Novas movimentações acontecem
na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, tanto local quanto no campo jurídico.
Como previsto, para a instalação das quatro usinas termoelétricas flutuantes e
uma de armazenamento e regaseificação de GNL da empresa Karpowership (KPS),
mais 36 torres de transmissão previamente previstas com número atualizado para
40 torres, o desmatamento da área costeira, que compreende o bioma Mata
Atlântica, destruiu mangues e restingas. Já no mar, a movimentação local
espantou peixes, o que está afetando diretamente a pesca, atividade econômica
tradicional de milhares de famílias na região.
Segundo pescadores locais, os
peixes já não são encontrados em mais de 6 áreas, entre elas, a restinga da
Marambaia. Em outras localidades, estão escassos. Tudo isso por conta do
tráfego de embarcações e desmatamento da região costeira – aproximadamente 6
hectares de Mata Atlântica. Em entrevista, pescadores afirmaram que o volume de
pescado que estão retirando não está dando para pagar as contas e comparam a
redução do alimento e fonte de renda: se antes conseguiam encher diversos
isopores em poucas horas, agora, em uma madrugada, só enchem um.
Eles também relatam que as
embarcações estão impedindo o livre acesso dos pescadores na região, ameaçando
assim uma tradição e modo de vida. Insatisfeitos, eles fizeram um protesto em 27/07/22 e seguem denunciando cabos dentro da baía, que podem provocar
acidentes, e a continuidade das construções, mesmo com a sentença do TJRJ.
Cerca de 160 pescadores da Associação de Pescadores do Canal do Rio São
Francisco se posicionaram em 60 barcos para protestar contra as embarcações da
KPS. A empresa diz que irá compensar os pescadores, mas como o Instituto
Internacional Arayara aponta, não houve discussão formal dentro do processo
legal, que exige EIA-RIMA e escuta com chamadas oficiais de audiências públicas
com a categoria.
Uma das argumentações
apresentadas com frequência pelos representantes da multinacional é de que vão
compensar o desmatamento. “Mas o estrago que já está sendo causado agora é
apenas o início do pesadelo, principalmente dos pescadores, marisqueiras e
botos da baía, sem falar do efeito terrível nos componentes da flora e fauna do
local com a falta de estudos conclusivos sobre os efeitos sobre cada um
desses”, apontam os técnicos da Arayara.
É válido lembrar algumas das diversas problemáticas do empreendimento: além do fortalecimento de uma matriz energética suja – que deve ser deixada no passado, como cientistas do IPCC (Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas) afirmam – o potencial de poluição atmosférica e marítima é enorme. No caso do mar, a água utilizada para resfriar os motores das embarcações será devolvida a uma temperatura superior a da região, atingindo organismos sensíveis, como o Boto Cinza, sem contar os químicos utilizados para desincrustar os sistemas de resfriamento. Além disso, existem outros impactos associados, como o nível de barulho e a iluminação à noite.
A diretora do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira, denuncia que a implementação do complexo de termoelétricas é um projeto de racismo ambiental e racismo energético , pois essa energia foi contratada com valor quase 7 vezes maior que o habitual e têm alto grau de impacto local, agravando crises econômicas e sociais. O petróleo e gás natural são as energias mais caras do mercado e podem ser substituídas por energias limpas e renováveis.
Uma das queixas dos
pescadores é a falta de ação das autoridades locais. O INEA (Instituto Estadual
do Ambiente) ainda não teria agido para paralisar a obra, conforme determina a
decisão do Tribunal de Justiça Estadual do Rio de Janeiro. Tal inação já está
levantando novas manifestações por parte dos moradores da baía.
Um despacho da Secretaria de
Estado de Planejamento e Gestão informou que “deverá ser realizado o
monitoramento por avistagem e acústico, durante todo o processo de instalação
das torres que venha a interferir no ambiente marinho”. O documento ainda
afirma que a frequência deve ser de, pelo menos, três vezes por semana, e o
relatório deverá ser encaminhado mensalmente ao INEA. Nele, devem conter dados
de avistamento diário de cetáceos, incluindo número de indivíduos, dia, horário
e local georreferenciado em relação ao posicionamento das torres.
O coordenador técnico da
Arayara.org, Engenheiro John Würdig, afirma que nunca tinha visto um órgão
ambiental se manifestar de forma tão célere em favor de um empreendimento.
“Fica cada vez mais nítido que os estudos apresentados pela KPS são falhos e
não atendem a legislação ambiental brasileira, especialmente nas questões de
padrões de emissões atmosférica e de geração de efluentes líquidos industriais.
Esse empreendedor, desde dezembro/2021, tenta que seu empreendimento seja
isento de licenciamento ambiental, declarando que se tratam de usinas já
construídas e que têm baixo impacto ambiental, quando na verdade o próprio INEA
classificou o empreendimento como de alto e significativo impacto poluidor,
recebendo a classificação máxima como poluidor” diz Würdig.
Uma nova notificação foi
enviada pela Arayara.org em 28/07/22, ao CECA (Conselho Estadual
de Controle Ambiental) e ao INEA, solicitando que sejam incluídos no sistema de
processo de licenciamento das termelétricas flutuantes os documentos referentes
à decisão judicial publicada em 22/07/22, que impede que o
empreendimento continue suas obras sem que o devido estudo de impacto ambiental
EIA-RIMA seja apresentado e aprovado.
A ANEEL (Agência Nacional de
Energia Elétrica) isentou a Karpowership de pagar multa no valor de R$ 140
milhões pelo atraso no início da operação, que deveriam ter iniciado, com todos
os trâmites legais devidamente seguidos, em maio/2022. Houve a prorrogação do
prazo por 90 dias, prazo esse que venceu em 01/08/2022.
É pertinente recordar que o
leilão de energia em que a empresa foi contratada era de caráter emergencial e
que a situação de crise hídrica não é mais uma realidade. Não se pode
justificar tantos benefícios concedidos no processo de licenciamento “express”
que se observa na contratação dessa energia suja e cara. Os estragos já são
reais, a ANEEL deve tomar medidas justas sobre o não cumprimento do contrato,
ou a sociedade vai continuar pagando caro por isso.
Para ampliar o debate, uma
nova audiência pública foi articulada pela Arayara.org e aconteceu em 03/08/22 às 15h30 na Câmara Federal. A audiência reúne as Comissões de
Direitos Humanos, por solicitação da deputada Talíria Petrone, e Comissão de
Minas e Energia, solicitada pelo deputado Rodrigo Agostinho.
O Instituto Internacional Arayara estará presente, representado pelo coordenador técnico John Würdig, assim como Juliano Bueno de Araújo representando o Observatório do Petróleo e Gás, Flávio Lontro da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos – Confrem Brasil, Jaime Mitropoulos do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, Helena de Godoy Bergallo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, Eduardo Fortunato Bim do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Philipe Campello do Instituto Estadual do Ambiente/INEA.
A sociedade civil reivindica que seja cumprida a lei e que o Estado do Rio e a Agência Nacional de Energia Elétrica/ANEEL sejam responsabilizados por não cumprirem os ritos processuais para esse empreendimento, que ameaça a qualidade de vida, o meio ambiente, a segurança alimentar, o modo de vida da população local e a soberania energética brasileira. (ecodebate)
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