O RenovaBio, política de
biocombustíveis do Brasil que terá o pontapé inicial em 24/12/19, trará
mecanismos que visam incentivar empresas do setor a cumprir rigorosas regras
contra o desmatamento para expansão agrícola.
Essas metas devem mobilizar as
indústrias de etanol e biodiesel em prol da redução de danos ambientais em
momento em que o país registra avanço do desmatamento, segundo especialistas.
A iniciativa, que visa
garantir receita adicional ao produtor de biocombustível pela redução de emissões
de gases de efeito estufa proporcionada pelo uso de etanol e biodiesel, requer
que áreas usadas para cana, soja e milho não tenham sofrido desmate após
novembro de 2018, ainda que a lei ambiental permita.
Essa receita adicional deverá
ser obtida pela emissão, pelas usinas, dos chamados créditos de descarbonização
(CBio), que serão comprados pelas distribuidoras de combustíveis para compensar
as emissões pela venda de combustíveis fósseis.
No horizonte de uma década,
por meio dos CBios, o RenovaBio tem objetivos de retirar cerca de 670 milhões
de toneladas de dióxido de carbono da atmosfera, contribuindo para o
cumprimento das metas do Acordo de Paris, além de impulsionar a indústria de
biocombustível.
Criado por lei aprovada no
final de 2017, na administração Michel Temer, o programa teve a regulamentação
concluída já sob o governo Jair Bolsonaro, que tem levantado tensão entre
ambientalistas devido à alta nos índices de desmatamento na Amazônia e às
declarações polêmicas do presidente sobre o tema.
"Se tiver um hectare
desmatado após novembro de 2018, a propriedade rural está fora do
RenovaBio", destacou o gerente de Economia e Análise Setorial da União da
Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Luciano Rodrigues, em referência a áreas
produtoras das principais matérias-primas dos biocombustíveis.
Em entrevista à Reuters, ele
disse que, para evitar questionamentos, as regras do RenovaBio são mais
rigorosas do que as estabelecidas pelo Código Florestal, que autoriza o
desmatamento de parcelas da propriedade rural em percentuais que dependem da
região, com normas mais severas no Bioma Amazônico, onde é permitido pela lei
desflorestar até 20% da área.
O
rigor do RenovaBio em relação ao desmatamento, a principal fonte de emissão de
carbono no Brasil, será estabelecido em um momento em que integrantes do
próprio governo e agricultores questionam a Moratória da Soja, um programa da
indústria que proíbe a compra de grãos de áreas do Bioma Amazônico
desflorestadas após 2008. Fazendeiros querem ter o direito de usar toda a área
agrícola que a lei permite.
Desafio de rastrear
No caso do setor de etanol de
cana, que pela própria lógica do negócio trabalha com fornecedores mais
próximos das usinas, o controle da origem da matéria-prima livre de
desmatamento seria mais fácil, concordou o economista da Associação Brasileira
das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Amaral.
Questionado, ele admitiu que
a rastreabilidade da soja e do milho é questão que exige atenção, pois os grãos
são comprados de vários fornecedores e armazenados em um mesmo silo.
"Isso acaba sendo um
desafio... a soja, desde que armazenada em boas condições, ela pode ser
transportada de Mato Grosso para a China, para qualquer lugar. Isso traz
desafio maior de estreitar o relacionamento com o produtor", comentou ele,
lembrando que o RenovaBio exige que o agricultor tenha Cadastro Ambiental Rural
(CAR), uma ferramenta de rastreabilidade.
Ele disse ainda que o
RenovaBio, por meio dos CBios, deverá dar um incentivo financeiro aos
integrantes da cadeia produtora, permitindo uma espécie de pagamento por
serviços ambientais. Segundo Amaral, caberá a cada setor negociar para definir
valores que poderão ser repassados aos fornecedores.
De olho nisso, dezenas de
empresas já estão participando do processo em busca da aprovação para emissão
de CBios, incluindo unidades de multinacionais como a Cofco, Tereos e BP, além
de brasileiras como Biosev e São Martinho, de acordo com a Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Até 13/12/19 47 companhias
estavam em fase de consulta pública para certificação visando emissão dos
certificados. Outras 40 estavam sob aviso de início de consulta pública,
enquanto 29 passavam por consulta e cinco haviam sido aprovadas, apontou a ANP,
incluindo unidades de biodiesel BSBios e JBS, além plantas de etanol da São
Martinho e da usina Vale do Paraná.
Com base neste interesse
inicial, a reguladora afirmou à Reuters em nota que acredita que as empresas
aprovadas nos próximos meses serão suficientes para que o país atinja a meta de
2020, de descarbonização de 28,7 milhões de toneladas.
"Os produtores de maior
volume estão em processo de certificação, o que nos dá segurança para alcançar
as metas".
Eficiência, a chave do
negócio
Enquanto associações do setor
admitem que ajustes finos precisam ser feitos para aprimorar o RenovaBio, todos
têm certeza de que as empresas precisarão buscar eficiência para conseguir
tirar o melhor proveito do programa.
"A usina mais eficiente
vai emitir mais CBios... O programa vai resultar em mais
produtividade...", disse o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua
Rodrigues.
O grau de eficiência será
medido no processo de autorização para emissão dos CBios e ditará a proporção
de certificados a serem obtido pelos produtores para cada volume de etanol
comercializado.
Assim uma usina mais eficaz
poderá emitir certificado com metade do volume de etanol que uma usina menos
eficaz precisaria comercializar para obter o mesmo CBio, disse o diretor
técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues.
"A diferença do ganho
entre uma mais eficiente e uma menos eficiente pode ser de 100%", apontou
ele, o que explicaria a corrida por uma nota melhor e, por consequência, pela
possibilidade de maior receita com o RenovaBio.
O presidente da União Nacional
do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco, defendeu que a RenovaCalc
(calculadora para definir a nota de desempenho ambiental das usinas) seja
ajustada para capturar alguns ganhos de eficiência, como por exemplo a redução
na aplicação de adubos devido ao resíduo de fertilizante deixado no solo para o
milho, após o cultivo da soja.
"Há uma dificuldade de
segregação de insumos de primeira e segunda safra, mas o governo e a ANP estão
muito abertos a construir os ajustes necessários...", disse Nolasco, acrescentando
que, no que diz respeito à questão ambiental, ainda que o milho usado pelas
usinas seja plantado "em áreas consolidadas" (sem desmatamento), o
setor está discutindo a criação de um "dispositivo de rastreabilidade de
origem".
Marcos
Fava Neves, professor titular da USP e da FGV, especialista em planejamento
estratégico do agronegócio, avalia que o setor conta com amplas áreas de
pastagem no Brasil para ampliar a produção de matérias-primas sem apresentar
problemas ao RenovaBio, e que os CBios, ao ampliarem a renda das empresas,
estimularão a produção sustentável.
Assim como as associações,
Neves evitou fazer estimativa de preço para o mercado de CBio. Mas ele avaliou
que a margem das usinas pode aumentar em cerca de 30% com o programa e os
certificados. (noticiasagricolas)
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