mundo. É claro
também que a energia renovável e os veículos elétricos não são uma panaceia para
todos os problemas do mundo. Existem muitas incertezas e grandes ameaças
ambientais nos cenários para as próximas décadas.
Mas,
uma coisa é certa, o futuro não será planejado e construído com base em
subsídios para a queima de combustíveis fósseis. Certíssimo é que o futuro será
renovável e distante da energia fóssil. (ecodebate)
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