A greve dos caminhoneiros e o
Brasil 100% renovável e sem combustíveis fósseis.
“O futuro será renovável ou não
haverá futuro”
A greve dos caminhoneiros e o
aquecimento global são dois alertas para o Brasil levar a sério o cenário do
fim do uso generalizado dos combustíveis fósseis e acordar para a necessidade
de planejar a construção de um futuro energético 100% renovável.
Num momento em que o país tem
27,7 milhões de pessoas desocupadas ou desalentadas e uma renda per capita
menor do que a de 2013, a população empobrecida não aguenta o alto preço das
passagens e dos fretes, nem os efeitos generalizados do alto preço da gasolina,
do gás e do diesel. A energia barata é essencial para o aumento da qualidade de
vida, mas qualquer solução requer uma análise de custo e benefício. O
incremento do preço dos combustíveis sempre está associado com o aumento das
revoltas e dos protestos. O alto preço da energia leva à carestia.
Mas não se trata simplesmente
de diminuir o preço dos combustíveis fósseis. O Brasil assinou o Acordo de
Paris, em 2015, prometendo reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE).
Porém, as emissões brasileiras de carbono estão aumentando e, no quadro da
realidade climática internacional, o mundo caminha para uma situação
catastrófica com a elevação da temperatura global do Planeta. Matéria publicada
no Ecodebate (24/05/2018) apresenta uma análise feita por uma equipe de
cientistas da China que mostra que o clima da Terra pode aumentar em 4°C,
comparado aos níveis pré-industriais, antes do final do século XXI. Isto traria
um quadro ambiental apocalíptico, que afetaria completamente a vida humana e
não humana no mundo e no Brasil.
Assim, qualquer política
energética tem que pensar o local e o global. Estamos a quatro meses das
eleições presidenciais de 2018 e nenhum candidato até agora apresentou um plano
minimamente coerente e ousado para o Brasil fazer sua parte na superação da era
dos combustíveis fósseis e para avançar na construção de uma matriz energética
a partir da articulação das fontes vindas do sol, do vento e da água. O Brasil
está atrasado no aumento da capacidade instalada de energias eólica e,
principalmente, solar. Está muito atrasado também no planejamento do futuro
renovável.
Um mundo 100% renovável até
2050 é tecnicamente possível. Uma equipe de pesquisadores, liderada pelo
engenheiro ambiental da Universidade de Stanford, Mark Jacobson, lançou um
roteiro para que 139 países possam alcançar a meta de 100% de energias
renováveis até meados do século. O plano leva em consideração as circunstâncias
únicas de cada um dos países, que, no conjunto, representam 99% das emissões
mundiais de dióxido de carbono. Para desenvolver o roteiro, os pesquisadores
primeiro analisaram cada país e analisaram a quantidade de recursos de energia
renovável bruta que cada um produz e determinaram o número de geradores de
energia eólica, água e energia solar necessários para que esse país alcance 80%
de dependência de energia renovável até 2030 e 100% até 2050 (Trata-se do
enfoque “vento, água, e solar”, ou WWS na sigla em inglês).
Para Jacobson, além de
eliminar as emissões e evitar o aquecimento global superior a 1,5ºC, a
transição eliminaria 4 a 7 milhões de mortes por poluição atmosférica a cada
ano e criaria mais de 24 milhões de empregos no longo prazo. Para o autor, a
novidade do estudo é que examina não só os benefícios climáticos da redução de
carbono, mas também os benefícios da redução da poluição do ar e os benefícios
na geração de trabalho decente. O mundo poderia economizar mais de US$ 20
trilhões em custos de saúde e clima a cada ano. Como cada um desses 139 países
tem as suas próprias peculiaridades, os caminhos para 100% de energia renovável
são únicos também. O potencial de geração de empregos verdes é enorme.
Neste ano eleitoral, o Brasil
deveria discutir o seu plano de médio e longo prazo para abandonar os
combustíveis fósseis e transformar a matriz energética, das fontes fósseis e
centralizadas para as fontes renováveis, descentralizadas e democráticas,
fortalecendo a figura do PROSSUMIDOR (consumidor + produtor) e contribuindo
para a geração de empregos decentes. Todavia, no Brasil, existe ainda uma
mitificação dos “poderes milagrosos” do petróleo e da “empresa mãe”. Em vez de
olhar para o futuro, o Brasil fica preso a um combustível e a uma tecnologia do
passado, enquanto a Petrobras se afunda em meio às disputas corporativistas e
politiqueiras.
As forças que apoiam o
governo Temer acusam a presidenta Dilma e o Partido dos Trabalhadores de terem
manipulado e congelado o preço dos combustíveis, de terem endividado a
Petrobras, feito investimentos sem possibilidade de retorno financeiro, usado a
empresa com fins eleitoreiros e terem instalado um amplo esquema de corrupção
na empresa. Dão como exemplo de corrupção e ineficiência da companhia em
diversos fatos, como a compra da refinaria de Pasadena no Texas, o mau
planejamento das refinarias Premium I e Premium II, de Bacabeira (MA) e São
Gonçalo do Amarante (CE), que foram abandonadas com grande prejuízo para o
país, a refinaria Abreu e Lima, em Suape (PE), que foi planejada com um custo
de US$ 2,3 bilhões, teve seu orçamento revisado para US$ 20,1 bilhões e, mesmo
sendo a refinaria mais cara do mundo, não está pronta para pleno funcionamento,
além do fracasso completo do alto custo inútil do Complexo Petroquímico do Rio
de Janeiro (Comperj), em Itaboraí.
Em contraponto, as forças
neodesenvolvimentistas que criticam o governo Temer dizem que o esquema de
corrupção da Petrobras é muito antigo e que a atual gestão da empresa não vê o
“uso social da propriedade estatal” e que a política de aumento dos preços dos combustíveis
está preocupada apenas com a lucratividade dos acionistas e com a venda de
ativos visando a privatização total da empresa, numa atitude entreguista que
não vê o petróleo como fonte de recursos para financiar o desenvolvimento
industrial, educacional e cultural brasileiro.
Em vários pontos, os dois
lados têm razão. Como diz o ditado: “Em casa onde falta pão, todo mundo grita e
ninguém tem razão”. Uns querem o petróleo para fortalecer o mercado e a
lucratividade dos detentores do capital. Outros querem o petróleo para
fortalecer o Estado e os privilégios corporativos e políticos, em nome de
subsidiar o desenvolvimento nacional. O fato é que a Petrobras tem sido um
joguete nas mãos de forças políticas com interesses opostos, mas com uma
prática comum de manter a ineficiência na gestão e a permanente dependência
brasileira aos combustíveis fósseis. Quem paga a conta é o povo brasileiro.
O Brasil tem a segunda
gasolina mais cara do mundo. Com a queda do preço internacional do petróleo a
população e os agentes econômicos conseguiram suportar a alta carga do preço da
energia. Mas a desvalorização cambial e o aumento do preço internacional do
petróleo ocorrida nos últimos dois meses foram a “gota d’água” para o gatilho
da inflação energética. As pessoas começaram a perceber que o custo da política
energética brasileira é muito elevado. Todos os cidadãos se perguntam: onde
estão os benefícios do pré-sal?
Na verdade, a economia
brasileira não apresentou melhoras desde que as jazidas abissais de
hidrocarbonetos foram descobertas e começaram a ser exploradas. Ao contrário, a
década de 2011 a 2020 será a segunda década perdida da economia brasileira. O
PIB brasileiro cresce muito menos do que o PIB mundial e o Brasil tem ficado
atrás não só das economias avançadas e dos países emergentes da Ásia, mas
também fica atrás dos países da África e dos demais países da América Latina. O
PRÉ-SAL se revelou um passaporte para o FUTURO DO PRETÉRITO.
Evidentemente, o passaporte
para o futuro tem que ser renovável. O bilhete premiado não vem das profundezas
salgadas do pré-sal, mas sim do sol, do vento e da água, elementos que o Brasil
tem de sobra, mas não está sabendo aproveitar. Por exemplo, o Chile – que é uma
economia muito menor do que a brasileira – tem uma capacidade instalada de
energia solar superior à brasileira. Enquanto o mundo aumentou a capacidade
instalada de energia solar em quase 100 GW em 2017, o Brasil não contribuiu nem
com 1% deste total.
O gráfico abaixo mostra que a capacidade instalada de energia solar global em 2017 foi maior do que a do conjunto dos combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo). As estimativas para os próximos anos mostram o predomínio das energias renováveis.
O gráfico abaixo mostra que a capacidade instalada de energia solar global em 2017 foi maior do que a do conjunto dos combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo). As estimativas para os próximos anos mostram o predomínio das energias renováveis.
Além do aumento da capacidade
instalada de energias renováveis, o mundo está passando por uma revolução na
indústria automotiva, com a transição dos carros de motor de combustão interna
para os carros elétricos. A indústria automobilística não está passando
simplesmente por uma época de mudanças, mas sim por uma mudança de época. A
mudança da época do motor à combustão interna, com base nos combustíveis
fósseis para a época dos carros elétricos, com base na energia renovável.
O crescimento do mercado de
carros elétrico tem sido bastante significativo. Em 2016, houve um aumento de
750 mil veículos e o número de carros elétricos no mundo em circulação
ultrapassou o limiar de 2 milhões de unidades. O gráfico abaixo mostra alguns
cenários de crescimento do mercado de carros elétricos. Em qualquer alternativa
o avanço deve ser expressivo, podendo o estoque chegar a 60 milhões no mínimo
ou até 200 milhões em 2030. De acordo com a Bloomberg New Energy Finance
(BNEF), pelo menos um terço de todos os veículos vendidos no mundo, até 2030,
serão elétricos.
A Noruega é o país mais
avançado na transição para o uso de carros elétricos, pois, segundo a
Bloomberg, mais de um terço de todos os carros novos são totalmente elétricos
ou híbridos plug-in, mais de 10 vezes a proporção nos EUA. Até 2025, o governo
norueguês planeja eliminar a venda de carros a gasolina ou a diesel, só
elétricos. A fabricante sueca Volvo anunciou, em julho de 2017, que vai
encerrar a produção de carros a motor de combustão a partir de 2019. Todos os
carros lançados a partir de 2019 terão um motor elétrico, marcando um “fim
histórico” para o motor de combustão interna. Na mesma semana em que a Volvo
anunciou sua decisão, o governo da França disse que vai encerrar as vendas de
veículos a gasolina e diesel até 2040. Mas a dianteira na produção de carros
elétricos pertence à China, que pretende liderar a produção e as inovações no
mercado dos carros elétricos. A cidade de Shenzhen, megalópole do sul da China,
anunciou no final do ano passado que eliminou todos os ônibus movidos a diesel
e apresentou uma frota de 16.359 ônibus elétricos, mostrando que já é possível
ter uma frota de ônibus 100% eletrificada. O próximo passo seria uma frota de
ônibus e caminhões elétricos e autônomos.
Enquanto o mundo avança, o
Brasil continua totalmente dependente dos combustíveis fósseis e fica exposto à
poluição, aos altos custos da gasolina e do diesel. Fica também permanentemente
exposto à chantagem das empresas de transporte. Sem querer entrar no mérito do
evento, a greve dos caminhoneiros – que, além da paralisação do transporte,
inclui o bloqueio de refinarias e distribuidoras – está mostrando como o Brasil
é refém de uma política energética equivocada. Depois de quatro dias de greve,
mais de 400 bloqueios de estradas em 23 estados e no Distrito Federal, o país
começa a ter desabastecimento generalizado de gasolina nos postos, voos
cancelados por falta de combustível, ônibus fora de circulação, linhas de
montagem paralisadas, desabastecimento e alta no preço de alimentos e
hortaliças, etc.
O presidente da Petrobras, Pedro Parente, que tinha uma pose de executivo independente, teve que engolir a redução no preço do diesel e não se mostrou à altura dos desafios na área. O senador Cássio Cunha Lima e o deputado Paulinho da Força pediram a cabeça de Parente. As ações da Petrobras caíram e as perspectivas para a economia brasileira pioraram. Já se fala até na queda do presidente Michel Temer e a eleição indireta de um presidente tampão para cumprir o mandato até o final do ano. De modo geral, desde o apagão de 2001, os sucessivos governos brasileiros têm sido vítimas de suas próprias incompetências e inépcias energéticas.
O presidente da Petrobras, Pedro Parente, que tinha uma pose de executivo independente, teve que engolir a redução no preço do diesel e não se mostrou à altura dos desafios na área. O senador Cássio Cunha Lima e o deputado Paulinho da Força pediram a cabeça de Parente. As ações da Petrobras caíram e as perspectivas para a economia brasileira pioraram. Já se fala até na queda do presidente Michel Temer e a eleição indireta de um presidente tampão para cumprir o mandato até o final do ano. De modo geral, desde o apagão de 2001, os sucessivos governos brasileiros têm sido vítimas de suas próprias incompetências e inépcias energéticas.
No meio de tantas incertezas,
existem duas coisas certas: a primeira é que o Brasil vai ter alguns meses de
muita confusão e imprevisibilidade até um novo governo assumir o mandato para o
quadriênio 2019-2022; a segunda, é que o país precisa ter um plano para
abandonar a dependência dos combustíveis fósseis, democratizar e universalizar
o uso de uma energia eficiente e mais limpa e se preparar para um futuro 100%
renovável. (ecodebate)
Nenhum comentário:
Postar um comentário