quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A arma secreta do etanol brasileiro

Como um modelo matemático cacifou o lobby que abriu o mercado dos Estados Unidos ao álcool da cana.
AUTORES - André (E), Laura, Marcelo, Luciane e Leila trabalharam para mostrar que o etanol não desmata a Amazônia.
Luciane Chiodi sonhou com o Blum na sua lua-de-mel. Por mais de um ano, ela e os colegas de trabalho Marcelo Moreira, Leila Harfuth e Laura Antoniazzi, coordenados por André Nassar, dedicaram-se integralmente ao Blum. Leila conta que acordava de madrugada, com insônia, pensando em mudanças que poderia fazer no Blum. "Era só isso de manhã, de tarde, de noite", disse Moreira. Blum?
Blum são as iniciais de "Brazilian Land Use Model", que significa Modelo Brasileiro de Uso da Terra. Trata-se de uma ferramenta matemática, formada por centenas de equações, que ajudou a convencer os Estados Unidos de que o etanol brasileiro não é responsável pelo desmatamento da Amazônia e, portanto, não deveria ser penalizado por isso.
O Blum é apenas uma peça de um dos mais bem sucedidos lobbies feitos por empresários brasileiros no exterior. No dia 4 de fevereiro, a Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol de cana como combustível avançado, com redução de 61% das emissões de dióxido de carbono (CO2) em relação à gasolina, acima dos 21% do etanol de milho. A decisão abre para o Brasil um mercado de até 40 bilhões de litros nos EUA nos próximos anos e funciona como um selo de garantia nos demais países.
Mas a vitória não veio de graça. Há três anos o etanol vinha sendo bombardeado por ambientalistas, que culpavam a cana pelos problemas na Amazônia, e por especialistas em segurança alimentar, que diziam que os biocombustíveis encareciam o custo dos alimentos.
Os usineiros brasileiros tinham de mudar essa imagem - uma tarefa difícil para um setor fragmentado e pouco internacionalizado. Sem saber direito que rumo seguir, a União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica) contratou Marcos Jank para dirigir a entidade. Filho de fazendeiros, Jank foi professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Washington. Com a bênção dos ex-ministros Luiz Furlan e Roberto Rodrigues, fundou o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), entidade financiada por empresários.
Jank ganhou carta branca dos usineiros para abrir escritórios no exterior. Ele contratou em Washington o lobista brasileiro Joel Velasco, que tinha trabalhado no gabinete do ex-vice-presidente dos EUA Al Gore.
Velasco assumiu o cargo em dezembro de 2007 e passou a circular pelo Congresso americano e a acompanhar a tramitação da Lei de Segurança e Independência Energética. A lei dividiu o etanol em três categorias (convencional, avançado e celulósico), com previsões diferentes de consumo. E entregou ao EPA a tarefa de calcular em quanto o etanol de cana reduz a emissão de gases de efeito estufa. Mais complicado ainda: o cálculo deveria incluir o efeito indireto do uso da terra.
A determinação provocou polêmica no Brasil. Usineiros e pesquisadores são contra a ideia de que a expansão da cana no Centro-Sul empurra a pecuária para a Amazônia. Argumentam que é impossível medir isso e que outros problemas, como a ocupação ilegal de terras, provocam desmatamento.
"O problema é que, se querem contar extra-terrestres em Marte, não adianta argumentar que ETs não existem", disse Velasco. "Disse isso na Unica e apanhei muito." Mas foi com esse pragmatismo que a entidade decidiu influenciar nos cálculos do EPA.
Velasco se aproximou dos técnicos do órgão logo no início de 2008. "Comecei a participar de todas as conferências que faziam", disse. Jank reuniu cerca de 20 especialistas para elaborar os argumentos brasileiros. Coube à turma de André Nassar, diretor executivo do Icone, criar o modelo matemático Blum, que provou que o efeito indireto da cana na Amazônia é muito menor do que os americanos achavam.
Em maio de 2009, o EPA apresentou o primeiro cálculo: o etanol de cana reduzia em 44% a emissão de CO2. O resultado foi uma decepção. Para ser avançado, o etanol deveria ter alcançado 50%. Para ser comparado ao celulósico, que ainda não foi desenvolvido comercialmente, acima de 60%.
O resultado do EPA estava aberto à consulta pública. Era a hora de apresentar os argumentos técnicos. Em agosto de 2009, o Itamaraty trouxe uma missão do órgão ao Brasil. Joel conta que ouviu, pela primeira vez, informalmente, qual seria o resultado no início de janeiro. "Um amigo me ligou e disse: Está sentado? Soube que o número do EPA deu 61%."
O QUE É O BLUM
Brazilian Land Use Model
Em português, significa Modelo Brasileiro de Uso da Terra
É uma ferramenta matemática formada por centenas de equações, usada pelo lobby dos usineiros brasileiros nos Estados Unidos
Ela mostrou que o etanol não é responsável pelo desmatamento da Amazônia

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