Estranho que possa
parecer, está de volta a discussão, nos meios científicos e na comunicação, no
mundo todo, do tema energia nuclear, que parecia ultrapassado quando, após o
acidente na usina de Fukushima, no Japão, a Alemanha decidiu fechar, até meados
da próxima década, todas as suas usinas – e foi acompanhada por vários países.
Até a França, que depende da nuclear em 70% de seu consumo total de energia,
decidiu rediscutir a questão. Além da possibilidade de acidentes graves, entra
em jogo a falta de destinação para o lixo nuclear em toda parte, inclusive no
Brasil.
Agora, entretanto, a
Inglaterra já estuda implantar em Hinkley Point, Somerset, ao custo de mais e
R$ 50 bilhões, um novo reator (já tem dois ali, um próximo do fechamento). A
decisão deve-se (New Scientist, 26/10/2013) à necessidade de novas fontes de eletricidade.
E a usina poderá prover até 7% do atual consumo no Reino Unido, embora o custo,
de R$ 3.500 por MW/hora, seja o dobro do atual. Mas não é só na Inglaterra a
retomada: a China está construindo 29 reatores e em 2030 terá um terço do
mercado mundial na área.
No Brasil o tema
continua polêmico. O professor Heitor Scalambrini Costa, da Universidade
Federal de Pernambuco, observa** (remabrasil, 4/1) que esse caminho envolve
“mais riscos do que a prudência aconselha”. Principalmente com a projetada implantação,
até 2030, de quatro novas usinas nucleares, duas das quais no Nordeste e pelo
menos uma às margens do Rio São Francisco. A população de Itacuruba (PE), por
intermédio de 50 instituições, já se manifestou contra o projeto e o Ministério
Público em Arapiraca (AL) exige em inquérito esclarecimentos dos
empreendedores. No Rio de Janeiro, a Justiça Federal exige (O Globo, 4/12/2013)
da Comissão Nacional de Energia Nuclear e da Eletrobrás que incluam em seus
orçamentos recursos para a construção de um depósito para o lixo nuclear das
usinas Angra 1 e 2 (onde ele fica em piscinas internas). Na Bahia, o Sindicato
dos Mineradores de Brumado e Microrregião denuncia a ocorrência de vários
acidentes na mineração e estocagem de urânio. Ricardo Baitelo (O Globo, 25/11/2013)
lembra que o custo de Angra 3 já está 39% acima do projeto inicial e chegou a
R$ 13,9 bilhões. Sem solução para o lixo.
Será a questão dos
resíduos algo que só se resolva com um projeto multinacional? – pergunta a
revista New Scientist (2/11/2013). Já há países que pensam nessa direção. E até
identificam a Argentina, a África do Sul, a China Oriental e a Austrália (este
último país principalmente) como os locais mais indicados. Mas o estudo “vazou”
para a comunicação e foi vetado pelo governo australiano. A Associação
Internacional para Estocagem no Subsolo insiste, entretanto, em que essa é a
melhor opção, ao custo de US$ 4,7 bilhões, que permitiria acondicionar o lixo
em cápsulas de cobre e asseguraria proteção ao longo de muitos séculos. O depósito
que os Estados Unidos começaram a instalar em Yucca Mountain, por exemplo, e
que foi abandonado pelo presidente Barack Obama, já custara mais que o dobro
disso.
O desastre da usina
de Fukushima continua a perseguir a memória mundial – mas o governo japonês já
recua e anuncia a retomada da produção de energia nuclear, com o argumento da
precariedade de outras fontes neste momento. Talvez para contornar ao menos
parte da resistência a operadora da usina anuncia que providenciará a remoção
dos resíduos radioativos na instalação e que, encerrados em dispositivos de
dióxido de urânio, ficarão em tonéis e, mais tarde, no fundo do oceano.
Paralelamente, planeja construir na região de Fukushima uma “cidade de energia
renovável”, com painéis solares, simultaneamente ao plantio em larga escala de
arroz, para incentivar parte da população deslocada pelo acidente (80 mil
pessoas) a retomar suas atividades. Já estão funcionando dez painéis solares,
com um total de 30 KW. Mas poderão ser acrescidas instalações de energia eólica
(1 GW). As primeiras colheitas, porém, serão destinadas à fabricação de
lubrificantes e óleos combustíveis.
Nos Estados Unidos,
com o projeto de Yucca Mountain posto de lado e ainda sem outras soluções para
o lixo radioativo, o Departamento de Energia vai financiar com US$ 226 milhões
um depósito ao lado de pequenos reatores submersos. Na Rússia, o governo está
construindo em São Petersburgo um reator nuclear flutuante, que funcionará em
2016.
Em meio a tudo isso,
prosseguem as notícias de que a contaminação de Fukushima continua a chegar à
costa oeste dos Estados Unidos, levada pelas águas do Pacífico. Cientistas do
Alasca manifestam preocupação. Mesmo nos Estados Unidos, a Agência de Energia
promete (The New York Times, 29/11/13) remover em 25 anos a carga radioativa
depositada em Savannah River Site. Ela passará a ficar em tanques subterrâneos.
Em Brunswick, na Alemanha, o problema é com centenas de toneladas de lixo
radioativo depositadas nas décadas de 1960 e 70 numa antiga mina de sal, que agora
gera a cada semana centenas de litros de salmoura contaminada.
Pode-se falar também
em 65 mil toneladas de resíduos de usinas nucleares norte-americanas (mais 2
mil toneladas por ano) levadas para depósitos temporários. No mundo, são 350
mil toneladas – mais 12 mil por ano – de lixo radioativo sem solução
definitiva. China, Índia e Rússia têm os maiores problemas. A Finlândia
pretende construir um depósito no fundo de rochas – caminho que a Suécia também
pretende seguir.
Esse é o panorama.
Mas por aqui continuamos impávidos, como se a questão não nos afetasse. Como se
não tivéssemos de resolver nosso problema já existente, nem o que nos aguarda
com os projetos em andamento e planejados – as críticas caem em ouvidos surdos.
No mínimo, a comunidade científica precisa estar mais presente à discussão. E
dar à sociedade argumentos de que ela necessita. (ecodebate)
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