País desperdiçou potencial para energia eólica, aponta
pesquisa
Parque eólico de Osorio, no Rio Grande do Sul.
O Brasil perdeu janelas de
oportunidades para promover uma política nacional consistente de inovação e
tecnologia que incentivasse a geração de energia eólica, como fizeram Índia e
China, dois de seus parceiros do Brics. Apesar de ter criado um mercado capaz
de baratear este tipo de energia, com preços muito competitivos, o país acabou
desperdiçando o seu enorme potencial ao não criar medidas para incentivar o
desenvolvimento e o aprendizado local para o setor.
O caminho poderia ter sido
diferente, caso as políticas de mercado, de desenvolvimento industrial e de
ciência e tecnologia tivessem convergido para promover a inovação. Atualmente,
a indústria brasileira de energia eólica é dependente e altamente
internacionalizada, avalia a economista Edilaine Venâncio Camillo.
A avaliação integra estudo de
doutorado sobre o tema defendido por ela junto ao Departamento de Política
Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. A
pesquisa obteve menção honrosa no Prêmio Capes de Teses 2014. O trabalho foi
orientado pelo docente André Tosi Furtado, que atua no DPCT e coordena linha de
pesquisa sobre Energia e Desenvolvimento.
Pela análise de Edilaine
Camilla, havia no mundo, sobretudo a partir da década de 2000, momentos
propícios ao aprendizado tecnológico para este tipo de energia alternativa. E,
ao contrário de Índia e China, o país deixou esta chance passar. Agora,
conforme a economista, com a tecnologia praticamente madura, o desenvolvimento
de uma política nacional nesta área demandaria um esforço muito maior por conta
das barreiras competitivas criadas pelos países que estão na ponta deste setor.
“O Brasil não soube
aproveitar a capacidade produtiva e científica para construir essa cadeia
localmente. O esforço hoje vai ser muito maior do que no início dos anos 2000.
Os custos da eólica já estão caindo muito. Portanto, se o país entrar nesta
briga, terá que produzir a um custo muito baixo. E ele não sabe muito bem como
fazer isso. A China foi o último país que conseguiu aproveitar essa janela.
Hoje o Brasil teria que ter um grande poder de mercado para entrar com uma
escala muito grande de produção”, reconhece.
Conforme a pesquisadora,
tanto China como Índia, que estavam num cenário parecido ao brasileiro naquele
período, criaram programas de transferência e aprendizado de tecnologias para o
setor. Atualmente, de acordo com ela, há muitas empresas chinesas e indianas
atuando no mercado internacional e vendendo esta tecnologia, inclusive para o
Brasil.
“O Brasil não criou
incentivos para fazer programas de pesquisas locais em energia eólica. Não
existem aqui centros de pesquisa específicos em energia eólica, como têm em
outros países. Como a tecnologia já estava sendo desenvolvida, esses centros de
pesquisas articulariam, por exemplo, uma proposta de energia eólica para o
contexto local. Foi isso que os outros países fizeram”, compara.
Ela acrescenta que o país
poderia ter seguido outro caminho, com o desenvolvimento de uma indústria local
e de um processo de aprendizado tecnológico. Segundo a economista a política
industrial brasileira foi, de certa forma, contemplada ao se pensar numa exigência
de nacionalização dos equipamentos, mas essa política focou essencialmente na
busca por atração às empresas multinacionais.
Em sua pesquisa, Edilaine
Camilla elaborou uma ampla análise das políticas de inovação da energia eólica
no Brasil, utilizando os países líderes neste setor como base. Ela indica, na
ponta, a Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Alemanha, Índia e China. Estes
dois últimos países merecem destaque especial na análise do caso brasileiro
porque promoveram um amplo aprendizado tecnológico e deixam lições importantes
ao Brasil, ressalta.
Para a pesquisadora da
Unicamp, as políticas de inovação tem um caráter multifacetado e devem atuar de
forma concomitante e coordenada em esferas diversas, como a da transferência de
tecnologia e a industrial. “Foi exatamente isso que fizeram Índia e China”,
pontua. No caso brasileiro, houve um claro descompasso entre o estágio de
desenvolvimento da tecnologia local e no mundo, aponta.
“Os instrumentos de promoção
não foram ajustados ao contexto do país e da indústria no mundo. O Brasil tem
condições específicas de vento, condições específicas de solo, temos uma série
de fatores locais que podem dificultar, ao longo do tempo, o funcionamento
desta tecnologia. Hoje, como o Brasil não fez a ‘lição de casa’, vai ter que
estudar e se adaptar ou importá-la”, explicita.
A estudiosa analisou o
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), implementado
no país em 2004. “Este programa tinha que ser encerrado em 2006, mas, como
houve uma série de entraves, principalmente no que se refere à energia eólica,
ele foi prolongado até 2008. Quando comecei os estudos, o objetivo era entender
porque havia estes entraves em relação à energia eólica. Além da eólica, o
Proinfa abarcava as pequenas centrais hidrelétricas e as termoelétricas movidas
à biomassa. As metas para estas fontes estavam sendo cumpridas, mas para a
eólica, não”, lembra.
Além deste período, foi
investigada outra fase da política brasileira, na qual há forte participação da
fonte eólica nos leilões de energia elétrica. Com a não regulamentação de uma
segunda fase do Proinfa, os leilões de compra e venda de energia se tornaram o
principal meio de incrementar a participação das fontes alternativas na geração
de energia elétrica. Desenhou-se, assim, um novo contexto de promoção à energia
eólica no país, situa a economista.
“Não investigo estas fases
isoladamente. Analiso a política industrial, pois a atividade de geração de
energia eólica está muito vinculada à produção de equipamentos. E a fabricação
de equipamentos é o principal custo para se montar o parque eólico. Ao olhar
para a indústria, tenho que olhar também para a tecnologia. Esse é um foco
central para se analisar como que o país está absorvendo esta tecnologia por
meio da pesquisa e inovação”, detalha.
A energia eólica, segundo a
economista e pesquisadora da Unicamp, é a fonte renovável que vem crescendo de
forma mais acelerada nas últimas duas décadas. A tecnologia para este setor tem
sofrido forte incremento também. Ela explica que os geradores das turbinas
atuais são 100 vezes maiores do que aqueles do início dos anos de 1980, quando
a energia eólica estava dando seus passos iniciais.
A capacidade acumulada em
energia eólica mundial cresceu 30% ao ano, em média, desde meados da década de
1990. Apesar desta expansão ter se dado num ritmo menor em 2011, devido à crise
financeira global, não há sinais de que essa tendência de crescimento vá se
inverter nos próximos anos, afirma Edilaine Camilla.
Ela menciona dados do IPCC
(Intergovernmental Panel on Climate Change), demonstrando que a participação da
energia eólica, entre as fontes produtoras de energia elétrica, respondeu por
33% de toda a capacidade instalada entre 2000 e 2009 na Europa. Nos Estados
Unidos este índice chegou a 10%. Na China esse percentual foi de 16% em 2009.
Considerando a capacidade global, a energia eólica participou com 20% na soma
das potências de todas as fontes instaladas em 2009.
“O Brasil, apesar de contar
com uma política para energia eólica desde 2004, entrou apenas recentemente no
mapa mundial de investimentos da indústria de energia eólica, tanto no que diz
respeito à capacidade instalada quanto à fabricação de aerogeradores. Em 2008,
a capacidade instalada em energia eólica no país não passava de 414 megawatts.
Ao final de 2012, a capacidade instalada somava em torno de 2.000 megawatts ou
1,7% da capacidade total de geração de elétrica do país, mas a capacidade
contratada já alcançava 8.381 megawatts”, analisa.
Ela informa que o país também
se tornou recentemente um polo de atração de subsidiárias de multinacionais
fabricantes de turbinas e componentes para a geração de energia eólica. Dados
citados em sua pesquisa demonstram que, até 2008, o país abrigava apenas uma
fabricante de equipamentos completos. Em 2012, esse número subiu para sete, não
contando as fabricantes de componentes e partes de turbinas eólicas.
(ecodebate)
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