O ano de 2015 não começou com boas notícias
para os consumidores. Entrou efetivamente em vigor a bandeira tarifária, que
transfere de imediato para as contas de energia os custos com a geração
térmica. Mas os aumentos não param por aí. O chamado “realismo tarifário”
consiste não só na cobrança de despesas praticamente “em tempo real”. Também
entra em cena a compensação para as empresas do setor pelas perdas dos últimos
anos. As projeções chegam a ultrapassar a casa dos 60% de elevação só este ano.
Mais do que rezar para São Pedro encher os reservatórios, a hora é de rever
hábitos, investir em eficiência energética, procurar soluções mais econômicas e até recorrer à
Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ou, em último caso, à Justiça.
O professor de MBA do setor elétrico da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) Franklin Miguel calcula que, para cada R$ 1
bilhão de aumento de custos, viria 1% de reajuste na ponta. Só em
transferências do Tesouro para cobrir o orçamento da Conta de Desenvolvimento
Energético (CDE), por exemplo, foram repassados nos últimos dois anos R$ 25
bilhões. Como a meta fiscal não permite mais esse tipo de manobra, ninguém
poderá estranhar o impacto de pelo menos 25 pontos percentuais até 2016 para a
manutenção dos programas dessa rubrica. Os cálculos de rombos feitos por
especialistas são variados, mas nunca fora da casa das dezenas de bilhões de
reais. O professor da FGV alerta para o fato de que empresas de geração hídrica
têm sido forçadas a comprar no mercado de curto prazo energia mais cara para
cumprir seus contratos. O déficit estaria, segundo ele, em torno de 20%, bem
acima da margem de risco, que é de 5%. Os prejuízos já somariam quase R$ 10
bilhões, conta que ainda não foi cobrada.
Aos consumidores de pequeno, médio ou grande
porte caberia de imediato reduzir seu consumo. À medida que a demanda sobre as
térmicas (mais caras) diminua, a necessidade de reajuste pode ser menor. A
sociedade também pode, segundo ele, participar das três audiências públicas
promovidas pela Aneel que tratam dos aumentos. Uma delas é sobre a elevação do
valor da bandeira vermelha de R$ 3,00 a cada 100 kWh para R$ 5,50. É hora de
reclamar. “Não vejo muito espaço no campo jurídico para se questionar esses
aumentos. Mas grandes consumidores, principalmente o setor industrial, podem
fazer valer sua força política”, afirma Miguel.
O Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec) vem acompanhando os altíssimos reajustes aplicados desde o
ano passado. O gerente técnico Carlos Thadeu de Oliveira ressalta que o governo
está antecipando a partir de agora aumentos que só viriam na revisão tarifária
anual. Ele compara a medida com os empréstimos compulsórios do passado, que depois
caíam no esquecimento. A elevação aplicada com as bandeiras teria que ser
descontada no balanço posterior da Aneel. “O Código de Defesa do Consumidor dá
margem a ações por aumentos abusivos ou indevidos. É possível que surja uma
enxurrada de ações questionando esses reajustes daqui para frente”, afirma
Oliveira. Ele lembra que além das bandeiras, as revisões extraordinárias que
estão sendo previstas também são formas de repasse imediato de custos para o
consumidor. Para ele, é hora de exigir mais transparência e cobrar na Justiça,
se houver extrapolação.
O pró-reitor de Extensão da Universidade
Federal de Itajubá (Unifei), José Wanderley Marangon Lima, acredita que a crise
atual está mais para crônica anunciada. O País não aprendeu totalmente a lição do
racionamento de 2001. Segundo ele, teríamos que ter criado um sistema de
“back-up” para cobrir eventuais deficiências das hidrelétricas, que fornecem
80% da energia, mas falham quando há falta de chuva. O custo das térmicas
poderia ser menor, se eles tivessem recebido maior investimento para elevar sua
produtividade, como, por exemplo, na logística de fornecimento de combustíveis.
Por outro lado, é cada vez mais evidente, de acordo com ele, a necessidade de
se investir em outras soluções mais ambientalmente corretas, como as usinas
eólicas e solares. Embora no passado elas tenham sido preteridas por causa do
seu alto custo, atualmente vêm se mostrando mais viáveis economicamente. “O
evento do dia 19 de janeiro, quando as distribuidoras tiveram que reduzir o
fornecimento, poderia ter sido evitado. O horário de pico de consumo ocorre
entre 14h e 16h, justamente quando os painéis fotovoltaicos estão captando
maior intensidade de luz. O potencial dessa fonte é enorme no interior de Minas
e São Paulo, por exemplo”, avalia o professor, referindo-se ao recente apagão
sofrido por 11 estados e pelo Distrito Federal.
Há alguns anos, a própria Unifei produziu
estudo sobre a repotenciação de usinas hidrelétricas. Unidades antigas, segundo
Marangon, poderiam ter um ganho de até 10% com a modernização das turbinas. Foi
o que fizeram os americanos na usina de Hoover Dam, construída na década de
1930 no Rio Colorado. Pelo visto, informação e diálogo podem ser os melhores
antídotos contra a atual crise. Numa série de reportagens, o portal Ambiente
Energia pretende não só discutir essa crise, como apresentar soluções que
garantam uma energia de qualidade, constante e com menor custo. Na próxima
reportagem será abordada a questão de como erros de planejamento e atrasos em
obras vêm prejudicando o quadro geral do setor elétrico. (ambienteenergia)
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