A
complexidade técnica das tecnologias aliada ao alto custo de investimento para
implantá-las, bem como a falta de pesquisa e de políticas públicas voltadas ao
setor, impedem que a questão avance nesses países, aponta o artigo The
state-of-the-art of organic waste to energy in Latin America and the Caribbean:
Challenges and opportunities.
O
estudo é fruto da pesquisa de doutorado que está sendo desenvolvida pelo
engenheiro civil mexicano Rodolfo Daniel Silva Martínez, no Instituto de
Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo/IEE-USP, no âmbito do Fapesp
Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI). Sob a orientação do
pesquisador Alessandro Sanches Pereira, ele investiga a viabilidade da
implementação de tecnologia de digestão anaeróbica feita por meio de
biodigestores de pequeno a grande porte na América Latina e Caribe. “O primeiro
passo da pesquisa foi exatamente tentar entender a atual situação das
tecnologias bioquímicas e termoquímicas para o tratamento de resíduos orgânicos
na região”, explica o pesquisador.
Para
traçar esse cenário, Martínez, seu orientador e outros pesquisadores de
instituições da Colômbia, Suécia e Alemanha levantaram mais de 21 mil estudos
acadêmicos sobre o tema escritos entre 2000 e 2019. Após seleção, 199 deles
serviram de bibliografia para o artigo. “Essas tecnologias vêm sendo implantadas
na América Latina e Caribe a partir, sobretudo, das últimas quatro décadas, mas
as experiências variam bastante entre os países dada a complexidade e
desigualdade socioeconômica da região”, relata Martínez. “Argentina, Brasil,
Chile e México estão na frente: a legislação tem mudado e o poder público já
entende as vantagens do tratamento adequado dos resíduos orgânicos, que está
alinhado à lógica da economia circular e reúne benefícios econômicos, sociais e
ambientais. Mesmo assim há ainda muito o que avançar em toda a região,
inclusive nesses quatro países”.
Combustão
predomina – Como aponta o artigo, a combustão é hoje a tecnologia termoquímica
mais utilizada na região em função do baixo custo financeiro. Cerca de 67% das
usinas de açúcar na Guatemala e 100% dessas unidades situadas em Honduras, por
exemplo, aproveitam o bagaço de cana por meio da incineração, como o processo é
também conhecido. Em geral, a energia elétrica resultante da queima dos dejetos
supre a demanda da própria usina. Porém, a alternativa não se restringe ao
setor da cana-de-açúcar.
Países como República Dominicana e Cuba, aponta o estudo, também são utilizados resíduos como casca de arroz ou de café, além de restos de madeira. “Entretanto, caso não seja realizada do jeito adequado, a combustão traz grande impacto ambiental devido à emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, sobretudo o dióxido de carbono, além de possíveis poluentes como dioxinas e furanos”, aponta Martínez.
Biodigestor: uma solução para o descarte de resíduos orgânicos.
De
acordo com o pesquisador, há outros exemplos de tecnologias termoquímicas que
provocam menor impacto ao meio ambiente. Uma delas é a pirólise, cujo processo
realizado em alta temperatura e sem oxigênio gera o bio-óleo que pode ser
transformado em combustível para substituir, por exemplo, derivados de
petróleo, ou então servir de matéria prima para a indústria química, como na
produção de produtos farmacêuticos e cosméticos. Outro exemplo desse tipo de
tecnologia é a gaseificação, capaz de transformar por meio de várias reações
termoquímicas um resíduo sólido em biodiesel, hidrogênio, calor ou metanol.
“Entretanto, tanto a gaseificação quanto a pirólise são tecnologias caras, que
precisam ser importadas da Europa e dos Estados Unidos. O ideal seria
desenvolvê-las aqui em vez de comprá-las, mas falta conhecimento técnico. Daí a
necessidade de se investir em pesquisa”.
Tropicalização
de tecnologia – No artigo, o pesquisador argumenta que a gaseificação pode ser
uma tecnologia de implantação promissora na América Latina e Caribe. “Porém,
antes dessa implementação em larga escala na região é preciso resolver o
problema dos possíveis impactos no meio ambiente de poluentes como óxidos de
nitrogênio ou halogêneos”, alerta Martínez. A opção mais viável, defende o
pesquisador, seriam os digestores anaeróbicos, tipo de tratamento bioquímico
pelo qual a matéria orgânica decomposta pela ação microbiana gera o biogás. “Os
primeiros biodigestores de pequena escala foram instalados na região, sobretudo
no início dos anos 1970, e já na década seguinte a maioria dos países havia
desenvolvido experiências com essas tecnologias em função do baixo custo de
investimento e manutenção”, relata Martínez.
O
pesquisador lembra que as tecnologias bioquímicas, como é o caso dos
biodigestores, da fermentação e da captura de gás de aterro sanitário, são mais
naturais e consomem pouca energia elétrica, entretanto não se adequam a todos
os casos. “Os tratamentos bioquímicos levariam anos para processar resíduos de
madeira, por exemplo. Nesse caso é melhor lançar mão das tecnologias
termoquímicas”, diz. “É preciso escolher as tecnologias levando em conta as
características de cada lugar”, completa.
Segundo
Martinez, o interesse por biodigestores em larga escala vem ganhando espaço em
países da região nos últimos anos, apesar do alto custo de implantação e
manutenção, além da complexidade técnica. Entre os exemplos está a primeira
unidade de biometanização seca em larga escala para tratar a fração orgânica
dos resíduos sólidos urbanos da América Latina, inaugurada em 2018. O projeto é
fruto da parceria entre a empresa mineira Methanum Energia & Resíduos, a
Universidade Federal de Minas Gerais e a Estação de Transbordo da Companhia
Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), da cidade do Rio de Janeiro.
Tecnologia utilizada ali é chamada de metanização extrasseca e produz fertilizantes e biogás a partir de resíduos sólidos. Com exceção de alguns equipamentos importados utilizados na planta, quase tudo foi desenvolvido e fabricado no País: engenharia construtiva, de processo e de controle; e os materiais. “No Brasil vem acontecendo o que chamamos de ‘tropicalização de tecnologia’, uma adaptação das tecnologias europeias ao contexto local, que produz melhores resultados e incentiva a indústria no País”, diz Martínez.
Biodigestor pode produzir energia elétrica para minha casa e para meus negócios?
É por isso que, apesar dos desafios, o pesquisador enxerga com otimismo as perspectivas para a região. “Estamos no caminho certo. Há hoje muitas redes de colaboração onde pesquisadores latino-americanos e caribenhos compartilham experiências e saberes”, diz. “Entretanto, para que isso seja implementado, os países precisam ter políticas públicas voltadas para essa questão”. (ecodebate)
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