quarta-feira, 4 de março de 2015

Crise energética e as diferentes visões sobre o problema

O ano de 2015 não começou com boas notícias para os consumidores. Entrou efetivamente em vigor a bandeira tarifária, que transfere de imediato para as contas de energia os custos com a geração térmica. Mas os aumentos não param por aí. O chamado “realismo tarifário” consiste não só na cobrança de despesas praticamente “em tempo real”. Também entra em cena a compensação para as empresas do setor pelas perdas dos últimos anos. As projeções chegam a ultrapassar a casa dos 60% de elevação só este ano. Mais do que rezar para São Pedro encher os reservatórios, a hora é de rever hábitos, investir em eficiência energética, procurar soluções mais econômicas e até recorrer à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou, em último caso, à Justiça.
O professor de MBA do setor elétrico da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Franklin Miguel calcula que, para cada R$ 1 bilhão de aumento de custos, viria 1% de reajuste na ponta. Só em transferências do Tesouro para cobrir o orçamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), por exemplo, foram repassados nos últimos dois anos R$ 25 bilhões. Como a meta fiscal não permite mais esse tipo de manobra, ninguém poderá estranhar o impacto de pelo menos 25 pontos percentuais até 2016 para a manutenção dos programas dessa rubrica. Os cálculos de rombos feitos por especialistas são variados, mas nunca fora da casa das dezenas de bilhões de reais. O professor da FGV alerta para o fato de que empresas de geração hídrica têm sido forçadas a comprar no mercado de curto prazo energia mais cara para cumprir seus contratos. O déficit estaria, segundo ele, em torno de 20%, bem acima da margem de risco, que é de 5%. Os prejuízos já somariam quase R$ 10 bilhões, conta que ainda não foi cobrada.
Aos consumidores de pequeno, médio ou grande porte caberia de imediato reduzir seu consumo. À medida que a demanda sobre as térmicas (mais caras) diminua, a necessidade de reajuste pode ser menor. A sociedade também pode, segundo ele, participar das três audiências públicas promovidas pela Aneel que tratam dos aumentos. Uma delas é sobre a elevação do valor da bandeira vermelha de R$ 3,00 a cada 100 kWh para R$ 5,50. É hora de reclamar. “Não vejo muito espaço no campo jurídico para se questionar esses aumentos. Mas grandes consumidores, principalmente o setor industrial, podem fazer valer sua força política”, afirma Miguel.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) vem acompanhando os altíssimos reajustes aplicados desde o ano passado. O gerente técnico Carlos Thadeu de Oliveira ressalta que o governo está antecipando a partir de agora aumentos que só viriam na revisão tarifária anual. Ele compara a medida com os empréstimos compulsórios do passado, que depois caíam no esquecimento. A elevação aplicada com as bandeiras teria que ser descontada no balanço posterior da Aneel. “O Código de Defesa do Consumidor dá margem a ações por aumentos abusivos ou indevidos. É possível que surja uma enxurrada de ações questionando esses reajustes daqui para frente”, afirma Oliveira. Ele lembra que além das bandeiras, as revisões extraordinárias que estão sendo previstas também são formas de repasse imediato de custos para o consumidor. Para ele, é hora de exigir mais transparência e cobrar na Justiça, se houver extrapolação.
O pró-reitor de Extensão da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), José Wanderley Marangon Lima, acredita que a crise atual está mais para crônica anunciada. O País não aprendeu totalmente a lição do racionamento de 2001. Segundo ele, teríamos que ter criado um sistema de “back-up” para cobrir eventuais deficiências das hidrelétricas, que fornecem 80% da energia, mas falham quando há falta de chuva. O custo das térmicas poderia ser menor, se eles tivessem recebido maior investimento para elevar sua produtividade, como, por exemplo, na logística de fornecimento de combustíveis. Por outro lado, é cada vez mais evidente, de acordo com ele, a necessidade de se investir em outras soluções mais ambientalmente corretas, como as usinas eólicas e solares. Embora no passado elas tenham sido preteridas por causa do seu alto custo, atualmente vêm se mostrando mais viáveis economicamente. “O evento do dia 19 de janeiro, quando as distribuidoras tiveram que reduzir o fornecimento, poderia ter sido evitado. O horário de pico de consumo ocorre entre 14h e 16h, justamente quando os painéis fotovoltaicos estão captando maior intensidade de luz. O potencial dessa fonte é enorme no interior de Minas e São Paulo, por exemplo”, avalia o professor, referindo-se ao recente apagão sofrido por 11 estados e pelo Distrito Federal.
Há alguns anos, a própria Unifei produziu estudo sobre a repotenciação de usinas hidrelétricas. Unidades antigas, segundo Marangon, poderiam ter um ganho de até 10% com a modernização das turbinas. Foi o que fizeram os americanos na usina de Hoover Dam, construída na década de 1930 no Rio Colorado. Pelo visto, informação e diálogo podem ser os melhores antídotos contra a atual crise. Numa série de reportagens, o portal Ambiente Energia pretende não só discutir essa crise, como apresentar soluções que garantam uma energia de qualidade, constante e com menor custo. Na próxima reportagem será abordada a questão de como erros de planejamento e atrasos em obras vêm prejudicando o quadro geral do setor elétrico. (ambienteenergia)

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