O etanol brasileiro vem ganhando cada vez mais fãs na indústria mundial. Em janeiro, a Agência Americana de Proteção Ambiental classificou o etanol produzido da cana com um biocombustível avançado, ou seja, que sua emissão reduz significativamente a emissão de dióxido de carbono em relação à gasolina. “Na prática, a classificação do etanol de cana como “avançado” segundo o critério da agência dos EUA não altera em nada a continuidade dos padrões insustentáveis, ambientais e sociais do qual dependem o setor sucroalcooleiro no país. Este fato representa uma conquista importante para assegurar mercado nos EUA para o etanol de cana do Brasil, fruto de uma campanha de lobby do setor privado, com apoio de cientistas e do governo”, afirmou a pesquisadora Camila Moreno durante a entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line.
Camila, que é ativista da Ong Terra de Direitos, falou conosco sobre a fusão da Shell com a Cosan, a internacionalização do etanol brasileiro e da relação da expansão da produção de biocombustíveis com o aumento da pecuária nas matas. “Seria interessante um estudo destes que definisse a monocultura como crime ambiental e social e que recomendasse recuperação imediata dos ecossistemas degradados com vegetação nativa, com sistemas agroecológicos”, indicou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol feito de cana como um biocombustível avançado, que reduz a emissão de dióxido de carbono em 61% comparado a gasolina. Qual o impacto dessa decisão?
Camila Moreno – Esta decisão vem sendo celebrada pela indústria como o ‘passaporte’ para o etanol brasileiro ganhar o mundo, uma espécie de passe ambiental para a aceitabilidade ‘ecológica’ do combustível, tanto junto à opinião pública como para fins de política pública. Na prática, a classificação do etanol de cana como “avançado” segundo o critério da agência dos EUA não altera em nada a continuidade dos padrões insustentáveis, ambientais e sociais do qual dependem o setor sucroalcooleiro no país. Este fato representa uma conquista importante para assegurar mercado nos EUA para o etanol de cana do Brasil, fruto de uma campanha de lobby do setor privado, com apoio de cientistas e do governo (em linha com a estratégia prevista no Memorando de Entendimento sobre Biocombustíveis assinado há três anos entre os dois países, a chamada “Aliança do Etanol”).
É preocupante, porém, que este tipo de credencial pseudo-ambiental vá contribuir para promover e legitimar a expansão das monoculturas de cana não apenas no Brasil, mas em países da América Central, do Caribe e da África, onde o modelo brasileiro para exportação é vendido e promovido como sustentável. Não se trata de cair no discurso ufanista do etanol verde amarelo ou da falácia que insiste em repetir o governo, de que “não aceita dedos estrangeiros sujos de óleo apontando para a matriz energética limpa do Brasil” – a crítica é interna mesmo: promover a agroenergia industrial para exportação é hipotecar a Soberania Alimentar do país. Não se trata de substituir a demanda atual de uma civilização dependente do petróleo pela biomassa – o impacto sobre os bens comuns como a terra, a água e a biodiversidade é gigantesco e em especial sobre os países tropicais, este não é um tema comercial, é uma questão política.
“Levando em conta todo o ciclo de vida destes combustíveis, a grande maioria revela um balanço negativo: acaba produzindo mais emissões de gases de efeito estufa do que pretende reduzir, comparado com os combustíveis derivados do petróleo”
Hoje, entre as várias críticas e denúncias com relação aos impactos ambientais e sociais da expansão dos agrocombustíveis sobre os territórios, a única que é levada em conta para fins de política pública reduz as questões de sustentabilidade ao “balanço energético” da produção. Ou seja, levando em conta todo o ciclo de vida destes combustíveis, a grande maioria revela um balanço negativo: acaba produzindo mais emissões de gases de efeito estufa do que pretende reduzir, comparado com os combustíveis derivados do petróleo.
A definição do EPA com relação ao etanol de cana é um precedente importante para outras definições no âmbito de políticas públicas de clima e energia de países importadores porque é a primeira que inclui a mudança do uso da terra (direta e indireta) no recálculo dos agrocombustíveis aceitáveis. Como o balanço de emissões é o critério-chave, assim como os EUA, a União Europeia também está em processo de definição ainda em 2010 da metodologia oficial (que inclui, e que devem comprovar reduções mínimas de gases de efeito estufa em comparação com os combustíveis tradicionais). Nos EUA, são no mínimo considerados “renováveis” os combustíveis que emitem 20% menos gases de efeito estufa; na União Europeia, serão incluídos os que emitem no mínimo 35% menos, até 2017, quando este quesito será elevado a 50%. Mas esta metodologia é altamente questionável, pois reduz o que é “sustentável” ao cálculo das emissões dos agrocombustíveis.
Os EUA, nos dados divulgados recentemente, classificaram o etanol de cana como “biocombustível avançado”, categoria que inclui as variedades que reduzem a partir de 50% de emissões (o etanol de cana ficou com 61%), mas também reabilitaram o etanol de milho doméstico (que havia sido comprovado como um balanço negativo, além de fator importante na crise alimentar global de 2008), como “combustível renovável”, ou seja, na categoria dos que reduzem no mínimo 20% em relação ao petróleo.
IHU On-Line – Paralelamente à decisão da agência americana, anunciou-se, no Brasil, a fusão da Shell com a Cosan. A fusão tem sido saudada pelo mercado como o que faltava para que definitivamente o etanol brasileiro entre no mercado americano. Qual é o significado dessa fusão?
Camila Moreno – Significa a infraestrutura de distribuição e comercialização da Shell no Brasil, a terceira maior do país com 4500 postos para comercializar o etanol. Além disso, a união das duas empresas inclui a co-geração de energia, além da participação da petrolífera em empresas de pesquisa e desenvolvimento a partir da biomassa. O acordo também é um precedente para a futura parceria das duas empresas em outros países, e da consolidação de um modelo de empresa de agroenergia de integração vertical. Esta fusão também concretizou o que era evidente e vínhamos alertando desde o início de que a estratégia em marcha para substituir paulatinamente o petróleo que se acaba por outras fontes não abre espaço para a democratização ou descentralização da produção e distribuição de energia, muito menos para rediscutir os atuais padrões de consumo da sociedade.
Pelo contrário: assistimos uma concentração sem precedentes das cadeias com maior poder corporativo no mundo: energia e agronegócio, com empresas petroleiras como a Shell, a BP (antiga British Petroleum), Chevron, Petrobrás, aliadas com a Cargill, ADM, Louis Dreyfus, Bunge, passando pela empresas de biotecnologia e agrotóxicos como a Novozymes, gigantes como a Monsanto, a Syngenta e novas como a Amyris. Apesar disso, a imagem que querem ter é de “renováveis e alternativos”.
IHU On-Line – A produção de etanol no Brasil está se internacionalizando?
Camila Moreno – Rapidamente, junto com uma evidente consolidação do setor, mas é um setor ainda de predominância do capital nacional e onde o aporte do BNDES teve e continua tendo um papel crucial.
Quanto aos movimentos recentes, houve o acordo entre Shell e Cosan, segundo a Datagro, a participação de empresas estrangeiras no setor é atualmente de 22.9% comparado com 12.4 no ano passado. A Bunge, transnacional que já atua no setor, anunciou que pretende investir nas operações de açúcar e etanol a maioria do dinheiro que ganhou vendendo suas operações de fertilizantes para a Vale. Por outro lado, ainda esta semana, está para ser anunciado um acordo de união das operações entre a Brenco (que inclui entre os acionistas o indiano Vinod Koshla e Steve Case, fundador da AOL) e a ETH bioenergia, braço de açúcar e álcool do conglomerado Oderbrecht. Além disso, a Petrobrás Biocombustíveis e a Braskem têm uma atuação crescente e importante na produção de etanol e em assegurar uma base agrícola para a crescente alcoolquímica e a produção de plásticos “verdes”. Inclusive, pode-se apontar um novo modelo de integração, surgindo para os pequenos agricultores como fornecedores de cana para estes fins, como se tem falado muito no RS.
IHU On-Line – Que perspectivas esse cenário gera?
Camila Moreno – Este cenário gera preocupação e a necessidade de retomar uma articulação nacional para esclarecer e debater com a população as contradições da estratégia da agroenergia e seguir denunciando e resistindo a imposição sobre os territórios de um projeto que está totalmente dissociado da soberania alimentar energética. Ao longo de 2007 e 2008, o tema dos agrocombustíveis foi um grande mobilizador de várias redes, movimentos e organizações no país e no exterior e serviu como um raio que, de certa forma, galvanizou o entendimento do que vem por aí, quais são as estratégias do chamado capitalismo verde, o que o sistema e as empresas estão propondo como sua versão para a transição para uma sociedade pós-petróleo. Ao invés de enfrentar a crise ecológica, a erosão da biodiversidade, o exaurimento dos solos, a contaminação por agrotóxicos, a água, vemos que a própria questão climática e energética ao invés de servir para rediscutir uma estratégia de autonomia, emancipação e economia solidária, está sendo utilizada para impor falsas soluções que aprofundam as injustiças sociais e ambientais desta sociedade.
IHU On-Line – Um recente estudo divulgado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) dá conta de que o biocombustível empurra o boi para a mata. Como você avalia isso?
Camila Moreno – Acho que estes estudos são importantes, por um lado, porque trazem dados e evidências objetivas, mas, por outro, as avaliações destes estudos são um tanto óbvias: que o crescimento do agronegócio para agroenergia vai ao final impactar sobre a fronteira agrícola e estas são o Cerrado e a Amazônia. É complexo pensar em isolar os fatores já que a expansão da fronteira agrícola e as dinâmicas de conversão da terra são os fatores combinados, com desmatamento, pecuária, monoculturas e a construção de infraestrutura que acompanha o projeto e as demandas territoriais hegemônicas do agronegócio (estradas, ferrovias, hidrovias, hidrelétricas, barragens para irrigação, portos, mineração para insumos agrícolas) – é o impacto sistêmico do agronegócio, monoculturas e da concentração das terras.
“Se recuperar pasto degradado fosse mais barato ou economicamente interessante para o modelo, não teríamos algo entre 70 e 140 milhões de hectares nesta condição atualmente”
Acho complicado cair em uma disputa de dados que referendam o critério reducionista das “emissões” que já falamos no início. Por isso, vejo como problemático, por exemplo, apontar que intensificar a criação de gado em 0.13 cabeças por hectare na média “permitiria expandir a produção de agrocombustíveis sem afetar as florestas”, assim como dizer que o “uso de azeite de palma” no lugar da soja, levaria ao menor impacto nas emissões. Se recuperar pasto degradado fosse mais barato ou economicamente interessante para o modelo, não teríamos algo entre 70 e 140 milhões de hectares nesta condição atualmente.
A expansão do gado extensivo é utilizada para assegurar presença ‘produtiva’ sobre terras e faz parte da estratégia para incorporar áreas desmatadas, públicas ou griladas. Há um cálculo econômico que não se reduz somente em ‘intensificar’, é como o agronegócio funciona, como se apropria de terra, além disso, as políticas públicas estão voltadas para ganhar cada vez mais mercados internacionais para vender carne, soja, etanol… como compatibilizar isso? Por outro lado, substituir as plantações de soja pela palma africana vai trazer os problemas desta outra monocultura, doenças, pragas, além de condições de trabalho que estão bem documentadas na Indonésia, Malásia, Colômbia etc. Seria interessante um estudo destes que definisse a monocultura como crime ambiental e social e que recomendasse recuperação imediata dos ecossistemas degradados com vegetação nativa, com sistemas agroecológicos.
Camila, que é ativista da Ong Terra de Direitos, falou conosco sobre a fusão da Shell com a Cosan, a internacionalização do etanol brasileiro e da relação da expansão da produção de biocombustíveis com o aumento da pecuária nas matas. “Seria interessante um estudo destes que definisse a monocultura como crime ambiental e social e que recomendasse recuperação imediata dos ecossistemas degradados com vegetação nativa, com sistemas agroecológicos”, indicou.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA) classificou o etanol feito de cana como um biocombustível avançado, que reduz a emissão de dióxido de carbono em 61% comparado a gasolina. Qual o impacto dessa decisão?
Camila Moreno – Esta decisão vem sendo celebrada pela indústria como o ‘passaporte’ para o etanol brasileiro ganhar o mundo, uma espécie de passe ambiental para a aceitabilidade ‘ecológica’ do combustível, tanto junto à opinião pública como para fins de política pública. Na prática, a classificação do etanol de cana como “avançado” segundo o critério da agência dos EUA não altera em nada a continuidade dos padrões insustentáveis, ambientais e sociais do qual dependem o setor sucroalcooleiro no país. Este fato representa uma conquista importante para assegurar mercado nos EUA para o etanol de cana do Brasil, fruto de uma campanha de lobby do setor privado, com apoio de cientistas e do governo (em linha com a estratégia prevista no Memorando de Entendimento sobre Biocombustíveis assinado há três anos entre os dois países, a chamada “Aliança do Etanol”).
É preocupante, porém, que este tipo de credencial pseudo-ambiental vá contribuir para promover e legitimar a expansão das monoculturas de cana não apenas no Brasil, mas em países da América Central, do Caribe e da África, onde o modelo brasileiro para exportação é vendido e promovido como sustentável. Não se trata de cair no discurso ufanista do etanol verde amarelo ou da falácia que insiste em repetir o governo, de que “não aceita dedos estrangeiros sujos de óleo apontando para a matriz energética limpa do Brasil” – a crítica é interna mesmo: promover a agroenergia industrial para exportação é hipotecar a Soberania Alimentar do país. Não se trata de substituir a demanda atual de uma civilização dependente do petróleo pela biomassa – o impacto sobre os bens comuns como a terra, a água e a biodiversidade é gigantesco e em especial sobre os países tropicais, este não é um tema comercial, é uma questão política.
“Levando em conta todo o ciclo de vida destes combustíveis, a grande maioria revela um balanço negativo: acaba produzindo mais emissões de gases de efeito estufa do que pretende reduzir, comparado com os combustíveis derivados do petróleo”
Hoje, entre as várias críticas e denúncias com relação aos impactos ambientais e sociais da expansão dos agrocombustíveis sobre os territórios, a única que é levada em conta para fins de política pública reduz as questões de sustentabilidade ao “balanço energético” da produção. Ou seja, levando em conta todo o ciclo de vida destes combustíveis, a grande maioria revela um balanço negativo: acaba produzindo mais emissões de gases de efeito estufa do que pretende reduzir, comparado com os combustíveis derivados do petróleo.
A definição do EPA com relação ao etanol de cana é um precedente importante para outras definições no âmbito de políticas públicas de clima e energia de países importadores porque é a primeira que inclui a mudança do uso da terra (direta e indireta) no recálculo dos agrocombustíveis aceitáveis. Como o balanço de emissões é o critério-chave, assim como os EUA, a União Europeia também está em processo de definição ainda em 2010 da metodologia oficial (que inclui, e que devem comprovar reduções mínimas de gases de efeito estufa em comparação com os combustíveis tradicionais). Nos EUA, são no mínimo considerados “renováveis” os combustíveis que emitem 20% menos gases de efeito estufa; na União Europeia, serão incluídos os que emitem no mínimo 35% menos, até 2017, quando este quesito será elevado a 50%. Mas esta metodologia é altamente questionável, pois reduz o que é “sustentável” ao cálculo das emissões dos agrocombustíveis.
Os EUA, nos dados divulgados recentemente, classificaram o etanol de cana como “biocombustível avançado”, categoria que inclui as variedades que reduzem a partir de 50% de emissões (o etanol de cana ficou com 61%), mas também reabilitaram o etanol de milho doméstico (que havia sido comprovado como um balanço negativo, além de fator importante na crise alimentar global de 2008), como “combustível renovável”, ou seja, na categoria dos que reduzem no mínimo 20% em relação ao petróleo.
IHU On-Line – Paralelamente à decisão da agência americana, anunciou-se, no Brasil, a fusão da Shell com a Cosan. A fusão tem sido saudada pelo mercado como o que faltava para que definitivamente o etanol brasileiro entre no mercado americano. Qual é o significado dessa fusão?
Camila Moreno – Significa a infraestrutura de distribuição e comercialização da Shell no Brasil, a terceira maior do país com 4500 postos para comercializar o etanol. Além disso, a união das duas empresas inclui a co-geração de energia, além da participação da petrolífera em empresas de pesquisa e desenvolvimento a partir da biomassa. O acordo também é um precedente para a futura parceria das duas empresas em outros países, e da consolidação de um modelo de empresa de agroenergia de integração vertical. Esta fusão também concretizou o que era evidente e vínhamos alertando desde o início de que a estratégia em marcha para substituir paulatinamente o petróleo que se acaba por outras fontes não abre espaço para a democratização ou descentralização da produção e distribuição de energia, muito menos para rediscutir os atuais padrões de consumo da sociedade.
Pelo contrário: assistimos uma concentração sem precedentes das cadeias com maior poder corporativo no mundo: energia e agronegócio, com empresas petroleiras como a Shell, a BP (antiga British Petroleum), Chevron, Petrobrás, aliadas com a Cargill, ADM, Louis Dreyfus, Bunge, passando pela empresas de biotecnologia e agrotóxicos como a Novozymes, gigantes como a Monsanto, a Syngenta e novas como a Amyris. Apesar disso, a imagem que querem ter é de “renováveis e alternativos”.
IHU On-Line – A produção de etanol no Brasil está se internacionalizando?
Camila Moreno – Rapidamente, junto com uma evidente consolidação do setor, mas é um setor ainda de predominância do capital nacional e onde o aporte do BNDES teve e continua tendo um papel crucial.
Quanto aos movimentos recentes, houve o acordo entre Shell e Cosan, segundo a Datagro, a participação de empresas estrangeiras no setor é atualmente de 22.9% comparado com 12.4 no ano passado. A Bunge, transnacional que já atua no setor, anunciou que pretende investir nas operações de açúcar e etanol a maioria do dinheiro que ganhou vendendo suas operações de fertilizantes para a Vale. Por outro lado, ainda esta semana, está para ser anunciado um acordo de união das operações entre a Brenco (que inclui entre os acionistas o indiano Vinod Koshla e Steve Case, fundador da AOL) e a ETH bioenergia, braço de açúcar e álcool do conglomerado Oderbrecht. Além disso, a Petrobrás Biocombustíveis e a Braskem têm uma atuação crescente e importante na produção de etanol e em assegurar uma base agrícola para a crescente alcoolquímica e a produção de plásticos “verdes”. Inclusive, pode-se apontar um novo modelo de integração, surgindo para os pequenos agricultores como fornecedores de cana para estes fins, como se tem falado muito no RS.
IHU On-Line – Que perspectivas esse cenário gera?
Camila Moreno – Este cenário gera preocupação e a necessidade de retomar uma articulação nacional para esclarecer e debater com a população as contradições da estratégia da agroenergia e seguir denunciando e resistindo a imposição sobre os territórios de um projeto que está totalmente dissociado da soberania alimentar energética. Ao longo de 2007 e 2008, o tema dos agrocombustíveis foi um grande mobilizador de várias redes, movimentos e organizações no país e no exterior e serviu como um raio que, de certa forma, galvanizou o entendimento do que vem por aí, quais são as estratégias do chamado capitalismo verde, o que o sistema e as empresas estão propondo como sua versão para a transição para uma sociedade pós-petróleo. Ao invés de enfrentar a crise ecológica, a erosão da biodiversidade, o exaurimento dos solos, a contaminação por agrotóxicos, a água, vemos que a própria questão climática e energética ao invés de servir para rediscutir uma estratégia de autonomia, emancipação e economia solidária, está sendo utilizada para impor falsas soluções que aprofundam as injustiças sociais e ambientais desta sociedade.
IHU On-Line – Um recente estudo divulgado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) dá conta de que o biocombustível empurra o boi para a mata. Como você avalia isso?
Camila Moreno – Acho que estes estudos são importantes, por um lado, porque trazem dados e evidências objetivas, mas, por outro, as avaliações destes estudos são um tanto óbvias: que o crescimento do agronegócio para agroenergia vai ao final impactar sobre a fronteira agrícola e estas são o Cerrado e a Amazônia. É complexo pensar em isolar os fatores já que a expansão da fronteira agrícola e as dinâmicas de conversão da terra são os fatores combinados, com desmatamento, pecuária, monoculturas e a construção de infraestrutura que acompanha o projeto e as demandas territoriais hegemônicas do agronegócio (estradas, ferrovias, hidrovias, hidrelétricas, barragens para irrigação, portos, mineração para insumos agrícolas) – é o impacto sistêmico do agronegócio, monoculturas e da concentração das terras.
“Se recuperar pasto degradado fosse mais barato ou economicamente interessante para o modelo, não teríamos algo entre 70 e 140 milhões de hectares nesta condição atualmente”
Acho complicado cair em uma disputa de dados que referendam o critério reducionista das “emissões” que já falamos no início. Por isso, vejo como problemático, por exemplo, apontar que intensificar a criação de gado em 0.13 cabeças por hectare na média “permitiria expandir a produção de agrocombustíveis sem afetar as florestas”, assim como dizer que o “uso de azeite de palma” no lugar da soja, levaria ao menor impacto nas emissões. Se recuperar pasto degradado fosse mais barato ou economicamente interessante para o modelo, não teríamos algo entre 70 e 140 milhões de hectares nesta condição atualmente.
A expansão do gado extensivo é utilizada para assegurar presença ‘produtiva’ sobre terras e faz parte da estratégia para incorporar áreas desmatadas, públicas ou griladas. Há um cálculo econômico que não se reduz somente em ‘intensificar’, é como o agronegócio funciona, como se apropria de terra, além disso, as políticas públicas estão voltadas para ganhar cada vez mais mercados internacionais para vender carne, soja, etanol… como compatibilizar isso? Por outro lado, substituir as plantações de soja pela palma africana vai trazer os problemas desta outra monocultura, doenças, pragas, além de condições de trabalho que estão bem documentadas na Indonésia, Malásia, Colômbia etc. Seria interessante um estudo destes que definisse a monocultura como crime ambiental e social e que recomendasse recuperação imediata dos ecossistemas degradados com vegetação nativa, com sistemas agroecológicos.
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