A redução no uso de sebo
bovino – terceira matéria-prima mais utilizada na fabricação de biodiesel no
Brasil – ou no óleo de palma seria uma alternativa para diminuir problemas na
qualidade do biocombustível. Isso poderia afetar empresas como JBS, Minerva e
BBF. De outro lado, beneficiaria “players” que atuam com óleo de soja, com
potencial de ampliar a dominância desse insumo.
A
agência reguladora, que avalia a situação desde julho de 2020, disse que não
pretende excluir qualquer matéria-prima do processo em uma definição prevista
para entre dois e três meses. A resolução visa à melhoria da qualidade do
biodiesel e o saneamento de problemas apontados pelo mercado automotivo e pelas
distribuidoras de combustíveis.
Entre esses problemas estão,
por exemplo, oxidação e degradação do biodiesel, decantação de material no
fundo de tanques, entupimento de filtros e congelamento durante o inverno,
principalmente no Sul do país.
Entre as exigências
discutidas na ANP que podem afetar a demanda por gordura animal e óleo de palma
estão a redução do limite máximo de monoglicerídeos, que passaria dos atuais
0,7% de massa para 0,4% de massa, e o chamado Teste de Filtração por Imersão a
Frio (TFIF), que seria uma barreira a tais matérias-primas, de acordo com duas
fontes do setor produtivo.
“Isso vai levar à necessidade
de mudar o mix de matérias-primas. Seria necessário reduzir principalmente a
participação da gordura animal, o que preocupa muito as empresas. Imagine uma
empresa que é oriunda de frigorífico. Ela terá que comprar mais óleo vegetal,
uma matéria-prima fora da sua cadeia de produção”, disse uma fonte do setor
produtivo, sob condição de anonimato.
“Isso é prejudicar o sebo e a palma. Você não vai poder fazer biodiesel com um determinado percentual maior que 20% a 30%. Significa limitar produtores”, afirmou uma segunda fonte.
A ANP não indicou qualquer percentual para uso de matérias-primas do biodiesel. A agência afirmou que avalia as cerca de 200 sugestões que recebeu na consulta pública e que, devido à complexidade do tema, estão sob “detidos estudos e debates com vistas à decisão quanto aos seus acatamentos ou não”.
“Não há seleção ou adoção de
matérias-primas preferenciais para a produção de biodiesel, podendo o produtor
usar quaisquer que julgar convenientes”, disse a ANP à Reuters.
“O obrigatório é que o
produto final atenda às especificações normatizadas”, disse a reguladora, na
nota, acrescentando que as eventuais adoções de limites ou parâmetros apontados
pelos produtores “não inviabilizam o uso das matérias-primas citadas”.
Já o coordenador de Mercado
Interno da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (ABRA), Lucas Portela,
critica o rumo das discussões por avaliar que não há garantia de que trarão
maior eficiência ou qualidade.
“A gente observa que não há
um estudo mais profundo sobre essas mudanças, um grupo de pesquisas mais amplo.
Lógico. Há todos os pareceres técnicos da ANP, mas a gente acha que há
necessidade de um aprofundamento científico”, disse Portela.
Ele admitiu que uma eventual
mudança obrigaria o setor a aumentar a parcela destinada à produção de sabão e
também as exportações de sebo.
Procuradas, as grandes empresas do setor que trabalham com sebo bovino como matéria-prima, JBS e Minerva, não comentaram o assunto. O mesmo ocorreu com a BBF, que atua com óleo de palma.
Viabilidade
As
mudanças avaliadas visam evitar problemas de congelamento e, consequentemente,
entupimento de filtros e bicos injetores dos motores dos veículos.
Segundo
a pesquisadora da Embrapa Agroenergia, Itânia Soares, as saturações do
biodiesel à base de soja, por exemplo, e do produzido a partir de gordura
animal são diferentes, o que justifica a análise do setor quanto à
inviabilidade de atender a essas especificações.
“Essa característica confere
ao biodiesel à base de soja maior fluidez. A gordura animal é a mais
problemática porque tem mais cadeias de saturação [o que deixa o produto menos
fluido]. Por exemplo: se você fizer um biodiesel só de soja, ele fica
‘bonitinho’ a 20 °C. Se fizer com sebo animal, principalmente bovino, vai
solidificar em pouco tempo”, disse Soares, acrescentando que o mesmo ocorre em
relação ao óleo de palma.
Para Soares, as revisões pela
ANP são válidas, mas a qualidade do atual biodiesel brasileiro não perde para a
do biodiesel do Canadá, Estados Unidos e de países europeus.
“As
nossas especificações já são bem rígidas. A gente acredita que haja muitos
problemas de boas práticas. Se você não tiver cuidado no transporte, inclusive
depois da mistura ao diesel, com certeza você vai ter problemas de
contaminação”, afirmou.
Segundo dados da ANP, a gordura bovina é a terceira matéria-prima mais usada na produção de biodiesel no Brasil este ano, respondendo por 7,9% do total, atrás do óleo de soja (66%) e materiais graxos (16,6%), que mistura matérias-primas oriundas do reprocessamento de sub-produtos da produção, inclusive gorduras animais.
Em quarto lugar (7,2%), vem o grupo que abrange gorduras de frango e de porco e óleos de algodão, canola, milho e de fritura (usado). Por fim, vêm os óleos de palma e de dendê, com 2,3% conjuntamente. (biodieselbr)
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