Um grande potencial de geração de energia para o
Brasil está nos dejetos urbanos e rurais, que atualmente, na maioria das vezes,
só servem para poluir o meio ambiente. Vários estudos recomendam o
aproveitamento do lixo, do esgoto, de rejeitos agrícolas e de estrumes de
animais como matéria-prima para a produção do biogás, que poderia incrementar a
matriz energética. Hoje em dia, apenas 0,04% da energia gerada na matriz vêm
dessa fonte. No entanto, se todo esse material fosse usado para o suprimento
elétrico, há quem aposte que tal contribuição poderia chegar até a 5% a longo
prazo. Além de investimento em tecnologia, o País precisaria criar mecanismos
de estímulo à geração distribuída, para que o sistema absorva o excedente das
usinas.
Para o engenheiro Nuno Lopes, da empresa EMCB
Brasil, o aproveitamento de dejetos urbanos é possível, mas necessita de
instalações apropriadas. Neste caso, é preciso também atentar para questão dos
óleos comestíveis, dejetos venenosos, produtos metálicos e medicamentos, todos
deixados sem controle no lixo comum.
Sobre lixos urbanos, o engenheiro defende o
tratamento diferenciado do lixo, conforme o tamanho da população. Segundo ele,
para os lixos urbanos em grande quantidade é necessário considerar o
aproveitamento em incineração dedicada, pois o espaço para o armazenamento de 2
kg por dia e por pessoa obriga a um processo de deposição em aterro, quando não
em lixão, envolvendo grandes áreas – e um custo elevado em espaço – com lixos
que produzem chorume de difícil tratamento.
Acresce a este fato que a deposição em aterro
obriga a um período de armazenagem de várias décadas, com uma produção muito
pequena e lenta de biogás. Sou favorável a este tipo de processo em comunidades
de população inferior a 100 000 pessoas. Para locais onde se possa reunir o
lixo de até um milhão de pessoas, o ideal seria a instalação de uma central de
triagem com biodigestão e separação de lixos, e para cidades ou aglomerados com
mais de um milhão de pessoas, sou favorável à incineração dedicada. Nuno Lopes
entende que o assunto do lixo não pode ser visto como uma solução energética
por si só, mas sim como uma solução conjunta de saúde pública.
Um dos defensores do aproveitamento do biogás é o
professor do Instituto de Economia da UFRJ João Felippe Mathias.
Segundo ele, essa fonte de energia poderia ser
melhor aproveitada a partir do campo. Com base em dados do Censo Agropecuário
de 2006, do IBGE, ele estudou o potencial de geração a partir dos dejetos de
animais suínos e bovinos confinados. Esse material, que muitas vezes acaba
poluindo rios e córregos, poderia produzir até 27 milhões de m3 de
gás metano por dia. A quantidade equivaleria ao que o Brasil importa de gás
natural da Bolívia. “Seria um objetivo mais de longo prazo. Precisaríamos de
uma série de aprimoramentos técnicos nas propriedades rurais e de decisões
políticas para estimular esse processo. Mas devido à escassez da energia
hídrica, temos que começar logo”, afirma Mathias.
Segundo ele, o biogás (composto de 50% a 70% de gás
metano) também poderia ser produzido em grandes quantidades a partir da vinhaça
da cana de açúcar, subproduto da fabricação do etanol. Estudos apontam um
potencial no País em torno de 10 milhões de m3/dia do novo
combustível.
Professor de engenharia da Universidade Estadual Paulista
(Unesp), José Luz Silveira explica que, além de produzir energia, esse processo
evita o despejo na atmosfera de gases que contribuem para o efeito estufa. Para
se chegar ao biogás, normalmente são usadas bactérias biodigestoras. Processo
semelhante pode ser utilizado também em estações de tratamento de esgoto. Um
projeto experimental funcionou durante alguns anos na própria universidade,
cujo esgoto era tratado e produzia energia suficiente para atender uma
população de 1.200 pessoas. O especialista aponta algumas incongruências na
falta de energia por que passa o País, tendo em vista a grande quantidade de
subprodutos do agronegócio que vão para o lixo, como a casca do arroz. Através
do processo de gaseificação, esse e outros rejeitos poderiam ser convertidos em
fonte de energia. “O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de papel e
celulose, mas essa indústria está apenas voltada para a produção de energia
para a autossuficiência. Poderia produzir um grande excedente para o sistema.
Infelizmente, nossas autoridades priorizaram a complementação com as
termelétricas, porque ficam prontas mais rápido”, avalia Silveira.
O Ministério de Minas e Energia informou que o
Brasil só conta com 24 usinas de geração a biogás, que totalizam 66.120 kW de
capacidade instalada. Mais de 90% dessa força é fornecida pelos aterros
sanitários, a maioria deles no Estado de São Paulo. A captura do gás gerado
pela decomposição do lixo urbano evita o lançamento desse poluente na
atmosfera, mas o potencial elétrico desse aproveitamento ainda é questionado.
Guilherme Dantas, professor do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ, diz
que esse método de produção de energia tende a crescer no País, mas sozinho não
terá como aumentar em grande escala a matriz. “Existe um grande potencial para
o crescimento desta fonte. No entanto, a mesma sempre terá um caráter marginal
na oferta brasileira de energia elétrica. Sua maior importância advém de se dar
uma destinação sustentável aos resíduos sólidos urbanos”, ressalta o professor.
Segundo ele, no caso de lixões que sequer têm sistemas de captura do gás, a
tentativa de coleta do metano para a queima seria contraproducente.
Autor do livro “Os Bilhões Perdidos no Lixo”,
Sabetai Calderoni também desdenha do potencial elétrico de aterros sanitários.
Segundo ele, o aproveitamento do lixo deveria ser observado sob a ótica da
busca de uma maior eficiência energética da economia como um todo. Se todo o
lixo domiciliar fosse reciclado, o consumo de energia na produção de algumas
commodities seria poupado. Desses dejetos, saem fertilizantes, metais e
plásticos. Segundo ele, com o avanço das usinas de tratamento de resíduo, mesmo
sem a separação em casa dos materiais, já é possível reciclar até 97% do que é
jogado fora. Os melhores exemplos disso estão na Alemanha e nos Países Baixos.
“Aterro sanitário é algo que sequer deveria existir. Reciclagem é economia de
energia”, afirma Calderoni, que é presidente do Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Sustentável (Ibrades) e consultor da ONU.
A série Crise Energética: soluções para geração, segurança e eficiência,
do Ambiente Energia, terá prosseguimento com nova reportagem sobre as
oportunidades criadas pela crise. Saiba como os profissionais podem se
beneficiar com as novas demandas geradas pela falta de energia e por seu
encarecimento. (ambienteenergia)
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