O conceito de Modelo
Energético tem significados diferentes para atores situados em polos
antagônicos. Para nós, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), “modelo”
significa a Política Energética necessária ao desenvolvimento das forças
produtivas que sirva ao conjunto da nação, com respeito ao meio ambiente e à
soberania nacional. No entanto, para os setores que controlam a energia no
Brasil, Modelo Energético refere-se às fontes/matrizes de produção da energia,
porque esses setores já têm clara a finalidade da energia: responder à demanda
do mercado, à voracidade das grandes corporações que controlam a indústria de
eletricidade, à indústria eletrointensiva e no aumento da produtividade a
qualquer preço.
É inegável que a
energia é a locomotiva do desenvolvimento das forças produtivas e que o resto é
vagão. Sua importância estratégica está relacionada à produção de valor na
sociedade capitalista. Na sociedade atual, a energia é central para reprodução
do capital, pois é utilizada como forma de acelerar a produtividade do trabalho
dos trabalhadores.
Há concordância que a
energia é necessária na geração da riqueza, que a cadeia produtiva de energia
cria empregos e que a energia possibilita o bem estar das pessoas. Também é
evidente que a produção de energia pressupõe fontes para a sua geração e que
hoje, nas atuais condições de produção, a hidro tem sido a tecnologia “mais
eficiente” quando comparada com as demais fontes de produção de eletricidade.
Ao ressaltar esses argumentos, no entanto, aqueles que controlam o setor omitem
para quê e para quem ele é planejado.
O atual modelo
energético, de padrão e herança autoritária, tecnocrática e neoliberal está a
serviço das corporações transnacionais e seu modelo de desenvolvimento. O bem
público serve aos interesses de uma minoria, com predomínio do setor financeiro
e seus mecanismos. Esse modelo afeta enormemente as populações, na cidade e no
campo, além de precarizar o trabalho no setor (terceirização), utilizar os
trabalhadores das obras na condição de semiescravidão, repassar toda conta às
residências e produzir impactos socioambientais no nível local, regional e até
internacional.
A energia é vista
como mercadoria e não como bem público. Assim se produzem graves injustiças.
Essa lógica, que persiste na geração, transmissão e distribuição da energia,
não se preocupa com a sustentabilidade social e ambiental, apenas com o
“progresso” econômico medido pelo rendimento final e fantasiado na renda per
capita que esconde quem se apropria da riqueza. Mais: a atual política
energética, em nome do desenvolvimento, avança sobre um patrimônio que pertence
também às futuras gerações, pois exportar nossos recursos a países ricos é
eticamente um assalto às novas gerações.
Atualmente, quem
controla a energia é o capital internacional especulativo, são transnacionais
que controlam o setor elétrico nacional e se apropriam dos resultados.
Corporações mundiais como a Suez Tractebel, AES, Odebrecht, Queiroz Galvão,
Iberdrola, Vale, Alcoa, Billiton, Alstom, Siemens, etc. Este controle veio a
partir das privatizações dos anos 90 e segue nos dias atuais. Atualmente, até
mesmo as estatais estão nas mãos do capital privado: 60% da Eletrobrás; 80% da
CEMIG; 65% da Cesp.
As estruturas de
Estado estão capturadas pelas empresas privadas. As agências reguladoras,
Ministério de Minas e Energia, Empresa de planejamento e até as estatais estão
à serviço dos empresários. Foram criadas várias leis e estruturas de Estado que
tentam despolitizar o debate da energia, como se fossem questões “técnicas e neutras”.
A ANEEL, agência reguladora de finalidade e comportamento questionáveis, é
parte de uma estratégia e instrumento para servir aos empresários. É o centro onde
se legaliza o modelo.
O BNDES é o principal
financiador das usinas, repassando dinheiro público para as transnacionais,
enquanto que estatais são proibidas de ter a maioria das ações nas usinas.
Dessa forma, as estruturas de Estado se comportam contra os interesses sociais.
A mercantilização da
energia, através do modelo privado, transformou a energia no principal negócio
dos setores privados. Foi implementado um sistema de tarifas que simula uma
falsa concorrência. As tarifas foram internacionalizadas, os preços da
eletricidade brasileira passaram a ser vinculados ao custo da energia térmica.
Nossas tarifas foram
elevadas a patamares internacionais, longe da realidade dos custos de produção
de nosso país. Atualmente a energia no Brasil é 25% mais cara que na França,
onde 76% da matriz é nuclear, ou seja, com custo de produção muito mais alto.
A venda da energia
elétrica se transformou no principal negócio deste setor, porque agora o lucro
dos empresários que controlam a energia não vem só da exploração dos
eletricitários, mas de 60 milhões de residenciais. As residências pagam a
conta. Enquanto isso, os grandes consumidores (livres) recebem energia barata,
para produzir eletrointensivos e exportar, sem pagar imposto algum, porque são
isentos pela lei Kandir. Para mudar o modelo, é necessário mudar o sistema de
tarifas.
Os trabalhadores do
setor são altamente produtivos e explorados. Para se ter uma ideia, os
trabalhadores da AES Tietê produziram em 2012, cerca de R$ 2,3 milhões de
lucro/trabalhador.
Está em curso uma
intensificação da exploração sobre os eletricitários. As empresas privadas e
estatais estão buscando rebaixar os ganhos dos trabalhadores aos patamares mais
baixos mundialmente.
Está ocorrendo um
intenso processo de reestruturação do trabalho para aumentar a produtividade,
através de demissões, terceirizações, precarizações e aumento de jornada, além
da incorporação de novas tecnologias que aceleram a obsolescência programada.
Isso reflete diretamente na qualidade dos serviços de energia.
A riqueza
extraordinária gerada na energia, nas diferentes áreas, não tem sido revertida
em benefício prioritário ao povo brasileiro. O que constatamos são remessas
cada vez maiores de lucro aos acionistas, enquanto o serviço púbico e a
situação dos trabalhadores se deteriora cada vez mais. Os lucros são
extraordinários e tudo é enviado através de remessas de dividendos (100%). A
AES Tietê tem lucro médio de 43,5%. Cinco empresas (AES Eletropaulo e Tietê,
Suez Tractebel, Cemig e CPFL) tiveram, nos últimos 7 anos, lucro total de R$
45,7 bi e remeteram R$ 40,7 bi a seus acionistas.
Os rios são o
território mais desejado e disputado pelas transnacionais que controlam a
indústria de eletricidade. Como a energia hídrica é a tecnologia mais rentável
comparada às demais fontes, aumenta a disputa mundial para controlar os
melhores locais e extrair os excedentes. Nosso território é foco de disputa
internacional do capital, pois concentra as principais reservas estratégicas de
“base elevada de produtividade natural”. O Brasil possui as maiores e melhores
reservas de rios e água para geração de eletricidade, 260 mil MW de potência,
dos quais só 30% foram utilizados até agora. A América Latina tem potencial de
730 mil MW.
Entendemos que o
problema central na energia é a política energética. O modelo energético. Não
queremos discutir somente a matriz, apesar de sua importância. Atuar na
política energética pressupõe incidir decisivamente no planejamento, na
organização e controle da produção e distribuição da energia, da riqueza gerada
e no controle sobre as reservas estratégicas de energia de base de elevada
produtividade natural.
O Lema do Encontro
Nacional do MAB, “Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e
controle popular”, representa a síntese do projeto que defendemos para a
energia. (EcoDebate)
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