Gás de xisto no Brasil: os problemas que se
avizinham
Em 05/12/13 houve uma
excelente audiência pública, convocada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara
dos Deputados, para discutir a exploração de “gás de xisto” no país, cujo
pontapé inicial foi dado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) na semana
retrasada, após malandramente dar um “drible da vaca” no Ministério Público
Federal.
Diferentemente da
audiência ocorrida alguns meses atrás no Senado, esta contou com representantes
da área ambiental do governo federal (Ministério do Meio Ambiente e Agência
Nacional de Águas), além dos representantes da ANP e da Petrobrás (grande
vencedora do leilão da semana retrasada). Contou ainda com representantes da
academia e da sociedade civil organizada, o que ajudou a qualificar o debate.
O representante da
ANP fez duas correções semânticas ao debate que vem ocorrendo na sociedade. A
primeira, de que na verdade se trata de “gás de folhelho”, e não de “xisto”,
como vem sendo impropriamente falado por nós, leigos. São duas formações
geológicas distintas e todos deveríamos saber disso. O geólogo Luiz Fernando
Scheibe, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no
entanto, nos tranquilizou: embora seja verdade que a formação na qual será
usado o faturamento hidráulico (fracking) no Brasil é o folhelho, o termo “gás de
xisto” já se popularizou e não há porque abandoná-lo. O importante é que todos
saibamos sobre o que estamos falando.
E foi nesse ponto que
a segunda correção semântica trazida pela ANP desperta alguma preocupação. Foi
afirmado na audiência que a licitação ocorrida prevê que o ganhador da
concessão de cada bloco tem direito (e o dever) à “exploração” do gás de xisto,
mas que esse termo, no jargão dos petroleiros, não tem o mesmo significado da
linguagem comum. Exploração significaria, na verdade, “pesquisa”. Retirar o gás
seria, na verdade, “produção”. Segundo Luciano Teixeira, da ANP, essa
exploração é necessária para que tenhamos dados das bacias sedimentares nas
quais se localiza o gás de forma a, daqui a uma década, poder decidir-se sobre
sua efetiva produção.
Por alguns minutos
vários respiraram aliviados: estaríamos, felizmente, fazendo uma tempestade num
copo d’agua? Estaríamos apenas na fase de pesquisas, coleta de dados, para
tomar uma decisão madura mais adiante? Todos esses bons sonhos desapareceram
quando uma questão singela foi feita ao advogado da ANP presente à audiência:
se estamos tratando apenas de pesquisa, uma vez encontrado o gás e tomada a
decisão de que é possível explorá-lo (ou produzi-lo), terá de haver novo
leilão? Não. Então terá de haver uma nova autorização pela ANP para a produção?
Sim. Essa autorização pode ser negada pela ANP em função dos riscos ambientais
mesmo que exista gás no bloco concedido? Não se sabe.
O fato é que os
concessionários ganharam o direito à exploração, desde que exista o gás,
obviamente. Não tem nada no edital que diga que eles vão simplesmente fazer
pesquisas e levantar dados para, em algum momento do futuro, saber se poderão
produzir. O leilão ocorreu como todos os anteriores, na regra vigente: se há
gás, é teu e pode usá-lo. Se o edital tivesse tido o cuidado de dizer que,
nesse caso, não há direito adquirido, que a produção do gás não convencional
está sujeito a outra autorização, futura e incerta, boa parte dos problemas
poderiam ter se resolvido. Só que não foi assim. Tanto que o advogado da ANP
admitiu que, caso a agência não dê autorização para a produção, os
concessionários poderiam ter “algum sucesso” em ações de indenização por lucro
cessante. Ou seja: a sociedade pagaria a essas empresas para que elas não
colocassem os aquíferos de água em risco!
Esse é apenas um dos
riscos que se avizinham, o financeiro. Mas o que assusta mesmo são os riscos
ambientais e, consequentemente, sociais. Embora os representantes da ANP e da
Petrobrás tenham tentado minimizar os impactos desse tipo não convencional de
exploração de gás, eles são óbvios, e muito bem documentados. Foi dito que hoje
já se faz fraturamento hidráulico em explorações “convencionais”, para
“estimular” a produção, o que tornaria a técnica corriqueira. Só que não foi
dito que, nas explorações convencionais, feitas em bolsões de gás, os poços são
espalhados em alguns quilômetros de distância um do outro, e duram vários anos
no mesmo lugar. Já na exploração do xisto, não só o processo de “estímulo” é muito
mais severo, como os poços são muitíssimo mais próximos uns dos outros. Além
disso, como a produção declina em poucos anos (o pico ocorre até o 2° ano),
essa é uma exploração itinerante, que precisa se deslocar com frequência,
criando uma paisagem como a mostrada na foto abaixo, de uma região em
exploração nos Estados Unidos.
Foto de região com
exploração de gás de xisto nos EUA
Isso faz com que os
problemas convencionais da produção de gás se multipliquem em muitas vezes, e o
principal é a contaminação de água. O professor da UFSC, estudioso do aquífero
Guarani, deixou claro que a exploração intensiva com fraturamento hidráulico
(injeção de água misturada com areia e químicos, a altíssima pressão, nos poços
perfurados) pode não só criar novas, como reabrir fraturas naturais existentes
na rocha que permitiriam o gás entrar em contato com a água, contaminando as
reservas subterrâneas. E isso pode ocorrer não só no aquífero Guarani, mas em
diversos outros aquíferos situados na área de influência dos blocos leiloados,
tão ou mais importantes para o uso humano que aquele.
Não há porque o
Brasil se aventurar nesse tipo de exploração apenas porque os EUA já o fazem.
Nossa situação é muito distinta. Temos muitas outras fontes, muitas delas
subaproveitadas. Em vez de importar uma tecnologia altamente impactante,
poderíamos investir todo esse esforço em desenvolvimento nacional de tecnologia
solar por exemplo. Mas, independente disso, precisamos de estudos
sistematizados para orientar onde e como seria possível a exploração. Uma
moratória e a criação de um espaço público para análise e discussão dos dados,
que levem a uma Avaliação Ambiental Estratégica, são fundamentais. (ecodebate)
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