terça-feira, 22 de novembro de 2016

Cronograma para uso de energia limpa em ônibus de SP está atrasado


Cronograma para uso de energia limpa em ônibus de SP está atrasado, diz Greenpeace.


O cronograma de transição do uso de combustíveis fósseis para renováveis na frota de ônibus da cidade de São Paulo não está sendo cumprido, de acordo com o Dossiê Ônibus Limpo, da organização não governamental (ONG) Greenpeace. O prazo previsto em lei municipal para que todos os veículos públicos coletivos da cidade passem a utilizar combustível de fontes não fósseis é 2018. Atualmente a maior parte da frota é movida a derivados de petróleo e gás.

“No ritmo em que [a transição] está hoje, a data de 2018 é inviável [para cumprimento da lei]. Essa lei tem sido praticamente ignorada pelos gestores públicos, sobretudo pelos operadores das companhias de ônibus”, disse Bárbara Rubim, da campanha de Clima e Energia do Greenpeace.
“Em São Paulo, temos a Lei de Mudanças Climáticas, que foi instituída em 2009, e essa lei obriga que toda a frota de veículos do Poder Público municipal – não só ônibus, mas os carros oficiais e carros da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] – passem por uma transição para combustíveis 100% renováveis até 2018, quando essa lei completa nove anos. O que se viu foi que foi feito muito pouco para ela de fato acontecer”, disse.
Uma frota abastecida totalmente por combustíveis não fósseis é tecnicamente viável, segundo a ONG. “A viabilidade técnica de substituir o óleo diesel por combustíveis renováveis [etanol, biodiesel, diesel de cana-de-açúcar e eletricidade] na frota de ônibus de São Paulo é comprovada desde 2009, quando a cidade foi pioneira em estabelecer sua lei municipal de clima [Lei 14.933/09]”, diz o dossiê.
O Artigo 50 da lei municipal, que estabelece o cronograma de transição, diz que “os programas, contratos e autorizações municipais de transportes públicos devem considerar redução progressiva do uso de combustíveis fósseis, ficando adotada a meta progressiva de redução de, pelo menos, 10% (dez por cento) a cada ano, a partir de 2009 e a utilização, em 2018, de combustível renovável não fóssil por todos os ônibus do sistema de transporte público do município”.
Dados do dossiê mostram que menos de 9% do combustível usado no sistema hoje tem origem nas chamadas fontes renováveis, aquelas que têm os menores custos socioambientais. Para Bárbara, a grande esperança para viabilizar a transição é a nova licitação dos ônibus, que deve ocorrer no ano que vem.
“São Paulo está para ter uma nova licitação de ônibus desde 2014 e essa licitação tem sido postergada por diversos motivos e dificuldades que a prefeitura tem encontrado. O que esperamos é que, nessa licitação, a prefeitura realmente coloque metas de migração para essa frota, para obrigar os empresários que forem participar da licitação a observar isso quando forem renovar a frota de ônibus da cidade.”
De acordo com o dossiê, essa obrigação legal vem sendo “negligenciada” e “postergada” pelas empresas concessionárias do setor de transportes, “com a conivência do Poder Público municipal sob a justificativa de inviabilidade técnica”.
“Como a lei já estabelecia um processo gradual de adaptação às empresas concessionárias desde 2009, não é aceitável agora considerar qualquer possibilidade de anistia a quem não cumprir a meta de substituição total do diesel até 2018 ou que esse custo da transição seja repassado à população por meio de aumento na tarifa”, diz o documento.
A entidade pede que sejam aplicadas penalidades às empresas concessionárias e à prefeitura caso o plano de transição não seja cumprido e que o Poder Público se comprometa a não repassar eventuais custos à população por meio do aumento na tarifa.
Viabilidade econômica
“O custo de implementação da troca imediata desse sistema [de transporte] é um pouco mais elevado. Mas, no médio e longo prazo, os custos da operação [dos ônibus] são muito mais baixos”, disse Bárbara Rubim, ao destacar que, ao longo do tempo, haverá economia por parte do gestor e do operador da frota de ônibus, o que compensará esse custo inicial maior.
De acordo com ela, um aumento de tarifa seria injustificável e há possibilidade da transição sem repassar qualquer custo ao usuário do transporte. “Por exemplo, quando falamos de uma frota de ônibus elétrico, nós temos um custo de manutenção que chega a ser 25% menor do que o de um ônibus movido a diesel ou a biodiesel. E uma economia com combustível que chega a 65%”, disse.
Como alternativa para custear esse primeiro momento de transição, na substituição de combustível fóssil pelo renovável, a representante do Greenpeace apresenta outras formas de financiamento, como  redução da margem de lucro dos empresários que atuam no setor.
Testes
O dossiê afirma que testes já foram realizados por alguns fabricantes dos ônibus, e que estudos de casos de outras cidades do país mostram que o custo do sistema não aumentaria. Bárbara citou exemplos de cidades como Curitiba e Campinas (SP), das quais se pode extrair experiências. Dez ônibus elétricos circulam em cinco linhas diferentes na cidade de Campinas.
Em cinco meses de testes e operação regular em suas linhas, a empresa Itajaí Transportes Coletivos Ltda., do município no interior paulista, calcula, segundo o dossiê, que terá uma economia anual de até R$ 20 mil em custos operacionais com a utilização de um modelo elétrico puro.
Estudos do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP), de outubro de 2013, levantam dados sobre o impacto direto do carregamento de veículos na rede elétrica com sua capacidade atual. “Com algumas ações, como tarifa diferenciada para recarga [de baterias] em horários de pouca demanda energética e com um sistema inteligente, a penetração do veículo elétrico pode chegar a 32% da frota atual sem sobrecarregar o sistema”, diz o documento.


“Já existem hoje baterias em teste aqui no Brasil, em que o ônibus, por exemplo, pode ser carregado à noite, quando geralmente a eletricidade que estamos consumindo tem um custo mais barato no sistema, e é possível usar essa bateria para devolver eletricidade para a rede quando for necessário”, disse Bárbara Rubim.
O ônibus elétrico consumiria energia da rede. No caso brasileiro, cerca de 65% da eletricidade vêm de hidrelétricas e o restante vem de termelétricas ou de fonte solar, eólica e biomassa. Bárbara lembrou que, em algumas situações, a energia hidrelétrica não é sustentável e isso acaba tornando-a “socialmente injusta”.
“Da mesma forma que lutamos para haver uma eletrificação maior da frota de ônibus, no setor de transporte como um todo, também lutamos para que haja uma expansão da nossa matriz renovável para outras fontes, que não hidrelétricas”, defendeu Bárbara.
Dados do dossiê mostram que, de acordo com planejamento do governo, as fontes energéticas consideradas mais sustentáveis e socialmente justas – solar, eólica e biomassa – devem alcançar 24% de toda a matriz energética do país até 2024.
Indústria
O dossiê aponta que as empresas que têm tecnologias de combustíveis alternativos ao diesel mineral consideram que as demandas por seus produtos estão muito abaixo da capacidade instalada. Segundo o documento, a fábrica da Volvo está pronta para produzir cerca de 600 unidades do modelo de ônibus híbrido, que é movido à bateria e diesel.
Já a empresa Eletra, segundo o dossiê, poderia produzir 2,4 mil veículos anualmente, caso houvesse a devida demanda. A empresa BYD tem a capacidade de produzir 500 unidades por ano, no entanto, se o número de pedidos esperado pela empresa se concretizar, a previsão é que sejam produzidos 2 mil veículos anuais.
Saúde
O uso de fontes não fósseis reduziria ainda a poluição atmosférica, diminuindo doenças respiratórias e casos de câncer na população, aponta o dossiê. Anualmente, segundo o documento, cerca de 4,7 mil pessoas morrem na cidade de São Paulo em decorrência da inalação de material particulado e aproximadamente 47% das emissões dos poluentes em partículas são gerados por ônibus.
“O dossiê levou em conta um estudo feito pelo Instituto de Saúde e Sustentabilidade e mostrou que a redução na queima de diesel convencional não só poupa recursos dos cofres públicos, mas também salva vidas”, disse Bárbara.
O dossiê destaca que o aumento de 5% para 20% na mistura de biodiesel no diesel mineral poderia evitar 7.319 mortes entre 2015 e 2025, de acordo com dados do estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, além de poupar R$ 1,4 bilhão em custos públicos e privados decorrentes dessas mortes. “Só nos cofres públicos, a economia seria de R$ 53 milhões”, acrescenta o documento.
Ministério Público
Em dezembro do ano passado, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) abriu inquérito civil para apurar a viabilidade técnica para a implantação dos veículos movidos a combustível renovável.
Para o promotor Marcos Lúcio Barreto, “o prazo de 2018 se tornou inexequível”. “A prefeitura, ao longo destes últimos anos, se revelou muito letárgica e omissa no atingimento dessa meta. A dois anos do prazo fatal, nós temos 3% da nossa frota convertida. É irreal você imaginar que, em dois anos, os 97% restantes vão ser alcançados”, completou Barreto.
“Outro fato relevante é que está tramitando na Câmara Municipal um projeto de lei de autoria do vereador Gilberto Natalini, alterando esse prazo fatal de 2018. É bem provável que se estenda aí por mais cinco anos. Com isso, então, esse quadro teria uma modificação”, disse o promotor.
Após reunião no final de setembro deste ano com diversos agentes envolvidos na questão, o promotor enviou ofício à prefeitura cobrando uma prestação de contas. O promotor disse que prefere a mediação em todos os casos, tentando resolver administrativamente, sem recorrer à Justiça. No entanto, ressaltou que é preciso um posicionamento da prefeitura. “Eu espero não ter que me valer disso, mas para isso eu tenho que ter uma demonstração cabal de que as principais partes envolvidas estão de fato se movimentando para que a lei seja cumprida”.


Secretaria de Transportes
A Secretaria Municipal de Transportes disse, em nota, que todas as alternativas energéticas de fonte renovável apresentadas até o momento têm custo superior ao diesel. O órgão afirmou ainda que a nova licitação para operação do sistema de ônibus na capital prevê a utilização de combustível de fonte renovável em toda a frota municipal, porém, de forma gradual.
De acordo com a secretaria, “a cadeia produtiva, composta por fabricantes de chassis, carrocerias e desenvolvedores de novas fontes energéticas, não está preparada para atender, de imediato e por completo, às necessidades definidas pela lei”.
A Agência Brasil pediu entrevista com o secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, mas não foi atendida. (ecodebate)

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