Barreiras econômicas e regulatórias travam geração renovável e eficiência energética em edifícios
Para economista, que escolheu a Alemanha como estudo de caso, Brasil precisa aprimorar quadro regulatório.
As edificações são responsáveis por 44,7% do consumo total de eletricidade no Brasil, sendo que esta participação está dividida em fatias de 22,1% para os edifícios residenciais, 15% para os comerciais e 7,6% para os prédios públicos. Ainda que a crise energética de 2001 tenha induzido a uma redução do consumo nos edifícios brasileiros, essa tendência foi revertida nos anos subsequentes. A demanda por eletricidade vem apresentando aumento superior ao do PIB e é alta a estimativa de crescimento do consumo nos edifícios, considerando a estabilidade econômica aliada a uma política de melhor distribuição de renda no país.
A avaliação de que esses dados, por outro lado, apontam o setor de construções como de grande potencial para conservação de energia e mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE), justifica a escolha do tema de mestrado da economista Aline Ferreira Tripodi Causo: “Mecanismos políticos para promoção da eficiência energética e geração renovável em edificações: um estudo de caso da Alemanha e aplicações para o Brasil” é o título da dissertação orientada pelo professor Gilberto de Martino Jannuzzi e apresentada na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.
“A principal conclusão da pesquisa é que o quadro regulatório no Brasil ainda precisa ser aprimorado, para que medidas de eficiência energética e geração renovável se tornem mandatórias para as edificações”, afirma Aline Tripodi. “Esse contexto mostra a relevância do conceito de Planejamento Integrado de Recursos (PIR), que representa uma visão alternativa ao planejamento feito, por exemplo, antes do choque do petróleo, quando a preocupação era em expandir a oferta, considerando apenas o custo econômico.”
Segundo a autora da dissertação, o PIR leva em conta não apenas critérios econômicos na definição de estratégias para o setor, mas também aspectos ambientais e sociais, bem como a gestão da demanda. “Esse modelo prima pela avaliação tanto de opções de expansão da oferta quanto de opções para reduzir a demanda e postergar a necessidade de investimentos na geração de mais energia. No trabalho também analiso as maiores barreiras para a promoção de eficiência energética e da geração alternativa, que são econômicas, regulatórias, tecnológicas e relacionadas à falta de informação sobre opções de tecnologias e potenciais de conservação de energia.”
Caso da Alemanha
Aline Tripodi elegeu
para estudo de caso a Alemanha, país reconhecido mundialmente pelo fomento às
energias renováveis e eficiência energética, tendo se tornado um dos líderes
nessas tecnologias e, inclusive, optado por fechar as usinas nucleares depois
do acidente em Fukushima. “Fiz uma revisão bibliográfica sobre a política lá
implementada e entrevistei três especialistas: Johann Christian-Pielow e
Hermann-Josef Wagner, da Universidade Ruhr-Bochum, e Annegret Groebel, da
agência reguladora do setor elétrico alemão. Eles vieram à Unicamp para um
workshop em que foram comparadas as políticas públicas e experiências da
Alemanha e do Brasil”.
Os bons resultados
obtidos pelos alemães, na opinião da pesquisadora, devem-se em grande medida à
existência de um suporte político que vem possibilitando o desenvolvimento da
eficiência energética e da geração alternativa nas últimas décadas. “Num estudo
realizado pelo ACEEE [American Council for an Energy Efficient Economy], o país
ficou em primeiro lugar na avaliação de políticas nacionais para fomentar a eficiência
energética e obteve uma posição de destaque também em medidas específicas para
as edificações. Minha primeira percepção é de que a Alemanha possui uma gama
bem maior de instrumentos políticos que o Brasil”.
A economista observa
que os alemães já implantaram mecanismos-chave ainda inexistentes aqui (ou não
na forma de lei), como os códigos e certificados de desempenho energético para
edifícios com força regulatória; e as compras regulamentadas para o setor
público que contemplem os critérios de eficiência energética. Os centros de
informações locais são também uma importante iniciativa para superar a barreira
da falta de informação, ainda não consolidada no Brasil. “Lá existe toda uma
legislação definindo como as edificações devem ser construídas ou reformadas
para diminuir o consumo de energia. Temos aqui uma norma da ABNT [Associação
Brasileira de Normas Técnicas] que trata do mínimo de iluminação e de
ventilação, mas que não se equipara à legislação, pois não obriga o cumprimento
das regras por todos os edifícios.”
A autora da
dissertação alerta, porém, que não podemos simplesmente importar as políticas
da Alemanha. “O contexto é completamente diferente, devemos considerar a
economia dos dois países, a sociedade e o clima: se o código de edificação alemão
preza pela redução do consumo de energia para aquecimento, por exemplo, aqui
seria para resfriamento. Uma vantagem nossa é que os edifícios brasileiros são
mais novos, enquanto os alemães são em sua maioria antigos, sendo mais viável
aplicar uma estrutura sustentável num edifício em construção do que reformar um
edifício já existente.”
Ações voluntárias
De acordo com Aline
Tripodi, muitas iniciativas brasileiras são ainda voluntárias, como é o caso
dos certificados de desempenho e etiquetagem de edifícios. A informação que ela
obteve para a dissertação dá conta de que, no Brasil, estuda-se a regulação da
etiquetagem obrigatória inicialmente para prédios públicos. Ainda assim,
alguns certificados voluntários têm sido bastante difundidos nas edificações
brasileiras, a exemplo dos selos LEED (sigla em inglês para Liderança em
Energia e Design Ambiental) e AQUA (Alta Qualidade Ambiental), reconhecidos
internacionalmente. “O Brasil é o quarto país no mundo em número de edifícios
com certificação LEED. Mas são as próprias construtoras que estão vendo esses
selos como uma exigência de mercado no futuro. Sem uma legislação, não há
certeza de que todos os edifícios vão seguir os requisitos e, pelo mercado, o
processo talvez seja mais lento do que através de medidas regulatórias.”
Com relação aos
mecanismos econômicos, a pesquisadora diz que já existem no Brasil algumas
linhas de financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social) para geração renovável, mas que não são tão voltados às edificações
como na Alemanha. “O governo alemão aplica subsídios e programas de
financiamento atrelados à exigência de cumprimento dos códigos de desempenho
energético nas construções. A sugestão no caso brasileiro é que os mecanismos
financeiros também foquem mais as edificações, a fim de torná-las eficientes.”
Uma contradição na
política
Aline Tripodi aborda
em sua dissertação, especificamente para incentivo às energias de fontes
renováveis on site, os mecanismos adotados nos dois países. “Na Alemanha implantou-se
a tarifa Feed-in, uma garantia de compra da energia renovável gerada por um
prazo mínimo e por um preço estipulado. No Brasil, a resolução 482 da Aneel, de
2012, prevê outra compensação, o chamado net metering, como instrumento
principal: quem instala na residência um sistema renovável ligado à rede, paga
apenas a diferença entre o que produziu e o que consumiu; e, havendo excedente,
fica com o crédito para os meses seguintes.”
De acordo com a
autora do estudo, um mecanismo de caráter mandatório já consolidado e que vem
mostrando bons resultados no Brasil é o Programa Brasileiro de Etiquetagem, que
atua em conjunto com o selo Procel – Programa Nacional de Conservação de
Energia Elétrica, da Eletrobrás. “A etiquetagem é um aliado no cumprimento da
lei que determina padrões mínimos de eficiência energética para equipamentos.
As próprias campanhas de informação do Procel estão fazendo com que as pessoas
se tornem mais atentas, conscientes de que o selo B pode representar certa
economia na hora da compra, mas que um equipamento mais eficiente (selo A)
proporciona esta economia no longo prazo, com a redução da conta de energia. A
questão é que o Programa de Etiquetagem se aplica apenas a alguns equipamentos
e não a todos – a proposta é que se amplie a abrangência de aparelhos, até
porque em vários casos a etiqueta é adotada voluntariamente pelo fabricante.”
No âmbito dos
instrumentos fiscais, iniciativas têm sido tomadas nos dos países. No Brasil,
há o ‘IPTU Verde’ em algumas cidades, mas ainda como uma iniciativa local, que
deveria ser incentivada nacionalmente. Além disso, reduções fiscais para
equipamentos mais eficientes (classificados com a etiqueta A do PBE) foram
adotadas no Brasil. “No entanto, apesar destas iniciativas, percebi uma
incongruência na política nacional: por um lado, equipamentos com selo A são
contemplados com redução fiscal maior, o que é interessante; por outro lado, o
governo promove a redução do preço da energia, o que é contraditório, por
incentivar maior consumo. Isso pede uma revisão da política para que ela
caminhe no mesmo sentido e não com objetivos aparentemente diferentes.”
Uma última observação
de Aline Tripodi é que embora seu estudo de caso tenha sido a Alemanha, devido
ao seu destaque em eficiência energética e geração renovável, não é o único
país com o qual aprender. “Outros países adotam políticas diferentes, que merecem
estudos e podem contribuir para o modelo mais adequado a ser seguido pelo
Brasil. Não há um único mecanismo para resolver a questão da energia, é
necessário um portfólio abrangente de mecanismos, cada qual contribuindo para o
melhor resultado do outro. E não podemos simplesmente aplicar a lei, sem deixar
claro para as pessoas o que é esperado que façam”. (EcoDebate)
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