O Brasil pode ter um papel relevante na indústria mundial de
biocombustíveis para aviação. Um relatório elaborado pela Boeing, pela Embraer
e pela FAPESP, coordenado pela Unicamp, identificou lacunas e apontou os
caminhos que o país deve percorrer para ocupar posição de destaque nesse
mercado: mais pesquisa nas áreas de matérias-primas e de produção de
biocombustíveis, logística de distribuição, adequação da legislação, entre
outras. O relatório foi divulgado pelos três parceiros em 10/06/13, em evento
realizado na FAPESP.
O “Plano de voo para biocombustíveis de aviação no Brasil:
plano de ação” balizará projetos de pesquisa apoiados pela FAPESP e pelas duas empresas
de aviação no âmbito de um acordo de cooperação mantido pelas instituições, com
o objetivo de estimular a pesquisa e o desenvolvimento de biocombustíveis para
aviação no Brasil. O estudo integra o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia
(BIOEN), que reúne mais de 400 cientistas brasileiros, a maioria atuante em
universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo, além de cerca
de cem pesquisadores de diversos outros países.
O documento é resultado de uma série de oito workshops
realizados entre maio e dezembro de 2012, em São Paulo, Belo Horizonte,
Piracicaba, Campinas, São José dos Campos, Rio de Janeiro e Brasília,
envolvendo o setor aéreo, universidades e institutos de pesquisa, entre outros
participantes.
O grande desafio científico e tecnológico hoje, em todo o
mundo, de acordo com os pesquisadores, é desenvolver um biocombustível a partir
de qualquer biomassa produzida em escala comercial, que tenha um custo
competitivo e possa ser misturado ao querosene de aviação convencional, sem a
necessidade de modificações nos motores e nas turbinas da atual frota de
aeronaves e no sistema de distribuição do combustível aeronáutico.
Uma das principais conclusões do relatório é de que no
Brasil há uma série de matérias-primas provenientes de plantas que contêm
açúcares, amido e óleo, além de resíduos como lignocelulose, resíduos sólidos
urbanos e gases de exaustão industrial, que se mostram promissores para a
produção de bioquerosene.
A cana-de-açúcar, a soja e o eucalipto são apontados como os
três melhores candidatos para iniciar uma indústria de biocombustível para
aviação no país. Isso, no entanto, dependerá do processo de conversão e refino
escolhido, ressalvaram os autores.
“Existe uma grande quantidade de fontes possíveis de
matérias-primas no Brasil interessantes para a produção de biocombustível para
aviação, como a cana-de-açúcar, a soja e o eucalipto”, disse Mauro Kern,
vice-presidente executivo de engenharia e tecnologia da Embraer, durante
entrevista coletiva para apresentação das conclusões do estudo. “Mas também há
outras matérias-primas, como camelina, pinhão-manso, algas e resíduos, que
podem se tornar opções viáveis.”
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por
exemplo, realiza pesquisas para domesticação do pinhão-manso e começou a
estudar o babaçu, cujo óleo é composto por ácidos com cadeias de carbono
consideradas ideais para o desenvolvimento de biocombustível para aviação.
A viabilização do pinhão-manso e de outras plantas, como a
camelina e o sorgo sacarino, como fontes para a produção de biocombustíveis
para a aviação, requer esforços adicionais em pesquisa e desenvolvimento para
aumentar o rendimento e reduzir os custos de produção, de acordo com os
pesquisadores que participaram do estudo.
“O custo da matéria-prima é um fator muito importante para a
competitividade do biocombustível. No caso do etanol, a cana-de-açúcar
representa 70% do custo de produção. Já no caso do biodiesel, a matéria-prima
representa entre 80% e 90%”, disse Luiz Augusto Barbosa Cortez, professor da
Unicamp, um dos coordenadores do estudo.
“Baixa produtividade na produção da matéria-prima compromete
a fabricação de biocombustível”, disse Cortez, que também é membro da
Coordenação Adjunta de Programas Especiais da FAPESP.
Segundo Celso Lafer, presidente da FAPESP, o projeto é um
passo importante para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas entre empresas e
universidades. “A FAPESP tem participado ativamente para a criação de uma
relação profícua entre universidades, institutos de pesquisa e empresas,
apoiando a parceria e a inovação por meio de diversos programas, e a pesquisa
para o desenvolvimento dos biocombustíveis de aviação no Brasil certamente será
um marco nessa relação.”
“Esse estudo demonstra a possibilidade de fazermos projetos
cooperativos entre universidades e empresas e aprender, descobrir coisas que
são interessantes para os dois lados”, afirmou Carlos Henrique de Brito Cruz,
diretor científico da FAPESP.
Tecnologias de conversão e refino
No relatório, os pesquisadores também analisaram diversas
tecnologias de conversão e refino, como gaseificação, pirólise rápida,
liquefação por solvente, hidrólise enzimática de biomassa celulósica e
lignocelulósica, oligomerização de álcool para combustível de aviação,
hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos, bem como a fermentação de
açúcares e dejetos (resíduos sólidos urbanos, gases de combustão, resíduos
industriais) em álcoois, hidrocarbonetos e lipídios.
Todas essas tecnologias têm potencial e, no Brasil, diversas
têm sido testadas para produzir biocombustíveis usados em voos de demonstração
no país e também no exterior, ressaltaram os autores.
Combinadas às matérias-primas, essas tecnologias formam uma
matriz de 13 possíveis rotas tecnológicas (pathways) indicadas no relatório
como alternativas viáveis à produção de biocombustível de aviação no médio
prazo.
“Essa combinação de variedades de matérias-primas com a
diversidade de processos que podem ser adotados abrem oportunidades
espetaculares”, disse Kern.
De acordo com o executivo, a maioria das iniciativas para
desenvolver biocombustíveis para aviação no Brasil e em outros países ainda
está em estágio laboratorial – de desenvolvimento da tecnologia.
Embora várias tenham recebido aprovação de certificação
técnica da American Society for Testing and Materials – entidade
norte-americana certificadora de testes e materiais –, nenhuma delas pode ser
considerada comercial.
“Além de dificuldades técnicas, precisam ser enfrentadas
questões de viabilidade econômica e demonstrados os benefícios ambientais, como
a redução das emissões de gases de efeito estufa. É preciso mais pesquisa,
desenvolvimento e distribuição para estabelecer tecnologias comerciais de
refino de biocombustíveis e distribuição para a aviação”, lê-se no relatório.
Desafios da aviação
O setor de aviação, que contribui com 2% das emissões totais
de gases de efeito estufa no planeta, enfrenta o desafio de reduzir pela metade
a emissão de dióxido de carbono em 2050, em comparação com os níveis de 2005,
conforme estabeleceu a Associação de Transporte Aéreo Internacional (Iata, na
sigla em inglês).
Para reduzir o consumo de combustíveis e as emissões de
gases de efeito estufa, os fabricantes de aviões buscam aumentar nos últimos
anos a eficiência operacional de suas aeronaves com o desenvolvimento de
motores mais modernos e eficientes e de otimizações aerodinâmicas, usando
estruturas e ligas metálicas mais leves no projeto dos jatos. Entretanto, com a
forte expansão do transporte aéreo e o aumento da frota de aviões em circulação
no mundo, essas medidas têm sido insuficientes.
De acordo com dados do relatório, em 2010, o setor
brasileiro de aviação, que cresce mais rapidamente do que a média global,
transportou cerca de 71 milhões de passageiros e 870 mil toneladas de carga
aérea dentro e fora do país. As projeções indicam que o Brasil será o quarto
maior mercado de tráfego aéreo doméstico do mundo até 2014.
“O setor aeronáutico estabeleceu metas ambiciosas de redução
de emissões de CO2 e há várias maneiras de tentarmos atingi-las”,
disse Donna Hrinak, presidente da Boeing Brasil. “Uma delas é produzir
aeronaves mais eficientes, que utilizem menos combustíveis e emitam menos
poluentes. Para isso, temos de pensar em combustíveis alternativos.”
Até agora, as experiências no Brasil para o desenvolvimento
de biocombustíveis, incluindo para fins automotivos e para aviação agrícola,
estiveram associadas à adaptação do motor ao combustível.
“Ao contrário do que ocorreu no Proálcool, em que os motores
dos carros que circulavam no Brasil tiveram de ser adaptados para um novo
combustível, no caso dos biocombustíveis para aviação a ideia é que sejam
absolutamente compatíveis com o combustível atual, de forma a não ocasionar
nenhuma modificação nos aviões ou na infraestrutura de distribuição”, comparou
Kern.
Na opinião de Luiz Augusto Horta Nogueira, professor da
Universidade Federal de Itajubá (Unifei) e um dos coordenadores do estudo, os
biocombustíveis para aviação surgem em uma condição muito diferente dos
voltados para o mercado automotivo. “Existe uma demanda global para os
biocombustíveis para aviação que já está colocada, o que fará com que o
programa tenha consistência e continuidade. Isso não houve no caso dos outros
biocombustíveis”, comparou.
O estudo Plano de voo para biocombustíveis de aviação no
Brasil: plano de ação pode ser acessado em: www.fapesp.br/publicacoes/plano-de-voo-biocombustiveis-brasil-pt.pdf.
(ambienteenergia)
Nenhum comentário:
Postar um comentário