Boa parte dos morangos que os países escandinavos comem é cultivada na Espanha. A distância entre as duas regiões, em torno de 2,4 mil quilômetros, nunca foi problema para o transporte num trajeto bem servido por postos de combustível. Com a chegada dos caminhões elétricos, porém, a falta de infraestrutura para carregamento de baterias passou a ser uma preocupação. O caso dos morangos expõe as dificuldades que a Europa terá de enfrentar para seguir com a eletrificação e descarbonizar o transporte de carga, diz a sueca Karin Rådström, chefe global de caminhões Mercedes-Benz. “Atingir emissões zero é um dos maiores desafios não só para a indústria, mas para a humanidade”, diz.
A executiva prevê que a Europa precisará de 13 mil estações de recarga nas rodovias até 2025 e de até 45 mil até 2030. Hoje não há mais do que algumas centenas de pontos, segundo ela. “Não vemos esse aumento acontecendo rápido o suficiente”, diz.
Na
Europa há incentivos para quem compra caminhões elétricos. Mas os benefícios
são distintos em cada país, segundo Rådström. Na Alemanha, o governo criou um
programa que subsidia 80% da diferença entre o valor de um modelo elétrico e o
similar a combustão. O movido a eletricidade custa em torno de duas vezes e
meia mais que um a combustão. Mas o processo para receber incentivos ainda é
lento, segundo a executiva.
Além do caminhão elétrico movido a bateria, que depende de carregamento na rede elétrica, a indústria trabalha no desenvolvimento dos elétricos movidos a hidrogênio. No futuro, a alternativa dispensará a necessidade da infraestrutura de postos de carregamento de baterias. Trata-se, porém, de uma solução para o longo prazo, com custo elevado. Carregado em tanques, no veículo, o hidrogênio ajuda a formar a corrente elétrica que vai para o motor.
Nesta semana, um protótipo da Mercedes movido a hidrogênio e aprovado para trafegar em vias públicas, percorreu 1.047 quilômetros, entre Wörth am Rhein e Berlim com um abastecimento. A experiência bem-sucedida é prova, diz Rådström, de que hidrogênio tende a ser uma solução para eletrificar do transporte rodoviário de longa distância. “Às vezes há ceticismo em relação ao alcance das novas tecnologias de emissão zero, tanto no elétrico a bateria como a hidrogênio. Essa experiência serve como vitrine para mostrar que podemos ir muito longe”.
Se
a infraestrutura para carregamento de baterias nas estradas é motivo de
preocupação na Europa, o que dizer do Brasil, país continental, onde
caminhoneiros carregam carga em distâncias muito maiores do que o percurso da
Espanha até a Escandinávia?
No
Brasil, o processo de eletrificação será mais lento, diz Rådström. Ela calcula
que enquanto a Europa “tem a ambição” de eletrificar até 60% dos caminhões
vendidos até 2030, o Brasil não passará de 10% no mesmo período.
A
seu tempo, porém, o país seguirá tendência igual, acredita a executiva,
principalmente por ter fontes abundantes de energia limpa. “Acho que o processo
começará nas cidades. Você já vê isso com os ônibus urbanos. É possível avançar
na eletrificação da distribuição de mercadorias nas cidades.
“Podemos seguir em frente a partir daí. Mas para os caminhões de longa distância acho que vai demorar mais. Talvez algumas rotas façam sentido com a eletricidade se a infraestrutura for construída, mas provavelmente também precisaremos de hidrogênio nesse mercado”, destaca.
O uso dos biocombustíveis tende a ajudar no processo de descarbonização até chegar à eletrificação. E o Brasil, que representa a segunda maior operação da Mercedes-Benz em número de funcionários, após a Alemanha, pode ter papel relevante como fornecedor de caminhões e de motores para mercados que ainda usarem o diesel.
Entre
20% e 30% dos veículos produzidos na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), que
hoje completa 67 anos, são exportados não apenas para os países vizinhos, na
América Latina, mas também Oriente Médio e África, segundo Achim Puchert,
presidente da Mercedes-Benz do Brasil.
“Nosso
motor clássico é um motor muito robusto, que se adapta a vários mercados Nós os
fazemos aqui no Brasil. Portanto, aqui temos um centro de produção do motor
clássico”, afirma Rådström.
Esta
semana, Rådström passou menos de dois dias no Brasil, numa carregada agenda que
incluiu visitas a clientes e reuniões para revisão dos negócios e discussão de
perspectivas para o futuro.
Sem
entrar em detalhes, a executiva diz que a operação brasileira retomou a
lucratividade e que ela prevê que em 2024 o mercado de caminhões brasileiro
será melhor que o deste ano. “O quarto trimestre já será melhor que os meses
anteriores.
“Sentimos que as taxas de juros poderão cair um pouco e que existem algumas iniciativas políticas para estimular os negócios. Então estamos bastante confiantes para 2024”, afirma.
No comando global de caminhões Mercedes, do grupo Daimler, desde maio de 2021, a engenheira é a primeira mulher a ocupar o cargo. Ela lembra que havia poucas mulheres quando começou na indústria, como estagiária, há quase 20 anos. “Era difícil me imaginar nesses papéis tão importantes. Nesse sentido, as coisas mudaram. Agora há pelo menos algumas delas. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer”. (biodieselbr)
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