Uma lei sancionada em março deste ano elevou a
porcentagem da adição de biodiesel no diesel, que passará de 7% para 8% até
2017 e chegará a 10% em 2019. No ano passado, o país produziu 3,9 bilhões de
litros de biodiesel – um crescimento de 15% em relação a 2014 –, ficando em
segundo lugar no mundo, atrás dos Estados Unidos e na frente da Alemanha e da
Argentina. A demanda esperada para 2020 é de 7 bilhões de litros. Em 2015,
76,5% do biodiesel no Brasil foi feito com soja, 19,4% com gordura animal, 2%
com algodão e mais 2,4% com outros tipos de matérias-primas, como óleo de
cozinha usado, dendê, entre outros. A produção desse biocombustível se dá por
meio de um processo químico chamado de transesterificação, em que é misturado
um óleo vegetal ou gordura de origem animal ao metanol, um álcool extraído do
gás natural, e mais um catalisador, uma substância química. Para cada mil
litros de óleo são necessários 300 litros de metanol.
O aumento da participação do biodiesel no diesel
vai estimular a demanda por matérias-primas para o fabrico do óleo vegetal. As
opções são muitas. A mais recente, que é objeto de estudo de várias
instituições de pesquisa brasileiras, é o óleo do fruto da macaúba, uma
palmeira encontrada em quase todo Brasil, do norte de Minas Gerais até o norte
da Argentina. Ela é a mais nova promessa para a produção de biodiesel. O que
atrai na planta é a quantidade de óleo que essa cultura sem nenhum melhoramento
agronômico produz num espaço de 10 mil metros quadrados ou 1 hectare (ha): até
4 mil litros. A título de comparação, a soja rende 500 l/ha.
“A macaúba será extremamente importante para o
futuro do biodiesel em alguns anos. É a cara do Brasil porque é uma planta
nativa que está sendo muito pesquisada e em pouco tempo vai ganhar mercado”,
comenta Donizete Tokarski, diretor superintendente da União Brasileira do
Biodiesel (Ubrabio), que reúne os produtores. Ele garante que, com a capacidade
industrial atual, é possível aumentar a oferta de biodiesel aos poucos, até
atingir os 15% na composição com o diesel. Isso é possível porque quase toda a
matéria-prima para o biodiesel é de subprodutos, como óleo de soja, gordura
animal e óleo do caroço do algodão. Existe ainda o óleo de fritura, por
exemplo, segundo Tokarski, uma fonte quase inexplorada. Dependendo da região,
compra-se o litro por valores que vão de R$ 0,40/l a R$ 1,80/l.
Para o futuro, ainda existe a cultura do dendê, que
pode render 4 mil l/ha. Também chamada de palma, essa cultura ainda não atingiu
um volume de produção para o biocombustível e certamente terá um custo mais favorável
na região Norte do país, onde é plantada e se adapta melhor. A previsão em
relação à macaúba é que em quatro anos os produtores terão mudas para plantio e
em mais seis anos, o óleo para a venda.
A planta (Acrocomia aculeata) é uma palmácea nativa
presente no Cerrado, na região Centro-Oeste, Pantanal e até na parte oeste e
sul da região amazônica. “Não existe na história brasileira uma planta nativa
que tenha atraído tantos pesquisadores em tão pouco tempo”, avalia o engenheiro
agrônomo Carlos Augusto Colombo, pesquisador do Instituto Agronômico de
Campinas (IAC). “São mais de 100 pesquisadores no Brasil estudando o
melhoramento genético da macaúba e as características químicas do óleo.” O
trabalho no IAC começou em 2006, quando o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e outros órgãos de fomento incentivaram por
meio de editais a pesquisa com oleaginosas para a produção de biodiesel.
Colombo teve um projeto financiado pela Fapesp, em que levantou e identificou
plantas de macaúba em vários locais do estado de São Paulo. “Foi uma coleta de
sementes dos frutos para que pudéssemos estudar a variabilidade genética na
população e fazer cruzamentos entre elas para uma futura formação de cultivares
para plantio.” Depois de 10 anos, Colombo anuncia que em mais quatro anos o IAC
poderá lançar no mercado agrícola uma variedade para plantio voltada à produção
de óleo.
Lembrança do pinhão
“O óleo de macaúba é muito estável e tem ácido
láurico, um importante ingrediente para a indústria de cosméticos. Na natureza,
a planta gera de 3 a 4 mil litros de óleo/ha/ano. Com o nosso melhoramento,
atingiremos de 8 a 9 mil l/ha”, afirma Colombo. Entre os projetos em que
participa está um do Banco Mundial, junto com a Universidade Leuphana, da Alemanha,
que financia a plantação de macaúba em 2.000 ha em Patos de Minas (MG) com
apoio do IAC e que funciona em consórcio com a criação de gado. Esse tipo de
associação contribui para recuperar pastagens.
Colombo diz que toma todos os cuidados para que não ocorra com a macaúba o que aconteceu há alguns anos com o pinhão-manso (Jathopha curcas): um excesso de otimismo entre produtores de biodiesel antes mesmo de existirem pesquisas e o estabelecimento de dados agronômicos sobre a cultura. “O pinhão-manso não apresentava plantas de porte baixo, o que dificulta a colheita. Tem frutos grandes, pequenos e amadurecimento em épocas distintas em pés diferentes na mesma plantação”, lembra. Para evitar essa situação, os pesquisadores estão identificando as melhores plantas de macaúba, com porte baixo, mais produtivas e com maiores teores de óleo. A macaúba pode produzir por mais de 20 anos.
Colombo diz que toma todos os cuidados para que não ocorra com a macaúba o que aconteceu há alguns anos com o pinhão-manso (Jathopha curcas): um excesso de otimismo entre produtores de biodiesel antes mesmo de existirem pesquisas e o estabelecimento de dados agronômicos sobre a cultura. “O pinhão-manso não apresentava plantas de porte baixo, o que dificulta a colheita. Tem frutos grandes, pequenos e amadurecimento em épocas distintas em pés diferentes na mesma plantação”, lembra. Para evitar essa situação, os pesquisadores estão identificando as melhores plantas de macaúba, com porte baixo, mais produtivas e com maiores teores de óleo. A macaúba pode produzir por mais de 20 anos.
Outra frente de estudo e produção de variedades
para plantio de macaúba está na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas
Gerais, onde o agrônomo Sergio Motoike coordena um projeto desde 2005, que teve
financiamento da Petrobras e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais (Fapemig). Inicialmente o grupo estudou o dendê (Elaeis
guineenses) e chegou a um sistema de micropropagação (multiplicação), que
recebeu financiamento do CNPq e da empresa Agropalma. “Conseguimos fazer 20
clones da melhor planta, que agora estão em testes.” O dendê ainda é pouco
utilizado na produção do biodiesel. O óleo produzido no país vai para a
indústria alimentícia e de cosméticos. O mesmo acontece com a mamona, embora
pese contra o óleo dessa planta um alto teor de viscosidade que dificulta o
processo de obtenção de biodiesel. “Com relação ao dendê, a área plantada está
sendo expandida no Pará para que, quando houver excedente de óleo, em alguns
anos, ele possa ser destinado ao biodiesel”, conta Motoike.
“A produção de biodiesel a partir da macaúba tem
boas perspectivas, não só devido à alta produção de óleo por hectare, mas
também pelas propriedades físico-químicas que resultam em um biodiesel de alta
qualidade”, explica a engenheira de alimentos Aldara da Silva César, professora
e coordenadora do Grupo de Análise de Sistemas Agroindustriais da Universidade
Federal Fluminense (UFF), em Volta Redonda (RJ). Apesar disso, para ela, o óleo
produzido poderia ser direcionado, principalmente para as indústrias
farmacêutica e de cosméticos. “Atualmente, os retornos financeiros nesses
setores são maiores do que se fossem usados para fazer biodiesel. Entretanto,
desenvolver a coleta extrativista nas regiões onde a macaúba é nativa poderia
incentivar a inclusão social que também é foco do Programa Nacional de Produção
e Uso do Biodiesel”, sugere Aldara.
“Agora estamos selecionando os melhores exemplares
de macaúba até chegar a uma variedade definitiva e produtiva”, explica Motoike.
Isso é feito por cruzamento tradicional entre as melhores e mais produtivas
plantas. Um dos estudos realizados em Viçosa é sobre a quebra da dormência das
sementes de macaúba, um passo importante para o estabelecimento de uma cultura
dessa palmácea. “Isso foi em 2007. A germinação das sementes chegava a 3% do
total e, com o nosso método, que resultou em uma patente, atingimos 80%”,
conta. A técnica usa um hormônio na semente que leva à pré-germinação.
Preservação
Preservação
Um fator que pode prejudicar o óleo de macaúba é a
rápida acidificação do fruto. “O tempo para processar é de dois dias, depois
eles começam a acidificar”, explica a microbiologista Elisa Costa Cavalcanti,
pós-graduanda do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Em um grupo coordenado pela professora Denise Freire, Elisa conta que
foram realizados vários experimentos para que o fruto da macaúba pudesse ser
preservado por mais dias. “O método mais adequado é o autoclave, em que o fruto
é aquecido e passa por secagem em uma estufa. Assim é possível estocar por 180
dias”, afirma.
Aprender a preservar o fruto é importante também
para competir com a soja, grão que pode ser estocado sem cuidados especiais por
até seis meses e que tem um amplo mercado externo e interno. “Seu principal
produto é o farelo, uma proteína, tanto para a indústria alimentícia como para
a alimentação animal. Para obter o farelo é preciso espremer os grãos; o óleo é
um subproduto desse processo, que é usado cada vez menos na cozinha”, explica o
engenheiro agrônomo Décio Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina.
Há 10 anos, a esperança da produção do biodiesel
eram as algas. Já existiam experimentos demonstrando que a massa de gordura
extraída do cultivo de algas pode chegar a 50 mil l/ha. Mas o freio veio na
área econômica. Em 2007 e 2008, várias empresas foram criadas, principalmente
nos Estados Unidos, e a expectativa era de que o custo do processo de produção
de biodiesel com algas iria cair. Houve redução de custos, mas não o suficiente
para tornar o processo competitivo.
“O biocombustível de algas ficou inviável”, diz
Sergio Goldemberg, sócio da Algae, empresa paulistana que desenvolveu
tecnologia para a produção de gordura com microalgas cultivadas na vinhaça, um
resíduo da produção de etanol de cana-de-açúcar. Goldemberg agora procura
outras aplicações para a produção das microalgas que se alimentam de vinhaça,
como ração para animais e aditivos para cosméticos.
Enquanto a macaúba e o dendê não se tornarem
alternativas viáveis, o biodiesel provavelmente continuará sendo produzido com
subprodutos da agricultura e da indústria. Falta, segundo os especialistas,
aproveitar o potencial do óleo de fritura utilizado em residências,
restaurantes e indústrias do país. O que não é usado é jogado nos ralos e
esgotos ou mesmo em cursos d´água. “A coleta de óleo é um desafio porque ainda
é muito pulverizada em pequenas unidades ao longo de uma cidade”, analisa
Aldara. (biodieselbr)
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